Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Jânio e lagostas: duas vezes em que Brasil e França quase entraram em guerra https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/#respond Sat, 08 Feb 2020 21:25:48 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/alpha-2540240_960_720-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=373 Ontem saiu a notícia: os militares brasileiros têm planos para uma guerra com a França, levando a sério a sugestão do presidente francês Emmanuel Macron de que a Amazônia poderia ser internacionalizada.

É uma deixa para lembrar duas vezes num passado não tão distante em que o Brasil se dispôs a confrontar uma potência nuclear da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ambas em períodos democráticos. Numa delas, inclusive, seria uma guerra de agressão.

A Guerra da Lagosta foi uma disputa comercial pela pesca do crustáceo no Nordeste do Brasil por navios franceses. Em 1961, franceses começaram a pescar lagostas no litoral brasileiro, no que foi visto como uma violação de direitos do Brasil. A coisa evoluiu ao ponto de navios franceses serem capturados e navios militares franceses serem enviados à nossa costa. A quase guerra aconteceu no contexto do acirramento da tensão dos militares com o presidente João Goulart, e terminou só com a ditadura.

A outra guerra que não aconteceu era um plano do excêntrico presidente Jânio Quadros para nada menos que conquistar a Guiana Francesa, também em 1961. A justificativa para a Operação Cabralzinho era evitar o contrabando de um metal quase valor, o manganês. E essa já estava em andamento quando Jânio acabou renunciando.

Como teria sido uma guerra com a França? A única guerra comparável seria a das Malvinas, de 1983, que pôs em oposição dois países formalmente aliados dos EUA (o Reino Unido pela  Otan, e a Argentina, pelo Tratado do Rio de Janeiro, de 1947, ainda em vigor). O regime militar argentino acreditava que o Reino Unido simplesmente ignoraria a tomada de uma ilha de população minúscula e sem muito valor estratégico ou comercial. Jânio e os militares brasileiros também apostavam que os franceses não iriam investir num conflito pelo que viam como ninharias. Os militares argentinos erraram feio: a reação foi fulminante e os EUA preferiram ficar do lado do aliado Europeu, sem sequer chegar a precisar se envolver.

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Operação Cabralzinho: quando Jânio Quadros quis tomar a Guiana Francesa https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/#respond Fri, 30 Aug 2019 11:00:44 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/jenio-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=211 58 anos após sua renúncia por conta de “forças terríveis”, Jânio Quadros segue sendo uma zebra na história do Brasil. O mesmo presidente que, em seus meros 8 meses na cadeira, começou proibindo biquínis em concursos de miss, condecoraria com a maior honraria nacional, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ninguém menos que Che Guevara. Ninguém sabia então, mas, enquanto apertava a mão do revolucionário, estava em curso sua obra-prima, a  que teria feito todas suas outras ações parecerem sensatas: uma guerra com a França. (E uma real, não troca de ameaças por crustáceos.)

A revelação veio do governador do então Território Federal do Amapá José Francisco de Moura Cavalcanti (1925-1994). Ele não fora eleito, mas apontado por Jânio para o cargo. Cavalcanti disse que, em 3 de agosto de 1961, o presidente o recebeu em Brasília. Começou por dizer que havia um problema em seu território: reservas de manganês do Amapá estavam sendo contrabandeadas e vendidas ilegalmente no porto de Caiena, Guiana Francesa.

(O manganês é um metal usado principalmente em amálgamas de aço inoxidável e não é precioso: vale mais ou menos o mesmo que chumbo.)

Segundo o relato de Moura Cavalcanti, dado pouco antes de sua morte ao jornalista Geneton Moraes Neto, ele lembrava palavra por palavra o que ouvira então:

– Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa! A proposito: eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso…

Não está no relato, mas é de se imaginar que, até esse instante, o governador estivesse esperando tomar um pito do presidente. No Lugar, Jânio deixou isto:

– Por que não anexarmos a Guiana Francesa ao território brasileiro?

Como num desenho animado, Moura Cavalcanti passou a andar em círculos na sala, dizendo: “Não! Não! Não!”. Jânio mandou sentar e passou um telex (telegrama por telefone) a, quem acreditava o governador, era o chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E deu sua justificativa:

– Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo!

O plano de Jânio era enviar 2500 combatentes por meio de picadas pela Amazônia e, com apoio naval, dominar o pequeno contingente militar francês no território. O nome, Operação Cabralzinho, era em homenagem ao general Francisco Xavier da Veiga Cabral, que, em 1895, repelira uma invasão francesa ao Amapá.

Moura Cavalcanti se convenceu e jurou fidelidade ao plano. Voltou para o Amapá, ordenou o começo da construção das picadas, chegou a andar de helicóptero para avaliar a situação tática.

O plano é basicamente o mesmo que os generais argentinos tinham quando tentaram tomar do Reino Unido as Ilhas Malvinas (ou Falklands) em 1982. Como Jânio, não imaginavam seu rival europeu reagiria fulminantemente por um território que, acreditavam, via como insignificante. A operação estava em andamento (ao menos da parte de Moura Cavalcanti) quando aconteceu a renúncia, em 25 de agosto de 1961.

Perguntado por Geneton Moraes Neto sobre se poderia dar certo, afirmou que não só iria funcionar, como os franceses ficariam gratos:

– Poderia! (…) E seria aceito pela França! A base francesa tinha um coronel que vivia bêbado. Era um batalhão de elite, que foi para dentro da selva. A gente via que eles tinham desejo que aquilo acontecesse.

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Brasil contra França: a Guerra da Lagosta https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/#respond Thu, 29 Aug 2019 18:58:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/1280px-Reef1069_-_Flickr_-_NOAA_Photo_Library-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=204 O nome é sarcástico: não chegou a ser exatamente uma guerra. Mas quase foi. Entre 1961 e 1963, Brasil e França se mobilizaram militarmente por conta de crustáceos.

Começou em março de 1961, quando navios de pesca franceses atravessaram o Atlântico saídos da Mauritânia rumo à costa nordeste do Brasil. Eles tinha autorização para fazer “pesquisa”, não científica, mas avaliar o potencial comercial. Mas os pescadores brasileiros se incomodaram com a concorrência desleal de navios franceses maiores e mais modernos que os deles, tirando lagostas do fundo pelo método do arrastão, proibido no Brasil. Exigiram providências. A licença dos franceses foi cancelada.

Em novembro do mesmo ano, a França pediu autorização novamente. Navios que os brasileiros consideravam ilegais passaram a ser apreendidos – mas logo soltos, sem maiores consequências. Pelos anos seguintes, os países entraram num debate surreal sobre a natureza da lagosta.

Pelas convenções de Genebra sobre o direito marinho, de 1958 – que nenhum dos países havia assinado, mas usaram para guiar suas ações –, um país tem direitos exclusivos da exploração de sua plataforma continental. Isto é, a extensão do continente, o planalto submerso próximo da costa, que termina no abismo que leva ao oceano profundo. Por exemplo, um país não pode explorar petróleo sem autorização na plataforma de outro. Mas pesca era um caso complicado: a convenção não proíbe o uso internacional do que entre a plataforma e a superfície – isto é, os peixes. Assim determinou que da plataforma faziam parte “os organismos vivos que pertencem às espécies sedentárias, isto é (…), imóveis sobre o leito do mar ou abaixo do leito do mar, ou são incapazes de se deslocar a não ser mantendo constante contato físico com a água”.

Lagostas vivem no fundo do mar, não na coluna d’água. Mas os franceses argumentaram que, como não são presas ao fundo, como podem saltar do solo, elas não estavam incluídas na lei – deviam ser consideradas como peixes. Isso levou ao comandante da Marinha Paulo de Castro Moreira da Silva a se sair com: “se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.

Guerra da Lagosta
Porta-aviões Minas Gerais e um B-17 americano, 1963 (Foto: Marinha Brasileira)

Em 1963, a situação esquentou: ao final de janeiro, enquanto continuavam negociações entre os países, três pesqueiros franceses foram capturados pela Marinha. Sob a ameaça dos brasileiros de apreender qualquer navio, a França decidiu enviar um destróier para o Brasil, em 21 de fevereiro, que se postou imediatamente além da plataforma continental. O Brasil respondeu mobilizando um grande contingente da Marinha e Força Aérea, numa literal preparação para guerra. Durante a crise, os EUA tentaram intervir, avisando os brasileiros que as licenças para o equipamento americano usado pelos brasileiros – como os bombardeiros B-17 vistosamente fotografados então – não permitiam usá-los contra adversários. Ironicamente, os franceses acusavam o Brasil de estar fazendo o jogo das empresas americanas envolvidas na pesca da lagosta (que compravam dos pescadores brasileiros).

Em 10 de março, os franceses retiraram seus navios. Mas continuou no ar a possibilidade de guerra. Antes que a situação fosse concluída, veio o golpe militar – e há quem veja relação, como o historiador Túlio Muniz, autor de A “Guerra da Lagosta” , o “Dispositivo Pós-Colonial” e o Golpe de 1964. Muniz vê a mobilização nacionalista antifrancesa como uma chance de os militares demonstrarem sua popularidade, em oposição ao presidente João Goulart, visto como fraco em sua tentativa conciliadora. E seria na ditadura, em 10 de dezembro de 1964, que Brasil e França chegariam a uma solução, um acordo permitindo a exploração de lagosta por navios franceses, em quantidade e tempo limitados, repartindo seus lucros.

Com isso, o Brasil não ganharia o privilégio de figurar no rol dos confrontos (de verdade, com mortos) mais estúpidos da história, que incluem a Guerra do Futebol, a Guerra do Banquinho Dourado e a Batalha de Karánsebes.

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