Para o bolsolavismo, hoje é o dia do Ki-Suco
É quase um clichê na oposição comparar o bolsolavismo fanático com uma seita. Mas hoje, quando os mais exaltados fãs vão às ruas manifestar-se contra as instituições no começo de uma epidemia, a coisa assume um sentido literal. Em nome do líder, que apareceu para apoiar o movimento, entregam-se potencialmente à própria morte —e a faixa etária dos manifestantes torna o risco bem concreto. Neste dia, os bolsolavistas estão tomando Ki-Suco.
A expressão “tomar o Ki-Suco” nasceu em 18 de novembro de 1978, quando o líder da seita Templo do Povo, Jim Jones, ordenou que fossem preparados tambores industriais de refresco de uva (a marca não era Ki-Suco, chamado de Kool Aid em inglês, mas Flavor Aid). Dentro, foram colocados diazepan, hidrato de cloral, prometazina e cianeto de potássio (só o último é um veneno propriamente dito, os três primeiros são sedativos). Os membros da seita fizeram fila para tomar o refresco, após o que se sentavam no chão e morriam em 30 minutos (5 para crianças). Ao final do dia, havia 918 mortos em Jonestown, uma chácara na Guiana rural, transformada em sede da seita, cercada e vigiada com guaritas, como um presídio.
O que as pessoas não costumam saber sobre Jonestown é que não foi simplesmente todo mundo andando para a morte calmamente. Os primeiros não tinham certeza se era mesmo veneno —muitas vezes antes, nos últimos meses, Jones havia ordenado o mesmo ritual, como um teste de fidelidade, sem usar veneno. Havia seguranças armados garantindo que todos tomassem sua parte —e, de fato, os seis sobreviventes que conseguiram escapar afirmaram ter ouvido tiros. Jones em si se matou com um tiro de revólver na cabeça.
A seita gerou uma cena dantesca, num século repleto de cenas assim, de quase mil cadáveres espalhados no chão, se decompondo visivelmente no calor equatorial. Mas as mortes pararam ali. O bando de fanáticos irresponsáveis comandados por um presidente irresponsável não está só tomando o Ki-Suco, mas forçando, como os seguranças de Jonestown, os outros a tomar.
Possivelmente dando um baita empurrão na epidemia de Covid-19 que não fazemos ideia de qual tamanho já tem —como leva até duas semanas para se manifestar, milhares podem já estar contaminados. Não vai terminar bem.