Quantos Stalin matou?
Livros ainda serão escritos sobre como o número de pessoas mortas por um premiê soviético se tornou tema de disputa política no Brasil. Se você perguntar à internet brasileira, a resposta varia entre “pouco” e “100 milhões” ou mais.
Mas este é um caso peculiar em que, se a mesma pergunta for feita a historiadores profissionais, a resposta será quase tão discrepante quanto. Os neostalinistas (raros no Ocidente, em ascensão na Rússia) vão falar em menos de 100 mil, e relativizar mesmo esses números. Do outro lado, já se falou em até 110 milhões – pelo escritor e historiador dissidente Alexander Soljenítsin, em 1975, logo após ser expulso da União Soviética.
Um número assim não é levado mais a sério hoje em dia. Mas foi bastante circulado durante a Guerra Fria, quando acadêmicos ocidentais confiavam no testemunho e estatísticas produzidas por dissidentes. Por exemplo, o historiador americano Rudolph Rummel, em 1990, publicou sua estimativa de 51,5 milhões de mortes no período Stalin.
Após a queda do regime soviético, em 1991, os arquivos da inteligência soviética foram abertos e os historiadores puderam finalmente contar com números oficiais. E esses números acabaram parecendo modestos em comparação. São eles:
- Execuções políticas (1929-1953): 777.975
- Mortes nos gulags (campos de trabalhos forçados): entre 1,5 e 1,7 milhões
- Mortos no reassentamento dos kulaks (proprietários de terras): 389.521
- Mortos em outros reassentamentos: 309.521
- Mortos na Grande Fome da Ucrânia (Holodomor): mínimo 1,8 milhões, máximo 6,7 milhões (pesquisa pelo historiador australiano Stephen G. Wheatcroft; já se chegou a falar até em 20 milhões).
Total: 3,2 – 9,9 milhões.
Em sua forma bruta, esses números não são aceitos por ninguém. Entre outras coisas, está em disputa se a fome da Ucrânia foi mesmo uma política deliberada de extermínio por Stalin, com o governo do país adotando como posição oficial que foi um genocídio. Historiadores variam entre concordar ou considerar o desastre resultado da coletivização agrícola de Stalin e/ou também problemas climáticos. Neostalinistas não só descontam o Holodomor, como afirmam que as mortes nos Gulags foram naturais em sua maioria e que os números de execuções listados pela NKVD foram inflados. Mais comum é ir na direção oposta, argumentando que os números oficiais certamente ficam aquém da realidade, com execuções e mortes nos gulags subnotificadas.
Noves fora, no que pode ser considerado mainstream hoje, Stalin foi responsável pela morte de algo entre 9 milhões (Oleg Khlevniuk, da Universidade de Moscou, uma das maiores autoridades da Rússia atual) a 20 milhões ou mais (o historiador britânico Simon Sebag Montefiore, autor das recentes biografias de Stalin e Lenin). Na média, 15 milhões é um número frequentemente citado.
Sejam 3, 9, 15 ou 20 os milhões de Stalin são menos do que se ouve por ai, mas ainda muita, muita gente. E, já que ninguém vai resistir à tentação de comparar com Hitler, o número desse fica entre 10 milhões e 25 milhões. Mas isso não conta a Segunda Guerra na Europa, que ele causou, e custou mais uns 35 milhões, pelo menos.