Pesadelo vitoriano: o poço hiperprofundo
Parece só um poço desativado como qualquer outro. Discretamente ao lado do hospital Nuffield, no subúrbio de Woddingdean, em Brighton and Hove, o poço hoje coberto com uma grade, foi concluído em 1862 e é a maior atração turística do local. Quem olhar para dentro, só vai ver um buraco rumo à escuridão, sem imaginar que seu fim está a mais de 390 m de profundidade, mais que a altura do Empire State Building em Nova York (que tem 381 m). É o mais profundo poço cavado sem auxílio de máquinas modernas. Mas isso é só a parte mais óbvia de sua história, que é uma janela para os valores de sua época.
O poço começou com um projeto de expansão de uma escola industrial para adolescentes pobres. Escola industria vinha a ser uma instituição cujo propósito era ensinar os “hábitos da indústria” – fazer os jovens trabalhar o mais duro possível para impedi-los de adquirir o espírito da ociosidade, a “causa da pobreza”, como se acreditava. Era parte da iniciativa dos Guardiões de Brighton, grupo de moradores responsável por “auxílio” aos pobres, que contava com instalações para adultos que não conseguiam emprego. Essas eram as casas de trabalho, que funcionavam pelo mesmo princípio: labuta o mais extenuante e desagradável possível, para evitar que alguém quisesse se inscrever “por preguiça”, “sem necessidade”.
Em 1858, quando o projeto começou, já havia água encanada, movida por bombas a vapor. Mas o custo foi considerado proibitivo, então um poço foi encomendado. Seriam usadas as mãos de casa de trabalho próxima, o que tinha a conveniência de passar uma mensagem sobre o tipo de trabalho que esperava quem quisesse entrar na instituição. E, com isso, evitar que alguém tentasse entrar para relaxar.
Sabia-se que o solo daquela parte de Brighton era pobre em água. Só não o quanto. Após a primeira pazada em março de 1858, por 24 horas por dia, sete dias por semana, os internos da casa de trabalho passaram a cavar o poço de 6 pés (1,83 m) de diâmetro. Alguns centímetros eram escavados, uma fileira de tijolos, assentada, e, camada a camada, o buraco ia afundando. O solo era removido por baldes e escadas improvisadas davam acesso os trabalhadores, na mais completa escuridão, abatida apenas por velas. A construção continuou e continuou, sem sinal de água. Mas isso não deteve os planejadores. Só reforçava a mensagem aos pobres locais.
Dois anos depois de começada, a 133 metros de profundidade e nada de água, uma outra estratégia foi tentada: túneis laterais, tentando encontrar um aquífero. Sem resultado, um segundo poço vertical, ao final de um corredor de 10 metros, foi ordenado. Esse só tinha 4 pés de largura (122 cm). Em condições ainda mais lúgubres, a construção continuou. Um funcionário despencou para o fundo fim e foi removido. Misericordiosamente (ou talvez não) seria a única vítima fatal.
Em 16 de março de 1862, quatro anos após o início da construção, o poço havia atingido 1.285 pés (391,67 metros) de profundidade. Foi quando um trabalhador sentiu a terra se mover para cima, no que ele comparou com um grande pistão, levantando-o. Era, enfim água, mas ninguém teve tempo de celebrar. Ruidosamente, o fundo se desintegrou e ferramentas foram engolidas pela água, que começou a jorrar. Em quase pânico, os homens subiram o mais rápido que podiam, com a água atingindo 122 metros em uma hora.
Ninguém morreu dessa vez, e um recorde que dura até hoje foi estabelecido. Poços cavados por brocas modernas podem atingir mais de 1 km de profundidade, mas geralmente são mais rasos que o poço de Woodingdean (aqui no Brasil, poços para atingir o Aquífero Guarani tem por volta de 300 metros). São bem mais estreitos, consistindo em longos canos. O buraco mais fundo cavado pela humanidade é o Poço Superprofundo de Kola, na Rússia, uma perfuração científica atingindo 12.262 metros, com 23 cm de diâmetro.