Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pare de dizer milícia; o nome é máfia https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/pare-de-dizer-milicia-o-nome-e-mafia/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/pare-de-dizer-milicia-o-nome-e-mafia/#respond Wed, 11 Mar 2020 22:53:55 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/15812743505e4054eed2e0f_1581274350_3x2_xl-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=395 Milícia é atualmente a palavra mais nociva do português brasileiro. É preciso urgentemente parar de usá-la. A Folha devia parar. Todo mundo devia.

A dita “milícia” do Rio de Janeiro (daqui por diante, só com aspas) merece ser chamada simplesmente de Máfia do Rio de Janeiro (com maiúsculas, como Cosa Nostra e Camorra). Enquanto os traficantes são outra forma de crime organizado presente na cidade, eles não tem o alcance no Estado e negócios típico de organizações que são chamadas de “máfia” pelo mundo afora. Nenhum político apareceu dizendo para legalizar o narcotráfico. E talvez nem Flávio Bolsonaro ousasse se estivéssemos falando a palavra certa.

A “milícia” se parece inclusive com a mais clássica das máfias. A definição talvez mais canônica de máfia é no Código Penal Italiano. O artigo 416-bis diz que uma organização pode ser caracterizada como mafiosa se:

Aqueles que pertencem à associação exploram o potencial para intimidação que sua condição de associados permite, e a obediência e omertà que deriva dessa condição leva à prática de crimes, ao controle direto ou indireto da administração ou liderança de atividades financeiras, concessões, permissões, negócios, e serviços públicos, com o propósito de conseguir lucro ou vantagens injustas para si próprios ou outros.

A única coisa acima que não parece se aplicar à Máfia do Rio é a omertà, nome usado para o pacto de silêncio da máfia italiana. Mas não é como se alguém pudesse sair da “milícia” apontando os nomes de seus membros secretos sem consequências. Não teria sido a morte do mafioso Adriano, herói de Bolsonaro, uma ação para impor a omertà?

PALAVRA MALDITA

Mas o que é uma milícia? É uma força paramilitar, civis reunidos para alguma atividade militar. Milícias de cidadãos começaram a Revolução Americana, em 1776 – e o termo “milícia bem organizada” está até hoje na Constituição dos EUA. Milícia também era a Guarda Vermelha dos bolcheviques, em 1917, e a União Soviética e a Iugoslávia comunista chamavam suas forças policiais de “milícia”. A “milícia” do Rio ganhou esse nome porque se organizaram para conquistar morros do narcotráfico, e já eram membros de organizações militares ou paramilitares, como a PM. Mas isso sempre transmitiu a ideia errada: eles não tomaram os morros para trazê-los ao Império da Lei, mas fizeram uma conquista de território de organizações rivais, típica de máfias, que rendeu e rende a eles muito lucro. E uma máfia com origem militar não merece ser chamada de outra forma: a Máfia Russa foi formada principalmente por ex-agentes da KGB e veteranos da Guerra do Afeganistão. Ninguém chama de “milícia russa”.

Se fosse só um erro semântico, não faria sentido eu chamar de “palavra mais nociva da língua portuguesa”. Mas a palavra “milícia” distorce grotescamente a gravidade e o significado do que estamos falando. O brasileiro, em geral, não tem nada contra militar: as Forças Armadas seguem sendo a organização mais bem-avaliada do país. “Milícia”, assim, particularmente para quem não é do Rio, dá um certo ar de dignidade, de guerreiro com uma causa, à Máfia Carioca. Não é difícil ler como um grupo de policiais particularmente durões, à Dirty Harry, que foi contra as leis “frouxas”, baseadas nos “direitos humanos”, para derrotar o narcotráfico – certamente a Máfia prefere ser vista assim.

E isso se reflete na situação política do Brasil. A Máfia matou Marielle Franco. Porque investigava a Máfia, não porque queria prender um grupo de policiais excessivamente durões em nome dos direitos humanos de “esquerda”.

O extremismo de direita brasileiro tem como uma de suas causas principais o combate ao crime pela via da brutalidade policial e a “milícia” é intimamente ligada com essa brutalidade. A brutalidade é a escola da intimidação. E uma forma como um policial, mesmo se “honesto”, torna-se um fora da lei, dando um trunfo para a Máfia recrutá-lo: o medo da punição. Não sabemos se e quanto a Máfia Carioca está infiltrada nas outras polícias. Mas os métodos do motim no Ceará –fechar o comércio, intimidar –são típicos da Máfia.

É parte da cultura popular, amplamente reproduzida em programas policialescos, que a solução para o crime é esse policial criminoso. E esses programas provavelmente são muito maiores que Olavo de Carvalho ou memes no WhatsApp em propagar a extrema direita no Brasil. Eles o tem feito por décadas. O maior ponto de aprovação de nosso governo extremista é justamente sua política de segurança. Política que se resumiu, basicamente, a tentar tornar mais difícil a punição a abusos policiais, o ponto mais central do Pacote Anticrime. Que não passou. Então a “política” tem sido um espírito de liberou geral nas forças policiais. PMs são estaduais e não respondem ao presidente, mas se sentem justificadas por suas palavras (e as do governador carioca e de outros extremistas ou plagiários). Os números da violência policial provam isso.

Essa impressão de dureza contra o crime segue firme diante de uma suspeita extremamente grave, na direção oposta: a de que a família presidencial, incluindo possivelmente o próprio mandatário da nação, está ou esteve ligada com as… “milícias”? PMs durões? Quem liga?

A família presidencial é suspeita de ligação com a Máfia Carioca.

Enquanto usarmos a palavra errada, o brasileiro médio não vai acordar para o fato de que estamos discutindo se o Brasil não elegeu a máfia para combater o crime.

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Onde estarão ‘golfinhos assassinos comunistas’ do Irã? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/#respond Fri, 10 Jan 2020 22:49:51 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Parc_Asterix_22-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=345 Com esse nome mesmo, “golfinhos assassinos comunistas”: a notícia saiu no site miltary.com, passou a tabloides britânicos e está se espalhando. O Irã poderia ser portador de uma arma secreta: golfinhos da ex-URSS treinados para matar. Matar horrivelmente.

As notícias são especulativas. Mas golfinhos assassinos comunistas – e capitalistas – têm uma história que merece ser contada e involve o Irã. Há razões para acreditar que o país possa ter seus golfinhos assassinos… jihadistas? Khomeinistas?

Golfinhos militares são reais. Eles existem há mais de 5 décadas. Em 1960, a marinha dos EUA capturou golfinhos para um estudo sobre hidrodinâmica, a ser usado em novos modelos de torpedos. Rapidamente, os cientistas notaram como eram extremamente amigáveis e dispostos a aprender. Assim, em 1962, um segundo programa foi começado, para testar as capacidades militares dos animais. Não só golfinhos de diversas espécies, como belugas, orcas e leões-marinhos foram testados. No final, leões-marinhos e golfinhos nariz-de-garrafa foram escolhidos, num programa que foi empregado nas guerras do Vietnã, do Golfo e do Iraque.

Nós não somos um animal marinho; eles são. Golfinhos são imensamente superiores a humanos embaixo d’água. Eles se orientam por ecolocalização, “vendo” no escuro ou em águas turvas. Com isso, conseguem achar objetos e, principalmente, pessoas com uma facilidade muito maior que qualquer equipamento ou mergulhador. Nas ações da Marinha dos EUA, eles disparam boias localizadoras próximas a minas aquáticas ou objetos perdidos no mar, ou prendem sinalizadores em mergulhadores inimigos, por meio de uma suave narigada. Os “soldados” voltam para avisar seu treinador e ganham um peixe. E para por aí: quem mata, se precisar, são humanos, que jogam granadas submarinas contra o mergulhador.

Os americanos afirmam jamais ter pesquisado o uso letal de mamíferos marinhos. Dizem que não conseguem diferenciar civis de militares, nem amigos de inimigos. Mas dissidentes, como o ex-treinador da Marinha Michael Greenwood, que fez sua denúncia em 1977, afirmam que houve, sim, pesquisas de armas letais, que incluíram tentar criar golfinhos kamikaze.

Nessas denúncias, uma arma particularmente escabrosa: uma agulha ligada a um tubo de gás carbônico comprimido, perfurando o torso do inimigo humano numa narigada. O gás faria o mergulhar inflado boiar até a superfície sem controle. Na prática, seria menos Looney Tunes e mais Faces da Morte. “Eles iriam para a superfície”, afirmou o conservacionista Doug Cartlidge, consultor da Sociedade Europeia de Cetáceos, em entrevista para a ukdiving.com. “Claro que iriam. Mas seria com suas tripas saindo por ambas as pontas.”

Carlidge afirma ter visitado nos anos 90 o que restara do programa soviético, na Ucrânia, numa base em Sevastópol, Crimeia. Ele descreveu o golfinho assassino soviético como algo mais sofisticado que o americano de décadas antes. Ele encaixaria um localizador no inimigo, como fazem os americanos, mas esse localizador também teria a ampola de gás comprimido. Primeiro os marinheiros tentariam capturar o inimigo vivo. Apenas se não o encontrassem ativariam o sistema letal. Doug acredita também que os EUA têm um programa letal secreto, do qual nem os próprios treinadores não letais da Marinha fazem ideia.

Com a queda do regime soviético, no fim de 1991, o programa sobreviveu até 2000. A Ucrânia o retomou em 2012, diante das tensões crescentes com a Rússia e, ironia, perdeu a Crimeia, com a base, para a Rússia em 2014. A Rússia herdou os golfinhos e afirma ter uma versão “de ataque”, capaz de operações letais.

O que tem o Irã com isso? Voltemos a 2000: quando o programa foi encerrado, a Ucrânia vendeu os golfinhos para o Irã, o que foi reportado pela BBC à época. Com eles foram seu treinador, Boris Zhurid, que disse então que ira com eles “Para Alá ou para o Diabo, desde que estejam bem”. Como um golfinho-nariz-de-garrafa pode viver até 50 anos ou mais, os mesmos animais dos tempos soviéticos poderiam ainda estar vivos. Ou novos podem ter sido treinados.

O problema dessa teoria é: onde estarão eles? Nunca mais se ouviu falar dos golfinhos soviéticos ou de seu treinador. Não é exatamente fácil esconder grandes piscinas e animais levados a mar aberto. O E o Irã costuma alardear seus avanços militares, que servem de deterrentes para uma invasão ocidental. Em março passado, o país inclusive proibiu aquários com mamíferos marinhos, afirmando ser uma forma de abuso animal.

Se houver mesmo os golfinhos iranianos, e se houver mesmo guerra, podem encontrar seus pares americanos no Golfo Pérsico. O que aconteceria então?

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Os EUA financiaram Osama bin Laden? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/os-eua-financiaram-osama-bin-laden/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/11/os-eua-financiaram-osama-bin-laden/#respond Wed, 11 Sep 2019 20:05:14 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/osamastates-1-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=243 Há quem veja uma uma perversa ironia nos ataques de 11 de setembro de 2001. A de que o mandante teria começado sua carreira sob patrocínio dos próprios EUA. Osama bin Laden teria recebido dinheiro da CIA durante sua participação na Guerra do Afeganistão (1979-1989). E essa é uma que mesmo quem não é adepto de teorias da conspiração costuma repetir como um fato de conhecimento público.

Bin Laden lutou no Afeganistão ao lado dos mujahidins (termo em árabe para “quem faz a Jihad”). Assim se chamavam os militantes islâmicos combatendo os soviéticos, que haviam entrado no país para tentar defender o governo afegão contra sua insurgência. E os mujahidins, definitivamente, receberam dinheiro da CIA, num total de US$ 3 bilhões (cerca de US$ 6 bilhões hoje).

Mas, até onde documentos e testemunhos podem provar, Osama nunca embolsou um tostão do Tio Sam – algo que ele e a CIA sempre afirmaram. O jornalista Peter Bergen, que escreveu sete livros sobre Bin Laden e a Guerra ao Terror, foi um dos muitos que pesquisou e não achou nada. O jornalista Steve Coll ganhou o prêmio Pulitzer por seu livro de 2004, Ghost Wars: The Secret History of the CIA, Afghanistan, and Bin Laden, from the Soviet Invasion (“Guerras-Fantasma: A História Secreta da CIA, Afeganistão e Bin Laden, da Invasão Soviética”). No livro, ele afirma: “Bin Laden se movia pelas operações de inteligência compartimentadas sauditas, fora da vista da CIA. Os arquivos da CIA não contém qualquer registro ou contato entre um oficial da CIA e Bin Laden nos anos 1980”.

Há uma razão para acreditar que Osama não foi parar no borderô da CIA: primeiro, era filho de uma das famílias mais ricas da Arábia Saudita e levou seu próprio dinheiro para financiar sua luta, parte da torrente de dinheiro saudita que foi parar nas mãos dos mujahidins.

Indiretamente, o terrorista certamente se beneficiou do patrocínio EUA. Dois de seus grandes aliados, os líderes mujahidins Gulbuddin Hekmatyar e Jalaluddin Haqqani, eram amplamente apoiados pela CIA, e continuaram a dar seu suporte a ele. Haqqani facilitou sua fuga do Afeganistão em 2001 – e, com isso, garantiu sua sobrevivência pelos anos que se seguiram.

Mas há um terrorista que atacou os EUA e foi, com certeza, patrocinado pela CIA. Omar Abdel-Rahman, o “sheik cego”, recebeu apoio americano no Afeganistão. Inclusive, a CIA mexeu uns pauzinhos para conseguir seu visto de entrada nos EUA, em 1991, quando outras autoridades desconfiavam que podia ter intenções terroristas. Menos de dois anos depois, em 23 de fevereiro de 1993, ele comandou o ataque com caminhão-bomba ao World Trade Center. O plano era fazer uma torre cair em cima da outra, mas o resultado foram seis mortos e dano local. Era para ser só um de uma série de ataques a Nova York, mas Rahman acabou preso em junho do mesmo ano, e ficaria até sua morte, em 2017. Sua história serviria de inspiração para Osama, digamos, “terminar o trabalho’ em 2001.

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‘Corredor da Morte’ da Alemanha deu origem a uma imensa reserva ambiental involuntária https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/#respond Fri, 16 Aug 2019 20:28:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/CinturaoVerdeAlemanha2-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=164 É uma memória distante mesmo para quem viveu, mas, entre derrota nazista, em 1945, e a reunificação, em 1990, existiram duas Alemanhas. Conforme combinado entre Stalin e os aliados ocidentais, o país foi divido em 4 zonas de influência: soviética, americana, francesa e britânica, ocupadas pelo respectivo exército. A área soviética se tornou a República Democrática da Alemanha, mais conhecida por Alemanha Oriental, regime marxista de partido único. As outras três, a República Federal da Alemanha, ou Ocidental, a democracia liberal capitalista.

Entre essas duas, havia a Fronteira Interna Alemã – informalmente, Corredor da Morte, um cordão de isolamento formado por cercas eletrificadas e com alarmes, muros, torres de vigilância, campos minados, armadilhas para carros e pessoas. Ela surgiu 16 anos antes do Muro de Berlim, de 1961 – esse isolava a parte capitalista da antiga capital, também decidida na divisão, que se tornou um enclave na Alemanha comunista.

Cinturão Verde da Alemanha
Em verde, a Fronteira Interna das Alemanhas (Wikimedia Commons)

Por quatro décadas, qualquer ser humano que ousasse se aproximar da Fronteira Interna tinha grandes chances de nunca mais sair de lá. O isolamento era uma faixa de 500 m até 1 km do lado oriental, e, por segurança, não lei, ao menos 100 metros na ocidental. Isso que fez de uma linha de 1.400 km entre as duas Alemanhas um território livre de humanos. E, com isso, “a natureza essencialmente ganhou um feriado de 40 anos”, como definiu o ambientalista Kai Frobel à rede de TV alemã Deutsche Welle.

Cinturão Verde da Alemanha
Remanescente da cerca que dividia as Alemanhas, no Cinturão Verde (foto: Jurgen Skaa/Flickr/CC)

Frobel é considerado o pai do Cinturão Verde, um projeto de preservação da ONG Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (“Federação Alemã pelo Ambiente e Conservação da Natureza”). Desde sua fundação, em 1975, a Bund, como é chamada pelos alemães, passou a observar, a uma distância segura, de binóculos, como a natureza reagia à ausência humana na fronteira entre os dois mundos.

Reagia bem. No Cinturão Verde, mais de 1.200 espécies consideradas em risco encontram moradia em seus 109 habitats diferentes.

O cinturão não é um parque contínuo. Existem múltiplas áreas preservadas ao longo da antiga fronteira, mas 200 km dos 1.400 km totais são interrompidos por fazendas, estradas e outras obras. O projeto, que conta com a colaboração do governo alemão, é ir ligando essas áreas comprando terras e conseguindo acordos com governos locais. E existe um plano, ainda bem mais ambicioso, de criar o Cinturão Verde Europeu, ocupando toda a fronteira da antiga Cortina de Ferro, uma linha de 12.500 km passando por 24 países.

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