Irã vem dos arianos: 5 fatos pouco lembrados sobre o país
Com as tensões crescentes entre EUA e Irã, é uma boa hora para desbaratar mitos e trazer um pouco mais do país. Estes são 5 fatos pouco conhecidos ou mal-interpretados sobre o Irã, que pouco tem pouco a ver com a teocracia radical instalada em 1979.
1. O IRÃ É A PÉRSIA, MAS NEM TODO IRANIANO É PERSA
O Irã era chamado de Pérsia até 1934, e fica na mesma região do centro do império que quase conquistou a Grécia na Antiguidade. Iranianos não tem nada a ver com árabes. Sua língua principal, o persa, é uma língua da família indo-européia, mais próxima ao português que ao árabe, escrita numa versão modificada do alfabeto árabe. Todos vivem na ex-Pérsia, mas os iranianos não são simplesmente persas. Persas são a etnia majoritária do Irã, por volta de 60% da população, e maioria em grandes centros como Teerã. Mas há azeris, curdos, turcomenos e, sim, árabes (2%), entre outros.
2. IRÃ VEM DE “ARIANO”
Irã não é um nome religioso e não tem nenhuma relação com o Islã. Quase ao contrário, parte do nacionalismo persa, que competiu com a religião até a revolução de 1979, e ainda é anima grupos no exílio. Em 1934, o monarca Reza Shah Pahlavi pediu ao mundo que parasse de usar “Pérsia” e passasse a se referir ao país da forma como os persas faziam: Iran. A palavra vem do antigo persa airya: arianos, povos que conquistaram ou colonizaram uma vasta região que incluía o Irã e o norte da Índia, por volta do 2º milênio a.C. No sentido usado por historiadores, arianos são ancestrais dos (ou ao menos levaram sua língua aos) persas, curdos, pashtuns do Afeganistão e outros, e nada que ver com pintores austríacos.
3. EXISTIRAM NEONAZISTAS NO IRÃ
A teoria racial nazista identificava os arianos com os indo-europeus em geral, que saíram do Cáucaso e chegaram também à Europa, dos quais os arianos eram só uma leva. Diziam que só nos países nórdicos os arianos se mantiveram “puros”, enquanto no próprio Cáucaso se misturaram e “degeneraram”, o que explica povos como armenos, georgianos e iranianos não serem loiros e de olhos azuis. Isso não tem a mínima base na realidade. Mas alguns persas de extrema direita aproveitaram a deixa: no século 20, houve no Irã um movimento neonazista, supremacista persa. A mais famosa organização neonazista do Irã foi o SUMKA, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Iranianos, num plágio direto de Hitler, e usando uma versão modificada da suástica como símbolo.
4. PERSAS DOMINAVAM NA MONARQUIA
A monarquia Pahlavi, derrubada na Revolução Iraniana de 1979, era persa e tentava impor uma identidade persa ao país inteiro. Inclusive foi acusada de financiar o SUMKA. O monarca deposto em 1979, xá Reza Pahlavi, formalmente islâmico xiita, privilegiou a religião zoroastrista, a original do Império Persa, de antes da conquista islâmica do século 7. Livros didáticos lembravam as glórias de Xerxes e Dario como uma era de ouro. Enquanto os persas urbanos iam de sunga e biquíni à praia, e, à noite, dançavam nas discotecas – o que é visível em muitas fotos pré-revolução –, as populações do interior, de minorias étnicas, eram conservadoras e religiosas. Essa foi uma das tensões menos faladas que levou ao fim da monarquia e à instalação da teocracia, que busca trocar a identidade persa pela islâmica. Ainda hoje, muitos exilados do regime e descendentes preferem ser chamados de persas.
5. RADICAIS SUNITAS DESTROEM MONUMENTOS; RADICAIS XIITAS PREZAM POR ELES
O Irã é xiita e isso é crucial em seu papel geopolítico, influenciando principalmente xiitas iraquianos, sírios, libaneses. O Islã se dividiu em xiismo e o sunismo no século 7, numa briga pela sucessão de Maomé. Desde então, desenvolveram teologias diferentes. Historicamente, sunitas consideraram imagens e estátuas de humanos e animais uma forma de idolatria. Xiitas são bem mais tolerantes nesse quesito. A arte islâmica figurativa histórica, que inclui representações de Maomé é quase toda feita por xiitas. Iranianos desfilam com reproduções de pinturas em protestos religiosos. O wahhabismo, a interpretação radical sunita vinda da Arábia Saudita e oficial no país, inspira terroristas sunitas como os da Al Qaeda e o Estado Islâmico (Daesh). Nessa versão ultraconservadora do Islã, não só imagens, como monumentos históricos podem ser considerados idolatria. O que explica o vandalismo de terroristas sunitas na Síria e Afeganistão, mas também o menos falado do regime saudita. A monarquia saudita já botou abaixo múltiplas construções históricas islâmicas, como a tumba da esposa de Maomé, Kadijah, e o cemitério Al-Baqi, em Medina, que tinha várias tumbas de amigos e parentes de Maomé. Xiitas, radicais ou não, prezam por seus monumentos – e o Irã tem muitos. Isso dá um sentido mais grave à fala de Trump ameaçando destruí-los.