Os nazistas desarmaram o povo?

Na reunião revelada na semana passada, Bolsonaro falou em “armar o povo contra a ditadura“. É um argumento importado da direita americana, do movimento pró-armas baseado em sua interpretação da Segunda Emenda da Constituição do país. Nessa mesma conversa de ditadura, também surge o argumento de que tiranos desarmam suas populações antes de dominá-las – e inalteravelmente, como prevê Godwin, Adolf Hitler surge na conversa. Armamentistas levantam que Hitler desarmou a população/os judeus, permitindo o Holocausto. E você não quer isso, quer?

A repressão às armas na Alemanha é de antes do nazismo. Após a Primeira Guerra, a República de Weimar, a Alemanha democrática que se seguiu à monarquia, impôs, em janeiro de 1919, a proibição total de armas de fogo e seu confisco. Uma das razões era a paz negociada com os aliados, que exigia o desarmamento do país, firmada posteriormente no Tratado de Versalhes, em junho. Outra era a instabilidade política, movimentos violentos de veteranos contrários ao novo governo democrático, organizados nos Freikorps (“Corpos Livres”, “corpo” aqui no sentido de unidade de infantria), que também combatiam as tentativas de revolução comunista. O movimento nazista foi fundado por ex-Freikorps, como Heinrich Himmler, e outros veteranos de guerra antidemocráticos, como o próprio Hitler. Os nazistas mostraram a razão para as leis ao tentarem derrubar o governo democrático no Putsch da Cerverjaria de 1923, uma tentativa de insurreição armada.

A lei foi relaxada em 1928, permitindo a posse sob licença para cidadãos de “boa reputação”. Foi mantida pelo governo nazista, que começaria em 30 de janeiro de 1933, até uma nova lei em 18 março de 1938, que é a que os movimentos pró-armas costumam citar. A nova lei proibiu judeus de produzir e vender armas, mas também:

  1. Desregulou completamente as armas longas (espingardas e escopetas, que não podem ser ocultas);
  2. Desregulou e a posse de munição;
  3. Reduziu a idade mínima para comprar uma arma de 20 para 18 anos;
  4. Estendeu as licenças de um para três anos;
  5. Deu posse livre a membros do governo (de qualquer ramo) e do Partido Nazista.

Isto é: nazistas não liberaram completamente, mas facilitaram a aquisição de armas para a maioria dos alemães, com exceção dos inimigos do Estado, que sofriam inúmeras outras restrições (e só perderam mesmo a posse numa lei posterior, do fim do ano).

Os alemães, o povo que poderia ficar “contra a tirania”, eram massivamente a favor e a tirania facilitou a eles se armarem. Quanto aos judeus, eram por volta de 0.5% da população alemã. É absurda a ideia de que poderiam se defender contra os outros 99,5% com armas de pequeno calibre (dados os números, nem que fossem porta-aviões). Entidades judaicas, como a Liga Anti-difamação dos EUA, condenam como um acinte a ideia de que o Holocausto poderia ter sido evitado se judeus pudessem, como nos EUA, comprar pistolas no supermercado.