Corda bamba a 410 metros: há 45 anos, artista invadia o WTC e dava um espetáculo entre as torres gêmeas
Aos seus 18 anos, o francês Philippe Petit sentiu algo que mudaria sua vida. Dor de dente. Sentado na sala de espera do dentista, pegou uma revista e leu uma matéria ilustrada sobre a construção do World Trade Center, em Nova York, conjunto que finalmente superaria o recorde de altura do Empire States, de 1931, como o então maior prédio do mundo. Prédios, aliás: não seriam uma, mas duas torres. E nisso estava uma oportunidade.
Petit é filho de um aviador e escritor, nascido na pequena Nemours, vila a 83 km de Paris, famosa por seu castelo medieval. Ainda criança, se interessou por artes circenses e começou a aprender sozinho. Aos 16 anos, depois de aprender mágica e malabarismo, passou a estudar a corda bamba. Segundo ele mesmo, em um ano havia aprendido tudo – mortal para frente e para trás, subir com bicicleta e monociclo, se equilibrar numa cadeira na corda. E ficou entendiado. “[Pensei:]’O que tem de mais nisso? Parece quase feio'”, falaria depois à revista The New Yorker. “Então passei a descartar esses truques e reinventar minha arte.”
O artista seria apresentado ao mundo em 1971, quando, sem autorização, suspendeu um cabo entre as duas torres da Catedral de Notre Dame, a 68 m do solo, e fez um espetáculo com malabares ao público parisiense. Em 1973, repetiria a façanha entre os pilares da Ponte da Baía de Sydney (Austrália).
Era tudo só um ensaio para o que chamaria de Le Coup (“o golpe”): desde 1968, lia tudo o que podia sobre as torres gêmeas enquanto a construção ia sendo erguida, dominando a skyline de Nova York. Chegou a contratar um helicóptero para tirar fotos de sua cobertura. Por meses, ele e seus parceiros passaram a estudar o lugar se passando por funcionários da obra, com identidades falsas e uniformes cuidadosamente recriados – apesar da inauguração oficial do WTC em abril de 1973, ainda havia obras em progresso no topo. O dinheiro para a empreita vinha do famoso malabarista Francis Brunn, do Ringling Brothers Circus, que havia se apresentado duas vezes ao presidente dos EUA.
Na noite do dia 6 de agosto de 1974, terça-feira, a equipe de Petit teve a sorte de conseguir pegar um elevador de serviço e no lugar de levar o equipamento por 110 andares de escadas, dividindo-se entre as duas torres. Com arco e flecha, passaram um cabo-guia para os parceiros na outra torre e, com ele, puxaram o cabo principal de aço, de 204 kg, além de diversos cabos secundários de estabilização.
E, assim, às 7h da manhã do dia 7, o artista pegou sua vara de equilibrista construída só para a ocasião, com 8 metros e pesando 25 kg e se lançou no vazio entre as torres. Quem levantasse a cabeça 410 metros abaixo, contra o o céu cinzento daquela manhã nublada, podia ver o homenzinho caminhando, se ajoelhando na corda, fazendo truques. Logo uma multidão se juntou olhando para cima, aplaudindo, gritando de medo e excitação – e, lá de cima, segundo relatou, ele pôde ouvir. Quando a polícia chegou, se postou nas duas pontas da corda, em cada torre – Naturalmente, subir na corda não era uma opção. Petit fez graça, indo até a ponta, como se fosse desistir, e voltando ao meio. Depois de 45 minutos, 8 travessias completas, a chuva começou a cair. E, enfim, o artista deu seu espetáculo por encerrado, se entregando aos policiais. No solo, afirmou aos jornalistas: “Se eu vejo três laranjas, faço malabares. Se vejo duas torres, eu ando”.
Sua passagem pela polícia seria breve. Philippe Petit havia se tornado uma celebridade mundial instantânea. O procurador do distrito propôs cancelar as acusações por invasão de propriedade e risco à segurança pública em troca de uma apresentação para as crianças no Central Park. E assim seria feito, um passeio bem mais modesto e seguro sobre a Turtle Pond, uma lagoinha do parque, perto do Belvedere Castle. O artista acabaria por se mudar para Nova York, onde vive até hoje.
Seria um bom negócio para o WTC. As solene e cinzenta arquitetura das torres gêmeas não agradava ao público, e ainda havia muitas unidades encalhadas. Depois disso, as torres foram aceitas como cartão-postal de Nova York, e permaneceriam assim até seu trágico fim, em 11 de setembro de 2001.
Quanto a Petit, nunca superaria a façanha de seus 25 anos, mas, prestes a fazer 70, continua na ativa. Segundo matéria do site France 24, ele está negociando repetir o passeio das torres de Notre-Dame, como parte do esforço de reconstrução depois do incêndio deste ano. “Acho que estou mais em posse de meu talento como equilibrista de corda bamba hoje aos 70 de que quando era um rapazinho”, afirma. “Não tenho mais nada a provar.”
A aventura de Petit rendeu dois filmes: o documentário O Equilibrista, de 2008, e a dramatização biográfica A Travessia, de 2015.