Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Fragging: assassinatos entre americanos e a derrota no Vietnã https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/16/fragging-historia-vietna/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/16/fragging-historia-vietna/#respond Sun, 16 Feb 2020 10:00:20 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/fragging-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=377 Para quem não viveu a época (eu incluso), o fim da Guerra do Vietnã tem algo de misterioso: como o Davi realmente venceu Golias? Por que os EUA desistiram e deixaram o Vietnã comunista ganhar por W.O, quando tombava um soldado seu para dez vietcongues?

O resumo mais aceito é que não havia mais clima político para isso. O que é vago e nebuloso –é difícil ver como hippies fazendo protesto podem fazer seu país perder uma guerra. Mas um fenômeno da guerra permite entender concretamente qual era o tamanho da desmoralização que fez com que os EUA perdessem: o fragging.

O nome vem das granadas de fragmentação (o icônico “abacaxi”) e a ação é simples: joga-se uma granada de fragmentação na tenda ou embaixo de sua cama de um oficial dormindo. E cabum! –o motim foi um sucesso. Não é possível identificar o autor facilmente porque a granada se espalha, sem deixar indícios de digitais, e, na confusão que se segue, todo mundo acaba se misturando. Além disso, os vietcongues faziam exatamente a mesma coisa, jogando granadas em tendas de americanos, tornando incerta a natureza do ataque. Por fim, mesmo quando a tropa sabia quem era o matador, pedir para quem está tão furioso quanto ele, ou tem medo dele, ser dedo-duro não era exatamente popular.

As razões para o fragging explicam como a guerra foi perdida. Havia uma diferença de geração entre oficiais e soldados: às vezes pouca, mas o suficiente para fazer valer o dito da época: “não confie em ninguém com mais de 30”. Os soldados não viam nenhum propósito na guerra, enquanto os oficiais haviam sido criados no anticomunismo dos anos 50. Os oficiais eram voluntários: estavam lá porque queriam. Os soldados eram recrutados à força, em sorteios transmitidos pela TV. Então, quando um oficial decidia ser o “John Wayne”, como diziam–arriscar a vida de todo mundo para ser visto como herói –ele se tornava alvo de fragging. E o “John Wayne” podia ser bem modesto: às vezes bastava fazer seu trabalho. Reprimir o consumo de drogas era particularmente impopular. Também havia questões raciais: oficial negro e subordinados brancos ou vice-versa. O general (negro) Colin Powell, secretário de Estado no governo de George W. Bush, afirmou que mudava seu colchonete de lugar toda noite, para não ser morto por granada. Segundo ele, por tentar reprimir drogas.

O historiador George Lepre, autor de Fragging: Why U.S. Soldiers Assaulted Their Officers in Vietnam (“Fragging: Por que os Soldados dos EUA Atacaram Seus Oficiais no Vietnã”) estimou no mínimo 900 casos, só entre 1969 e 1972, com 99 mortos. Outros casos ficaram na ameaça, verbal ou em fato, jogando uma granada não letal, de fumaça ou flashbang, como aviso. E quase certamente o número é sub-reportado: além do fragging poder ser atribuído a vietcongues, podia ser também praticado em campo, e aí com um mero tiro “mal-apontado”, não granada.

O fragging, além de ser um sintoma imenso de como os EUA desistiram do Vietnã, levou à mudança da estrutura das Forças Armadas dos EUA. Em 1973, o recrutamento compulsório foi encerrado e, desde então, a força é totalmente voluntária. Fragging continua a existir ainda hoje, e houve incidentes nas guerras do Afeganistão e Iraque –como em 2003, quando o sargento  Hasan K. Akbar jogou quatro granadas contra sua própria tropa. Mas a epidemia ficou no passado.

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Horror em Amityville: 45 anos do massacre da família DeFeo https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/13/horror-amityville-massacre-defeo/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/13/horror-amityville-massacre-defeo/#respond Wed, 13 Nov 2019 21:06:44 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/112_Ocean_Avenue_1973_2-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=282 Eram 18h30 de 13 de novembro de 1974 quando Ronald DeFeo Jr. entrou aos gritos no Henry’s Bar . “Vocês têm que me ajudar! Acho que atiraram no meu pai e na minha mãe!”.

Um grupo de amigos o acompanhou até sua casa, a alguns quarteirões dali. O bar e a casa ficavam em Amityville, municipalidade de Babylon, Long Island, estado de Nova York.

A cena que encontraram era ainda pior que o anunciado. Não só pais, Ronald DeFeo  (44) e Louise DeFeo (42), com as irmãs Dawn (18) e Allison (13), e os irmãos Marc (12) e John Matthew (9): todos mortos. Jazendo de bruços em suas camas, executados a tiros – dois para cada pai, um só para os irmãos.

A polícia tomou o depoimento de Ronald, que sugeriu que o mafioso Louis Falini era o responsável – o tio-avô de Ronald, Peter DeFeo, era, de fato, um caporegime da máfia de Nova York. Falini, porém, tinha um álibi: estava fora da cidade no dia. Logo o depoimento de Ronald começou a desabar em meio a várias inconsistências. Ronald terminou por confessar os assassinatos. Ele matou a família em 15 minutos, por volta das 3h da manhã daquele 13 de novembro. Disse que tomou banho e saiu de casa às 6h, dando fim à arma do crime – uma carabina Marlin 336 – e suas roupas sujas de sangue, jogando-os num bueiro. Daí seguiu para o trabalho normalmente.

Os advogados de DeFeo alegaram insanidade. Durante o julgamento, ele afirmou ter ouvido vozes comandando-o a matar a família. Também era usuário de heroína e LSD, e foi diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial. Não colou: Ronald DeFeo terminaria condenado à prisão perpétua, onde permanece até hoje.

ASSOMBRAÇÃO LUCRATIVA

A icônica e luxuosa casa, em arquitetura colonial holandesa, ficou parada por 13 meses. Até ser comprada pelo casal George e Kathleen Lutz, em dezembro de 1975, por uma ninharia, e incluindo os móveis da família DeFeo. Eram recém-casados e Kathleen tinha 3 crianças de outro casamento. Os Lutz mudaram-se para a casa em Amityville em 19 de dezembro. Nos 28 dias em que permaneceriam, até saírem de madrugada, sem pegar nada, afirmaram ter visto (só para citar alguns):

  • Uma praga de moscas em meio ao inverno;
  • As crianças dormindo na posição em que os corpos foram encontrados;
  • Uma imagem de um demônio surgindo na lareira;
  • Uma cadeira de balanço se movendo sozinha;
  • Kathleen recebendo marcas no corpo sem explicação;
  • Um crucifixo virando de cabeça para baixo sozinho;
  • A filha de 5 anos, Missy, afirmar ter visto um amigo imaginário, uma demônio em forma de porco com olhos vermelhos; também encontraram pegadas de porco do lado de fora.
  • George vendo Kahtleen se transformar em uma velha de 90 anos;
  • Uma meleca verde saindo das paredes.

A história dos Lutz seria romantizada pelo escritor Jay Anson, a partir de 45 horas de depoimento do casal, e publicada como Horror em Amityville, em setembro de 1977. O filme viria em 1979.

Os Lutz foram acusados de mentir: quase nada do que disseram foi comprovado. Não havia marcas de animais, nem dano à casa, nem os vizinhos notaram qualquer coisa de anormal em sua estadia. Quando o livro saiu, a casa já havia sido vendida para James e Barbara Cromarty, em março de 1977. Viveriam lá por 10 anos. Quando indagado sobre aparições, James dizia: “Nada estranho jamais aconteceu, exceto por gente aparecendo por causa do livro e do filme”. A casa continua habitada, com uma reforma mudado as janelas para disfarçar. Continua oficialmente não assombrada.

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5 fatos que provam que Charles Manson era um assassino calculista, não um hippie lunático https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/5-fatos-charles-manson-nao-hippie/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/5-fatos-charles-manson-nao-hippie/#respond Thu, 08 Aug 2019 17:52:47 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/Manson1-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=146 Na madrugada de 8 para 9 de agosto de 1969, um grupo de três jovens – Tex Watson, Susan Atkins e Patricia Krenwinkel (com Linda Kasabian como espia, na rua), invadiu o casarão em 10050 Cielo Drive, Los Angeles. Eram membros da Família Manson, um grupo supostamente hippie comandado por Charles Manson, que acreditavam ser a reencarnação de Jesus. A tiros e facadas, foram massacrados os 5 ocupantes da casa, incluindo quem se tornaria o símbolo do massacre, a atriz Sharon Tate, grávida de 8 meses e meio, esposa do diretor Roman Polanski, que estava fora, filmando na Europa.

O líder não ficou feliz com a atuação, que achou bagunçada. Na noite seguinte, comandou pessoalmente o assassinato do casal Leno e Rosemary LaBianca, em outro local da cidade. Nenhuma das vítimas tinha qualquer relação com o líder ou ninguém mais da seita.

Charles Manson acabaria entrando para a cultura popular como uma figura maligna, mas com algo de folclórico. Um símbolo das ideias exóticas da era hippie, um desvio macabro da contracultura dos anos 1960. Dizia que Helter Skelter, música dos Beatles do Álbum Branco, do ano anterior, era um anúncio guerra de raças que viria – os negros venceriam, mas os brancos se esconderiam no subsolo para reemergirem como elfos de luz e tomarem seu lugar. Ele tentara uma carreira musical, mas acabara recusado por um produtor importante. Assim, num ato de vingança, ele ordenou os assassinatos contra a casa do produtor, que não morava mais lá. Como forma de incitar a tal guerra racial, deixaram mensagens em sangue para fazer a polícia acreditar que o crime era dos Panteras Negras: “pig” (porco), escrito com o sangue de Sharon Tate, era como eles se referiam aos policiais (e “political pig”, aos brancos conservadores). O nome da guerra, Helter Skelter, também foi pintado.

Em outras palavras, um bicho-grilo fora desse mundo, que cometeu um ato aleatório por excesso de drogas e ideias exóticas da geração hippie.

Charles Manson em 1968
Charles Manson fotografado em passagem pela polícia não relacionada, mais de um ano antes dos assassinatos (California Department of Corrections and Rehabilitation)

1. MANSON FEZ DA SEITA UM NEGÓCIO

Manson não era da geração de seus seguidores. Nascido em 1934, sua vida havia sido uma catástrofe, de abuso e negligência na infância a passagens pelo reformatório na adolescência e múltiplos crimes, principalmente roubo, na vida adulta. Havia passado por um casamento arruinado, que incluiu um filho, em 1955. Entre suas diversas passagens pela polícia, havia sido diagnosticado como sociopata manipulativo, com um QI ligeiramente acima da média (100), 109. Em 1967, quando saiu de sua segunda prisão, havia passado mais da metade de seus 32 anos atrás das grades. E encontrou um mundo de efervescência jovem pronta para ser abusada. Criou sua seita – baseada em sexo “livre” comandado por ele. Recrutava mulheres em situação vulnerável, até 18 anos mais jovens que ele, prometendo liberação espiritual, e ordenando-as a fazer sexo para conquistar os poucos membros homens ou conseguir amizades e outros favores, incluindo pagar o aluguel. Em outras palavras, a seita era um negócio baseado em abuso psicológico e sexual, que serviria para catapultar seu plano narcisista para ser idolatrado por multidões: o estrelato no rock.

2. O CRIME NÃO FOI UM ENGANO

Foi oferecendo o “serviço” de sua seita que Manson se tornou amigo do baterista dos Beach Boys, Dennis Wilson – e arrancou um bocado de dinheiro dele, inclusive para tratamento de gonorreia, que acometeu eles e o resto da seita. Wilson o apresentou à indústria musical, incluindo o produtor Terry Melcher, e chegou a colocar uma música sua, sem crédito e altamente modificada, num álbum dos Beach Boys: Never Learn Not to Love, baseada em Cease to Exist, de Manson. Isso azedou a relação, mas antes ambos haviam frequentado a casa de Melcher, a fatídica residência em 10050 Cielo Drive. Em janeiro de 1969, recomendado por sua mãe a se afastar de Manson, Melcher se mudara, cedendo lugar à Roman Polanski e Sharon Tate. Assim, o líder da seita sabia muito bem que Melcher não morava mais lá: ele não só visitava sua casa pessoalmente, como manteve contato após a mudança, até a confirmação da recusa de qualquer possibilidade na indústria musical por Melcher, em junho. O assassinato foi ordenado contra o imóvel que tinha certa simbologia para ele, mas não pessoalmente aos ocupantes. Não uma vingança, mas um ato terrorista.

3. A GUERRA RACIAL É UMA IDEIA EXÓTICA

Um ato terrorista com uma causa conhecida. Durante seu julgamento, em 1971, Mason apareceu com um X cortado a faca na testa. Depois, completou com os braços de uma suástica, que permaneceu lá até o fim de sua vida. Foi visto como parte de sua maluquice. Mas Manson sabia o que queria dizer quando falava em guerra racial, ideia não inventada por ele e repetida ainda hoje por supremacistas brancos. Na cadeia, recusava-se a interagir com prisioneiros negros, falava gírias racistas o tempo todo e acabou se juntando à Irmandade Ariana. “Charles Manson foi um dos mais virulentos racistas que já andaram no planeta”, afirmou Jeff Guinn, autor de Manson: A Biografia, em entrevista à Newsweek. Segundo Guinn, é preciso esquecer a ideia de uma orgia de destruição movida por drogas, quando o ato de Mason é um precursor dos cometidos por terroristas supremacistas brancos atuais.

4. A SEITA E SEU LÍDER JÁ HAVIAM MATADO

Também foi um ato que não veio do nada. Mason alegou a vida toda que os crimes foram uma loucura isolada de seus seguidores, sem relação com ele próprio. Mas ele havia cometido mais de um crime violento. Em maio de 1969, havia atirado pessoalmente no traficante Bernard Crowe, deixado a cena acreditando-o por morto. Crow sobreviveu, potencialmente para testemunhar. Dois meses depois, ordenou o sequestro do amigo da seita Gary Hinman, que foi mantido de refém por três dias, sob tortura, com Manson chegando a cortar sua orelha. Manson queria dinheiro, mas como Hinman não entregou nada – depois se descobriria que tinha US$ 33 em sua conta bancária – o líder ordenou sua execução, levada a cabo pelo ex-ator infantil e ex-roomate de Hinman, Bobby Beausoleil. Uma figura conhecida de Hollywood. O que nos leva à….

5. O CRIME PODE TER SIDO O ACOBERTAMENTO DE OUTRO

Como fariam depois, os membros da seita escreveram “porco político” na parede, tentando incriminar os negros pela morte de Hinman. Não funcionou: Beausoleil acabou preso pelo crime, meros três dias antes do ataque à casa em Cielo Drive. Um ator de Hollywood assassino certamente chamaria a atenção indesejada – e poderia acusar a seita. Foi nessa situação que Mason ordenou os ataques, um crime de alto impacto midiático para ocupar a polícia e a mídia com algo mais urgente, potencialmente ampliado pelo escândalo racial. Poderia ter dado certo: dias depois do crime, a polícia invadiu o Rancho Spahn, onde a seita morava, sob uma acusação de roubo de veículos. Na hora, ficou por isso mesmo. Em 26 de agosto, Donald Shea, funcionário do rancho, que achavam tê-los dedurado, foi morto. Em outubro, finalmente, os membros da seita foram presos – por roubo de veículos. Só então a investigação começou a ligar os pontos entre os múltiplos assassinatos, levando à condenação de Manson, Watson, Atkins, Kerwinkle, mais Leslie van Houten, envolvida no crime do casal LaBianca (Linda Kasabian colaborou com a defesa e foi solta). Susan Atkins morreria na cadeia em 2009 e Mason, em 2017. Os demais continuam cumprindo prisão perpétua.

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