Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pedro, o progressista: o outro mito do imperador https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/01/pedro-ii-liberal-mito/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/01/pedro-ii-liberal-mito/#respond Sat, 01 Aug 2020 22:10:17 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/caiu-do-trono-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=582 Duas semanas atrás, os historiadores Thiago Krause e Paulo Pachá falaram do uso nostálgico da história do Império pela extrema direita. Queria aproveitar a deixa, meio atrasado, para falar para outro lado desse mito, que atinge a outro tipo de pessoa, gente até de centro-esquerda: a ideia de que D. Pedro II foi um anti-déspota e esclarecido. Nosso Papai Noel no poder, o bom velhinho da tolerância e conciliação nacional. Uma força da democracia e do progresso, destituído por um golpe militar que abriu um precedente maldito, o da República tutelada.

Pedro, o democrata, teria evitado fazer uso de seus consideráveis poderes, governando como monarca constitucional moderno, deixando a política correr como um regime parlamentarista constitucional. O monarca também odiaria a escravidão, era um abolicionista constrito pelas limitações do sistema. Também fã de ciências e arqueologia, poliglota, muito lido, que até mesmo, em seus diário, registrou que a república era uma forma superior de governo que a monarquia. Um homem exasperado com um país que não avançava, apesar de seus desejos.

Enfim, ironicamente para os monarquistas atuais, Pedro II não poderia ser classificado como um conservador. Não para sua época.

Em sua época, o Pedro liberal tinha entre seus fieis gente com a cabeça considerada arejada para a época, como o abolicionista e secularista Joaquim Nabuco. A ideia foi reforçada por biografias relativamente recentes focadas na pessoa do imperador, como a de Paulo Rezutti e a de José Murilo de Carvalho.

Não há nada de errado em retratar o ser humano em suas contradições. É uma verdade histórica como outras. Mas há o risco de criar uma mitologia sem querer. Conhecendo Pedro enquanto humano, é fácil ser tentado a ver nele uma figura que não corresponde a suas ações.

Podemos discutir por dias o que Pedro II queria pessoalmente, se ele era mesmo essa figura avançada, e até especular se repudiaria seus descendentes retrógrados. Mas o que condena o Pedro liberal é o que foi seu governo na prática, no que implica esse “constitucionalismo democrático” todo dele.  Assumindo um país em guerra civil, Pedro batalhou até a exaustão para moderar facções e evitar conflito, de forma a manter a integridade nacional. Esse é um mérito que se levanta dele, mas será mesmo mérito a moderação em face ao intolerável? O Segundo Reinado foi uma paz escravocrata, o  que inclui medidas altamente pró-escravidão, como aceitar a continuidade do tráfico ilegal e mostrar simpatia para com os confederados na Guerra Civil Americana, até aceitar refugiados entre eles por aqui.

Se o monarca era mesmo tão arejado das ideias (não estou descartando nem aceitando essa possibilidade aqui; esse é outro tema), ele traiu o que acreditava em nome da estabilidade. Lutar pela estabilidade de uma situação iníqua é um mal. Isso não é grandeza.

A “moderação” de Pedro serviu para sermos o último país do continente americano a abolir a escravidão. O resultado foi a continuidade da tortura e cativeiro de milhões, por gerações, e o atraso econômico e social que segue ainda hoje. Se é uma trágica ironia para um monarca abolicionista, tanto faz. Esse é o triste presente que nos deixou o triste “bom velhinho”.

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O Dia Mundial do Rock não é mundial, nem realmente do rock https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/#respond Mon, 13 Jul 2020 17:00:26 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/roque.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=575 Perdoem tirar o dia para chover na festa dos outros, mas é gatilho em roqueiro velho (pleonasmo?). O Dia Mundial do Rock é uma jabuticaba. Existem jabuticabas deliciosas, mas não consigo ver mcjabuticabas publicitárias (como o Dia dos Namorados) como algo que mereça ser chamado de rock’n’roll.

O Dia Mundial do Rock foi concebido em 13 de julho de 1985, quando o brutal roqueiro Phil Collins, criador dos hits derretedores de cara Invisible Touch e Paradise, no calor do momento de seu show no Live Aid, sugeriu que aquele dia passasse a ser conhecido como “Dia Mundial do Rock”. (Para quem não pegou a referência: Phil Collins era um astro pop vindo do rock progressivo; no máximo podia ser classificado como soft rock.)

O apelo foi solenemente ignorado pelo resto do planeta. Até, anos depois, ser lembrado por executivos das rádios de rock de São Paulo. Nos anos 90, as FMs 89 e 97 passaram a celebrar o “Dia Mundial do Rock” proposto por Phil Collins, numa tentativa de recuperar fãs do gênero que havia sido mainstream por alguns anos da década anterior, mas perdia espaço para o pagode e o sertanejo. Basicamente como o Dia dos Namorados do pai de João Doria, esse feito para vender roupas. Meio que colou. Não muito.

MEGA EVENTO

Fazendo 35 anos hoje, o Live Aid merece uma menção mais extensa que o Dia Mundial (Só No Brasil) do Rock. Foi uma iniciativa para arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia, que, entre 1984 e 1985, matou cerca de 600 mil pessoas. Foram dois megaconcertos acontecendo em Londres e Filadélfia (EUA). Nomes mais que bem estabelecidos, e boa parte já na faixa dos quarenta anos de idade, como os Rolling Stones, Led Zeppelin e Black Sabbath. Alguns mais jovens (e mais pop), como U2, Duran Duran e Madonna. Phil em pessoa, que tinha 34 e começara sua carreira no progressivo Genesis, tinha razão para estar empolgado: havia se apresentado em Londres, pego um voo de Concorde, e fazia outro show no outro continente no mesmo dia.

Infelizmente, o esforço do Live Aid, assistido por 1,5 bilhão de espectadores, rendeu mais às gravadoras que aos etíopes. As músicas dispararam nas pardadas. Mas o dinheiro arrecadado, transferido ao governo Mengistu Haile Mariam, serviu para manter no poder um ditador que seria condenado por genocídio pelas autoridades etíopes em 2007, e segue no exílio até hoje. Mengistu foi acusado de usar de fundos para massacrar sua oposição e a oposição. E uma parte dessa oposição, o grupo guerrilheiro Frente de Libertação do Povo Tigré, também recebeu fundos e o empregou no combate.

Tanto Mengistu quanto a Frente se consideravam marxistas. Em 1990, Mengistu perdeu o apoio da União Soviética, renunciou ao marxismo e tentou reformas de mercado – para ser derrubado pela (também marxista, então adotando o socialismo democrático) Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, que tomou a capital em 27 de maio. Foi o começo da atual democracia etíope.

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Caso Evandro: caça às bruxas nos anos 1990? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/18/caso-evandro-caca-as-bruxas-nos-anos-1990/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/18/caso-evandro-caca-as-bruxas-nos-anos-1990/#respond Thu, 18 Jun 2020 18:37:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/Bruxas.jpg true https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=526 O assunto veio à tona hoje por conta do suposto envolvimento de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro na casa de quem Fabrício Queiroz foi preso esta manhã. Em 1992, ele próprio chegou a ter sua prisão requerida, acusado de participar de uma seita que teria feito dois “rituais satânicos” homicidas.

Foi o caso chamado de Bruxas de Guaratuba. Um caso que parece ter tido todas características, o rigor (sua ausência) e a fantasia dos julgamentos de bruxaria da Idade Média.

Poderia ser só uma história medonha de serial killer. Em 6 de abril de 1992, o menino Evandro Ramos Caetano desapareceu em Guaratuba, Paraná. Cinco dias depois, seu corpo foi encontrado em com indícios de uma morte brutal: peito aberto, sem vísceras, olhos perfurados, mãos amputadas, escalpo tirado. Dias depois, o pai de santo Osvaldo Marcineiro confessou ter matado a criança num ritual satânico, por encomenda da esposa e filha do prefeito da cidade, Celina e Beatriz Abagge – as “bruxas”, que afirmaram estar esperando ganhar prosperidade com isso. Eles e outros faziam parte do Centro Espírita Beneficiente Abassá Deoe. As “bruxas”  confirmaram o depoimento do pai de santo. Outro caso que havia acontecido dois meses antes, o desaparecimento de outro menino, Leandro Bossi, cujo corpo não fora encontrado, entrou na investigação – foi então que Wassef, que era parte do grupo religioso, e esteve no hotel onde trabalhava a mãe de Leandro, teve sua prisão requerida pelo delegado responsável pelo caso. Wassef não chegou a ser preso, mas sua casa em Atibaia, São Paulo, foi revistada.

E depois retiraram a confissão. Aqui começam as semelhanças com a Idade Média: a população revoltada foi às ruas, emulando naquele estereótipo de multidão com tochas e forcados, para atacar a prefeitura e a casa do prefeito. As pessoas acusadas afirmaram que foram torturadas para confessar sua “bruxaria” – e entregar outros “bruxos”. Também disseram que, na cadeia, onde ficaram entre 1992 e 1995, os guardas temiam que fossem se transformar em uma nuvem de fumaça e escapar, por isso fechavam a solda a janela da cela. E que, em outra ocasião, os guardas se jogaram no chão por medo da lua poder empoderar seus feitiços.

Em 1998, acabaram inocentadas do caso, em júri popular, que durou 34 dias. No ano seguinte, o julgamento foi suspenso, e retomado novamente em 2011, quando Beatriz acabou condenada a 21 anos e 4 meses (a mãe foi dispensada pela idade avançada). Em 2016, Celina perdoada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, pelo caso ser considerado muito frágil. Em meio a isso, Osvaldo Marcineiro, mais o pintor Vicente Paulo Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares foram condenados.

Em março passado, o jornalista Ivan Mizanzuk, que cobriu extensivamente o caso em seu podcast Projeto Humanos – Caso Evandro, mostrou as gravações do interrogatório, que tinham evidências que ele considerou conclusivas de todas as confissões terem ocorrido sob tortura.

Certamente a criança parece ter sido assassinada em condições brutais, num crime horrendo. Mas o caso, como foi reportado e investigado, é imensamente suspeito, não só pela tortura e ideias supersticiosas, como a menção a religiões afro-brasileiras. Isso é mais uma semelhança com a Era Medieval: lembra um libelo de sangue, a acusação de sacrifício infantil que era feita contra os judeus da cidade, terminando em pogrom (massacre). O pai de santo, pelo racismo religioso brasileiro, ocupa o lugar do judeu.

PÂNICO SATÂNICO

E há ainda o contexto internacional. Em 1992, vivia-se o pânico moral de seita satanista. A onda começou nos Estados Unidos, em 1980, com o lançamento do livro Michelle Remembers, do psiquiatra canadense Lawrence Pazder. Nele, ele falava de uma paciente sua, a Michelle (Smith) do título, que, sofrendo de depressão, lembrou-se durante hipnose que sua mãe, entre 1954 e 1955, quando Michelle tinha 5 anos de idade, participava de um culto satânico, que fora abusada pelos membros, e que eram parte de um vasto grupo de satanistas. Pazder cunhou o termo “abuso ritual” para descrever a categoria dos crimes como os de Michelle, e, em setembro de 1990, afirmou em uma entrevista já ter desvendado “mais de 1000 casos”.

O livro deu um véu científico para uma outra onda do final dos anos 70, na cola do televangelismo: a de “ex-satanistas”, todos então fundamentalistas evangélicos, que diziam haver uma vasta rede de satanismo pelo país.

A história de Michelle simplesmente não batia com os fatos. Isso não impediu de, ao longo dos anos 80, mais de 12 mil casos terminassem investigados nos EUA, em acusações como prostituição forçada, tráfico de drogas, pornografia, abuso sexual, tortura, necrofilia, coprofilia, canibalismo de fetos… enfim, tudo de ruim em nome do Coisa Ruim. Nesses casos todos, jamais se provou haver uma real organização religiosa satanista, mas alguns casos reais partindo de indivíduos perturbados – psicopatas. As grande maioria das acusações partiam de crianças ou de pessoas relembrando “memórias reprimidas” sob hipnose, num contexto evangélico radical. Dezenas de pessoas foram presas sem provas definitivas, sob a acusação de participar da “rede satânica”, e várias continuam ainda hoje.

A ideia era parte da cultura popular mundial. Foi exportada para outros países e terminou sendo considerada pela grande maioria dos acadêmicos como um caso de pânico moral: um medo irracional e fantasioso da sociedade quase inteira, gerando uma teoria da conspiração socialmente aceita, que vai parar na grande imprensa. Como caça às bruxas original. E a maior prova é que quase não se ouve mais ouve falar disso hoje.

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Conheça 10 bandeiras que o Brasil não teve https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/20/10-bandeiras-que-o-brasil-nao-teve/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/20/10-bandeiras-que-o-brasil-nao-teve/#respond Wed, 20 May 2020 23:00:02 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/bandera.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=480 Ontem as redes estavam animadas com a proposta do influencer Felipe Neto de “ressignificar” a bandeira do Brasil, tomando-a de volta da extrema direita. Em meio a isso, surgiu um burburinho de gente que acredita que nossa pobre bandeira é um caso perdido e talvez precise de um redesign.

A atual bandeira do Brasil foi criada meio às pressas, em 4 dias, após a proclamação da República, e aprovada sem votação ou cerimônia, o que incomodou, como veremos, muita gente no começo do novo regime. É uma adaptação da bandeira do Império, na qual as cores representavam simplesmente a Casa de Bragança e a Casa de Habsburgo (de Dom Pedro e Maria Leopoldina), e o losango se estendia até a margem. O círculo celestial não parece, mas representa a velha esfera armilar, o símbolo mais antigo da nação. Era um objeto físico, que representa não a Terra, mas os astros na “esfera” do céu, dispostos em arcos móveis. Servia para guiar marinheiros no tempo das Grandes Navegações e daí se tornou o símbolo da maior posse colonial portuguesa.

Sem discutir o mérito da bandeira ou de seu uso político atual, não deixa de ser uma oportunidade para lembrar que poderíamos, de fato, ter uma bandeira muito diferente – e com significados diferentes. Veja a seguir.

1. BANDEIRA DO REINO DO BRASIL, 1816

Em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. Nessa condição, o Reino do Brasil era uma entidade política própria, não mais mera colônia. Assim, precisava de uma bandeira própria. Numa Carta de Lei de 13 de maio de 1816, Dom João 6º descreveu a bandeira do Reino do Brasil como uma esfera armilar dourada (já usada antes como símbolo da colônia) num fundo azul. A bandeira, aparentemente, nunca foi feita.

Bandeira do Reino do Brasil (Imagem: Wikimedia Commons)

2. BANDEIRA DE DEBRET, 1820

Em 1820, Dom João 6º pediu ao pintor francês Jean-Baptiste Debret, em missão para retratar o Brasil, que criasse uma nova bandeira brasileira, também contendo a esfera armilar. O que ele queria – talvez até prevendo a independência – nunca ficou claro, mas, com alterações no escudo, a bandeira de Debret seria a base da bandeira do Império e, por herança, da atual.

Bandeira do Brasil independente por Debret, 1820 (Imagem: Wikimedia Commons)

3. BANDEIRA DE JÚLIO RIBEIRO, 1888

Antes do fim do Império, o militante republicano Paulista fez uma bandeira inspirada na dos Estados Unidos, mas com cores diferentes. O branco, preto e vermelho representam as raças do Brasil e as estrelas são a constelação do  Cruzeiro do Sul. Não aceita, numa versão com 13 faixas no lugar das 15 de Júlio, ela se tornaria símbolo do lado paulista na Revolução Constitucionalista (ou Guerra Civil?) de 1932, e quase certamente seria a nova bandeira do Brasil se vencessem. Como memória do conflito, se tornaria a bandeira de São Paulo em 1946.

Bandeira de Júlio Ribeiro (Imagem: Wikimedia Commons)

4. BANDEIRA DO CLUBE REPUBLICANO, 1889

Outra cópia da bandeira americana foi criada pelo republicano carioca Júlio de Trovão e, numa versão com uma cor diferente (azul claro) no escudo, hasteada nos primeiros quatro dias da República.

Bandeira por José Lopes da Silva Trovão (Imagem: Wikimedia Commons)

5. BANDEIRA DE SILVA JARDIM, 1890

O jornalista republicano mineiro Antônio de Silva Jardim foi um dos que não gostaram da bandeira oficial da República, parecida demais com a do Império, nem queria copiar a bandeira dos EUA. Seguindo a mesma ideia das três raças do Paulista Júlio Ribeiro, criou uma bandeira republicana – a República é representada pelo barrete frígio em cima do escudo, um símbolo que data de Roma Antiga, representando os escravos libertos, e usado como símbolo republicano na Revolução Francesa. Também traz de volta a velha esfera armilar, com uma âncora, para deixar clara a ligação com navegações.

Bandeira de Antônio de Silva Jardim (Imagem: Wikimedia Commons)

6. BANDEIRA DO BARÃO DO RIO BRANCO, 1890

O patrono da diplomacia brasileira também apresentou um projeto tricolor que não parecia a bandeira do Império nem a dos EUA, reintroduzindo também a Cruz da Ordem de Cristo, símbolo de Portugal, um sol à moda argentina e uruguaia, e com estrelas representando os Estados.

Projeto do Barão do Rio Branco (Imagem: Wikimedia Commons)

7. BANDEIRA DE OLIVEIRA VALADÃO, 1892

Com a ascensão do ditadorial Floriano Peixoto, o senador militar Manuel Prisciliano de Oliveira Valadão propôs militarizar a bandeira, colocando o brasão no meio.

Projeto de Oliveira Valadão (Imagem: Wikimedia Commons)

8. BANDEIRA DE EURICO DE GÓIS, 1908

Em seu livro Os Símbolos Nacionais, o advogado baiano criticou a adoção do lema positivista (“o slogan de uma pequena seita”) na bandeira brasileira, dizendo que uma bandeira devia fazer jus à tradição e à história de um povo. Também criticava o erro da configuração das estrelas no céu. Em seu lugar, propôs uma bandeira retomando as proporções da do Império (o losango até o canto), e um brasão lembrando quatro períodos da história do Brasil: a estrela branca é a República, o anel azul é o Império, a esfera armilar é o breve Reino sob Dom João, e a cruz é o Brasil-colônia.

Bandeira de Eurico de Góis, 1908 (Imagem: Wikimedia Commons)

9. BANDEIRA DE EURICO DE GÓIS, 1933

O agora político baiano voltou à carga novamente na Constituinte de 1933, desta vez concedendo aos positivistas da República o direito de figurarem com o círculo do Cruzeiro do Sul.

Bandeira de Eurico Góis, 1933 (Imagem: Wikimedia Commons)

10. BANDEIRA DE VENCESLAU ESCOBAR, 1908

Outro que não era fã do slogan positivista, o parlamentar gaúcho propôs, no mesmo 1908 em que Góis lançava seu livro, uma solução minimalista: arrancar a faixa. Foi um projeto de lei que ficaria engavetado por 20 anos, até ser reprovado.

Bandeira de Wenceslau Escobar, 1908 (Imagem: Wikimedia Commons)

 

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Operação Cabralzinho: quando Jânio Quadros quis tomar a Guiana Francesa https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/#respond Fri, 30 Aug 2019 11:00:44 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/jenio-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=211 58 anos após sua renúncia por conta de “forças terríveis”, Jânio Quadros segue sendo uma zebra na história do Brasil. O mesmo presidente que, em seus meros 8 meses na cadeira, começou proibindo biquínis em concursos de miss, condecoraria com a maior honraria nacional, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ninguém menos que Che Guevara. Ninguém sabia então, mas, enquanto apertava a mão do revolucionário, estava em curso sua obra-prima, a  que teria feito todas suas outras ações parecerem sensatas: uma guerra com a França. (E uma real, não troca de ameaças por crustáceos.)

A revelação veio do governador do então Território Federal do Amapá José Francisco de Moura Cavalcanti (1925-1994). Ele não fora eleito, mas apontado por Jânio para o cargo. Cavalcanti disse que, em 3 de agosto de 1961, o presidente o recebeu em Brasília. Começou por dizer que havia um problema em seu território: reservas de manganês do Amapá estavam sendo contrabandeadas e vendidas ilegalmente no porto de Caiena, Guiana Francesa.

(O manganês é um metal usado principalmente em amálgamas de aço inoxidável e não é precioso: vale mais ou menos o mesmo que chumbo.)

Segundo o relato de Moura Cavalcanti, dado pouco antes de sua morte ao jornalista Geneton Moraes Neto, ele lembrava palavra por palavra o que ouvira então:

– Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa! A proposito: eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso…

Não está no relato, mas é de se imaginar que, até esse instante, o governador estivesse esperando tomar um pito do presidente. No Lugar, Jânio deixou isto:

– Por que não anexarmos a Guiana Francesa ao território brasileiro?

Como num desenho animado, Moura Cavalcanti passou a andar em círculos na sala, dizendo: “Não! Não! Não!”. Jânio mandou sentar e passou um telex (telegrama por telefone) a, quem acreditava o governador, era o chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E deu sua justificativa:

– Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo!

O plano de Jânio era enviar 2500 combatentes por meio de picadas pela Amazônia e, com apoio naval, dominar o pequeno contingente militar francês no território. O nome, Operação Cabralzinho, era em homenagem ao general Francisco Xavier da Veiga Cabral, que, em 1895, repelira uma invasão francesa ao Amapá.

Moura Cavalcanti se convenceu e jurou fidelidade ao plano. Voltou para o Amapá, ordenou o começo da construção das picadas, chegou a andar de helicóptero para avaliar a situação tática.

O plano é basicamente o mesmo que os generais argentinos tinham quando tentaram tomar do Reino Unido as Ilhas Malvinas (ou Falklands) em 1982. Como Jânio, não imaginavam seu rival europeu reagiria fulminantemente por um território que, acreditavam, via como insignificante. A operação estava em andamento (ao menos da parte de Moura Cavalcanti) quando aconteceu a renúncia, em 25 de agosto de 1961.

Perguntado por Geneton Moraes Neto sobre se poderia dar certo, afirmou que não só iria funcionar, como os franceses ficariam gratos:

– Poderia! (…) E seria aceito pela França! A base francesa tinha um coronel que vivia bêbado. Era um batalhão de elite, que foi para dentro da selva. A gente via que eles tinham desejo que aquilo acontecesse.

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Brasil contra França: a Guerra da Lagosta https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/#respond Thu, 29 Aug 2019 18:58:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/1280px-Reef1069_-_Flickr_-_NOAA_Photo_Library-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=204 O nome é sarcástico: não chegou a ser exatamente uma guerra. Mas quase foi. Entre 1961 e 1963, Brasil e França se mobilizaram militarmente por conta de crustáceos.

Começou em março de 1961, quando navios de pesca franceses atravessaram o Atlântico saídos da Mauritânia rumo à costa nordeste do Brasil. Eles tinha autorização para fazer “pesquisa”, não científica, mas avaliar o potencial comercial. Mas os pescadores brasileiros se incomodaram com a concorrência desleal de navios franceses maiores e mais modernos que os deles, tirando lagostas do fundo pelo método do arrastão, proibido no Brasil. Exigiram providências. A licença dos franceses foi cancelada.

Em novembro do mesmo ano, a França pediu autorização novamente. Navios que os brasileiros consideravam ilegais passaram a ser apreendidos – mas logo soltos, sem maiores consequências. Pelos anos seguintes, os países entraram num debate surreal sobre a natureza da lagosta.

Pelas convenções de Genebra sobre o direito marinho, de 1958 – que nenhum dos países havia assinado, mas usaram para guiar suas ações –, um país tem direitos exclusivos da exploração de sua plataforma continental. Isto é, a extensão do continente, o planalto submerso próximo da costa, que termina no abismo que leva ao oceano profundo. Por exemplo, um país não pode explorar petróleo sem autorização na plataforma de outro. Mas pesca era um caso complicado: a convenção não proíbe o uso internacional do que entre a plataforma e a superfície – isto é, os peixes. Assim determinou que da plataforma faziam parte “os organismos vivos que pertencem às espécies sedentárias, isto é (…), imóveis sobre o leito do mar ou abaixo do leito do mar, ou são incapazes de se deslocar a não ser mantendo constante contato físico com a água”.

Lagostas vivem no fundo do mar, não na coluna d’água. Mas os franceses argumentaram que, como não são presas ao fundo, como podem saltar do solo, elas não estavam incluídas na lei – deviam ser consideradas como peixes. Isso levou ao comandante da Marinha Paulo de Castro Moreira da Silva a se sair com: “se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.

Guerra da Lagosta
Porta-aviões Minas Gerais e um B-17 americano, 1963 (Foto: Marinha Brasileira)

Em 1963, a situação esquentou: ao final de janeiro, enquanto continuavam negociações entre os países, três pesqueiros franceses foram capturados pela Marinha. Sob a ameaça dos brasileiros de apreender qualquer navio, a França decidiu enviar um destróier para o Brasil, em 21 de fevereiro, que se postou imediatamente além da plataforma continental. O Brasil respondeu mobilizando um grande contingente da Marinha e Força Aérea, numa literal preparação para guerra. Durante a crise, os EUA tentaram intervir, avisando os brasileiros que as licenças para o equipamento americano usado pelos brasileiros – como os bombardeiros B-17 vistosamente fotografados então – não permitiam usá-los contra adversários. Ironicamente, os franceses acusavam o Brasil de estar fazendo o jogo das empresas americanas envolvidas na pesca da lagosta (que compravam dos pescadores brasileiros).

Em 10 de março, os franceses retiraram seus navios. Mas continuou no ar a possibilidade de guerra. Antes que a situação fosse concluída, veio o golpe militar – e há quem veja relação, como o historiador Túlio Muniz, autor de A “Guerra da Lagosta” , o “Dispositivo Pós-Colonial” e o Golpe de 1964. Muniz vê a mobilização nacionalista antifrancesa como uma chance de os militares demonstrarem sua popularidade, em oposição ao presidente João Goulart, visto como fraco em sua tentativa conciliadora. E seria na ditadura, em 10 de dezembro de 1964, que Brasil e França chegariam a uma solução, um acordo permitindo a exploração de lagosta por navios franceses, em quantidade e tempo limitados, repartindo seus lucros.

Com isso, o Brasil não ganharia o privilégio de figurar no rol dos confrontos (de verdade, com mortos) mais estúpidos da história, que incluem a Guerra do Futebol, a Guerra do Banquinho Dourado e a Batalha de Karánsebes.

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