Dançarinos de funeral são parte de uma tradição ameaçada

O meme do momento no Brasil e no mundo é a “dança do caixão”. Um grupo exibe seu inegável talento carregando um caixão sob um ritmo eletrônico (Astronomia 2K19 de Stephan F.) e… bom, só dá pra entender vendo:

Primeiro, o que você está vendo: o vídeo é composto por duas matérias, uma da Associated Press e outra da BBC, ambas de 2017. Falam sobre uma “nova tendência” em funerais do Gana, criada pelo agente funerário Benjamin Aidoo. À BBC, ele explica por que decidiu adicionar coreografias em uniforme a seus serviços e diz perguntar a seus clientes se “você quer que seja solene ou você quer um pouco mais de espetáculo?”. A cliente que contratou a dança diz: “Decidi dar a minha mãe uma viagem dançante para o criador”. A música que estão dançando, tocada pela fanfarra que também é parte do serviço, é jazz africano. Pode ser conferida no original:

Segundo, por que você está vendo. A África tem tantas tradições funerárias quanto povos. Entre elas, há os enterros festivos, celebrando a vida, não a morte. Particularmente notórios na África Ocidental, entre populações cristãs e politeístas de Gana e Nigéria – muçulmanos fazem funerais discretos. A despedida vem na forma de grande evento social. Um funeral nesses países, envolvendo música, dança, banquetes, bebida, pode ser mais caro que um casamento, com ricos exibindo sua opulência e pobres, acabando com suas economias. É marcado para o sábado, de forma que os convidados possam chegar e as preparações serem feitas. Durante a semana, o corpo espera no necrotério.

Funerais felizes geralmente se reservam a pessoas mais velhas, que tiveram uma vida realizada e uma “boa morte”. Mortes trágicas e antes do tempo contam com eventos discretos, indicados por uma cruz no caixão e uso de vermelho e preto, as cores do luto doloroso. Funerais festivos usam branco e preto. Às vezes, é os dois ao mesmo tempo: os parentes próximos sofrem e vestem vermelho e preto, os outros festejam. Alguns no próprio país condenam o que enxergam como desperdício.

Antes da dança viralizar, Gana já tinha fama por seus caixões “fantasia”, representando alguma coisa importante ou simbólica para a pessoa falecida, como carros, celulares, garrafas de Coca-Cola.

Caixão de Leão
Leão, com uma Mercedez atrás, em fábrica de caixões em Gana (foto: Emilio Labrador/Flickr/CC)

A tradição da festa na despedida foi levada da África Ocidental pelos escravos. Pode ser vista nos funerais jazz de Nova Orleãs e as cerimônias do vodu haitiano.

Mas hoje, é só tristeza: Gana está sofrendo por sua ausência. Durante a crise do Covid-19, eles foram banidos e a colorida indústria funerária do país está parada.