Thyphoid Mary: sem ficar doente, ela matou dezenas

Seu nome era Mary Mallon e ela era, como muitos milhares, uma imigrante da Irlanda para Nova York. Seu país perderia, naquele século 19, um terço de sua população para a fome, e um terço para a emigração. Aos seus 21 anos, em 1900, ela daria início a uma meteórica carreira de cozinheira para os grã-finos nova-iorquinos. Aparentemente, ela era excelente no que fazia: pelos anos que se seguiriam, trabalho nunca faltaria. Mesmo matando, sem querer, talvez dezenas de seus empregadores.

Já em seu primeiro emprego, após duas semanas de trabalho, as pessoas da casa pegaram febre tifoide: uma doença intestinal grave causada por bactérias do gênero Salmonella, uma cepa específica, que não é a mesma que pode contaminar ovos de galinha. A tifoide é letal em até 20% dos casos, o que pode ser diminuído para 1% com tratamento moderno – mas não de 1900. Passa de pessoa em pessoa pela rota fecal-oral, o que é tão ruim quanto soa: o contágio se dá por alimentos contaminados por fezes do doente. Mary Mallon, uma portadora completamente assintomática, podia ser a rainha dos temperos, mas higiene não era seu forte.

No segundo emprego, no ano seguinte, Mallon causaria a primeira morte: a lavadeira da família. No terceiro, na casa de um advogado, sete dos oito membros da família ficaram hospitalizados. E o padrão continuaria por toda sua carreira: Mary arranja um emprego, todo mundo fica doente, Mary some e arranja emprego em outro lugar. Sempre arranjava.

Foi preciso um detetive biológico para acabar com seu rastro de doença: o engenheiro sanitário George Soper, contratado por uma das famílias afetadas, entrevistou as vítimas e traçou uma rota da doença em Nova York. Só famílias ricas pegavam, não havia uma epidemia. Concluiu que a cozinheira era a responsável, entrou em contato e tentou pedir que ela que colaborasse com um exame de fezes, para ser recusado repetidas vezes. Até mesmo propôs a escrever um livro com ela e dividir os direitos autorais, mas Mary tratava a ideia de estar contaminando as pessoas como um insulto. Em 1907, acabou internada à força pela autoridade sanitária de Nova York, baseada no trabalho de Soper, e ficaria três anos em quarentena num sanatório em North Brother Island. Na imprensa nova-iorquina, ganharia a alcunha pela qual entraria na história: Thyphoid Mary, a Maria Tifoide.

Em 1910, sob a promessa de nunca mais atuar como cozinheira, Mallon libertada. Por anos, ela tentou cumprir a promessa, atuando como lavadeira, mas o dinheiro não era o bastante e ela não conseguia satisfazer sua vocação. Mudando de nome para Mary Brown, e depois vários outros nomes falsos, conseguiu ser novamente empregada como cozinheira. Um novo ciclo de contaminação começou, e, desta vez, o investigador Soper não conseguiu encontrá-la. E Typhoid Mary acabou ousando: seu último emprego seria em nada menos que um hospital: o Hospital Sloane para Mulheres. Quando 25 pessoas ficaram doentes, e duas morreram, em novembro de 1915, a polícia foi acionada e a cozinheira acabou presa de volta no antigo asilo.

Maria Tifoide passaria o resto da vida, até 1937, em quarentena. Oficialmente, três mortes foram ligadas diretamente à ela, mas estimativas de alguns historiadores, considerando todos os casos entre os ricos de Nova York, chegam a 50 vítimas fatais.