Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O Dia Mundial do Rock não é mundial, nem realmente do rock https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/#respond Mon, 13 Jul 2020 17:00:26 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/roque.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=575 Perdoem tirar o dia para chover na festa dos outros, mas é gatilho em roqueiro velho (pleonasmo?). O Dia Mundial do Rock é uma jabuticaba. Existem jabuticabas deliciosas, mas não consigo ver mcjabuticabas publicitárias (como o Dia dos Namorados) como algo que mereça ser chamado de rock’n’roll.

O Dia Mundial do Rock foi concebido em 13 de julho de 1985, quando o brutal roqueiro Phil Collins, criador dos hits derretedores de cara Invisible Touch e Paradise, no calor do momento de seu show no Live Aid, sugeriu que aquele dia passasse a ser conhecido como “Dia Mundial do Rock”. (Para quem não pegou a referência: Phil Collins era um astro pop vindo do rock progressivo; no máximo podia ser classificado como soft rock.)

O apelo foi solenemente ignorado pelo resto do planeta. Até, anos depois, ser lembrado por executivos das rádios de rock de São Paulo. Nos anos 90, as FMs 89 e 97 passaram a celebrar o “Dia Mundial do Rock” proposto por Phil Collins, numa tentativa de recuperar fãs do gênero que havia sido mainstream por alguns anos da década anterior, mas perdia espaço para o pagode e o sertanejo. Basicamente como o Dia dos Namorados do pai de João Doria, esse feito para vender roupas. Meio que colou. Não muito.

MEGA EVENTO

Fazendo 35 anos hoje, o Live Aid merece uma menção mais extensa que o Dia Mundial (Só No Brasil) do Rock. Foi uma iniciativa para arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia, que, entre 1984 e 1985, matou cerca de 600 mil pessoas. Foram dois megaconcertos acontecendo em Londres e Filadélfia (EUA). Nomes mais que bem estabelecidos, e boa parte já na faixa dos quarenta anos de idade, como os Rolling Stones, Led Zeppelin e Black Sabbath. Alguns mais jovens (e mais pop), como U2, Duran Duran e Madonna. Phil em pessoa, que tinha 34 e começara sua carreira no progressivo Genesis, tinha razão para estar empolgado: havia se apresentado em Londres, pego um voo de Concorde, e fazia outro show no outro continente no mesmo dia.

Infelizmente, o esforço do Live Aid, assistido por 1,5 bilhão de espectadores, rendeu mais às gravadoras que aos etíopes. As músicas dispararam nas pardadas. Mas o dinheiro arrecadado, transferido ao governo Mengistu Haile Mariam, serviu para manter no poder um ditador que seria condenado por genocídio pelas autoridades etíopes em 2007, e segue no exílio até hoje. Mengistu foi acusado de usar de fundos para massacrar sua oposição e a oposição. E uma parte dessa oposição, o grupo guerrilheiro Frente de Libertação do Povo Tigré, também recebeu fundos e o empregou no combate.

Tanto Mengistu quanto a Frente se consideravam marxistas. Em 1990, Mengistu perdeu o apoio da União Soviética, renunciou ao marxismo e tentou reformas de mercado – para ser derrubado pela (também marxista, então adotando o socialismo democrático) Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, que tomou a capital em 27 de maio. Foi o começo da atual democracia etíope.

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Atrocidade química ou… cocô de abelha? O mistério da chuva amarela https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/29/atrocidade-quimica-ou-coco-de-abelha-o-misterio-da-chuva-amarela/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/29/atrocidade-quimica-ou-coco-de-abelha-o-misterio-da-chuva-amarela/#respond Fri, 29 Nov 2019 20:35:51 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/chuvaamarela-300x215.jpg http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=43 A fuga dos americanos de Saigon em 30 de abril de 1975 foi má notícia para o povo Hmong do vizinho Laos. Enquanto corria a Guerra do Vietnã, seu país vivia a “Guerra Secreta”, como a batizou a CIA: o confronto entre a monarquia do rei Savang Vatthana e os comunistas do Pathet Laos, os primeiros apoiados pela CIA e pelos capitalistas do Vietnã do Sul, os segundos, pelos comunistas do Vietnã do Norte e os soviéticos. Os Hmong do Laos estavam do lado da monarquia e a resposta não tardou a chegar quando os comunistas do Vietnã viram suas mãos livres da guerra interna. A Guerra Civil do Laos seria vencida pelos comunistas antes do fim do ano. Vistos como vendidos aos americanos, os Hmong sofreram o que descreveriam como política de extermínio, com prisões, tortura e execuções mesmo entre civis apolíticos. 30% dos Hmong acabariam fugindo do Laos.

Os refugiados foram parar na Tailândia e alguns de lá foram para os EUA. Com eles, levaram suas histórias de guerra. Uma das quais saltou aos olhos do mundo mais que as outras: a chuva amarela.

PROJETO SECRETO?

Segundo sobreviventes, enquanto eles tentavam se refugiar na floresta, helicópteros e caças dos comunistas lançaram contra eles uma substância amarela e viscosa. As plantas morriam. E as pessoas tinham sangramentos, convulsões, até cegueira. Relatos parecidos começaram a aparecer também entre os refugiados do Camboja, invadido em 1979 pelo Vietnã comunista para depor o também comunista (e brutal) regime do Khmer Vermelho. (Para constar: o Khmer Vermelho era apoiado pelos EUA.)

Rapidamente, a chuva amarela virou um escândalo mundial: comunistas vietnamitas bancados pelos soviéticos estavam usando armas químicas, contrariando a Convenção de Genebra, da qual a União Soviética e, a partir de 1980, o Vietnã eram signatários.

Em 1981, o o Secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig, levou a público a denúncia:”Encontramos agora evidências físicas do Sudeste Asiático, que foram analisadas e encontraram níveis anormais de micotoxinas – substâncias venenosas que não são nativas da região e são altamente tóxicas para o homem e para os animais”. Isto é, a URSS estava usando compostos de um fungo letal produzido em casa para envenenar seus opositores no Laos. Em 1982, um relatório do toxicologista C. G. Mirocha, da Universidade do Minnesota, confirmou os relatórios, encontrando micotoxinas nas roupas dos refugiados, com um misterioso pó amarelo.

Tanto os soviéticos quanto os vietnamitas e comunistas laotianos negaram veementemente. Entra em campo um jogador de peso: o geneticista e biólogo molecular Matthew Meselson, também um militante contra armas químicas, que havia estudado os efeitos do Agente Laranja no Vietnã. Ele teve acesso às regiões problemáticas e conduziu seu próprio estudo.

Sua conclusão: cocô de abelha. Era isso o que era a chuva amarela.

RESPOSTA NA NATUREZA

Meselson notou que as micotoxinas citadas na verdade eram comuns na região. Mais importante: todas as amostras apresentadas continham pólen. Ao olhar esse pólen no microscópio, notou que as plantas eram locais e as células estavam ocas –  algo que acontece quando passam pelo sistema digestivo de um inseto. Mais tarde, com a repercussão, foi apresentado um estudo chinês de 1976, que abordava camponeses falando em “chuva amarela”– as exatas mesmas palavras dos laotianos. Era um fenômeno idêntico, menos os helicópteros e caças. Uma substância amarela e oleosa caiu aparentemente do nada. Em suas conclusão, os biólogos chineses também apontaram para as abelhas. Um enxame voando rápido a 10 metros de altitude é muito difícil de enxergar contra o céu. Tanto na China quanto no Laos, as pessoas teriam levado a saraivada sem entender de onde vinha.

O governo dos EUA reagiu reconhecendo o pólen, mas dizendo que havia sido adicionado pelos soviéticos para disfarçar suas armas bioquímicas. Meselson contestou, dizendo que isso exigiria o transporte de toneladas de pólen sem detecção por milhares que quilômetros. Estudos posteriores confirmaram o pólen e não indicaram armas químicas. Um consenso na comunidade científica acabou se formando em favor de Meselson, o de que o episódio foi mesmo uma mistura de pavor de guerra com propaganda. As agências e militares dos EUA, porém, mantém até hoje que havia armas químicas, admitindo que não têm como provar.

Quanto aos refugiados Hmong, a maioria não se convenceu com a versão de Meselson. Em 2012, o jornalista Robert Krulwich entrevistou o sobrevivente Eng Yang e sua sobrinha, a escritora Kao Kalia Yang, para falarem da chuva amarela. Krulwich insistiu agressivamente na teoria da abelha, deixando Kao Kalia, segundo diria depois “à beira das lágrimas”. Acusado de racismo, insensibilidade e condescendência, o jornalista publicaria uma retratação.

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Eleições não fazem uma democracia: os muitos golpes da Ditadura https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/#respond Fri, 15 Nov 2019 22:23:31 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/vote-3676577_1280-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=280 presidente Jair Bolsonaro acaba de dizer que não existiu ditadura no Brasil. Em suas palavras: “você tinha direito de ir e vir, você tinha liberdade de expressão, você… votava”.

Liberdade de expressão num regime com censura prévia é negacionismo. Direito de ir e vir num país com os 5 mil exilados, a maioria sem condenação formal, é discutível. Se o regime não gostasse de você, era o direito de voltar para ser preso e torturado.

Mas eleições havia. Cinco delas: 1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. Todas permitiram oposição. Entre as denúncias contra o regime militar, não está a mera fraude eleitoral massiva, como no Império e na República Velha. As urnas não mentiam. E mesmo Emílio Garrastazu Médici, indicado por uma junta militar (mais adiante), exigiu que o Congresso fosse reaberto para “elegê-lo”. O regime não terminou por revolução, mas pela eleição presidencial de uma chapa opositora, dentro de suas próprias regras.

E, ainda assim, foi ditadura. Do começo ao fim. Mesmo nos seus momentos mais “brandos”.

A NULIDADE DO VOTO

O Brasil nem de longe está sozinho em ter tido eleições sem democracia. Para instituições que absolutamente não podem ser acusadas de esquerdismo, como a Freedom House (ONG criada pela primeira-dama americana Eleanor Roosevelt) e o Projeto Polity IV (criado pela CIA), eleições formais dizem pouco. Ambos chamam o regime militar brasileiro de “ditadura militar” sem qualquer cerimônia. Inclusive o Polity IV a classifica como mais repressiva que URSS na época do AI-5 (fica para outro dia). 

Se você concluir que eleições bastam para definir uma democracia, então o Iraque de Saddam Hussein era uma democracia. Em 16 de outubro de 2002, ele foi confirmado num plebiscito no qual atingiu 100% dos votos. A União Soviética de Stalin realizou eleições em 1937 e 1950, permitindo independentes. Foi uma armadilha para pegar quem se levantasse para se candidatar, e também medir a força dos burocratas locais, punidos quando o PCUS não vencia em seu soviete.

Há um exemplo contemporâneo: a China tem um regime multipartidário. Oficialmente, o país se declara uma democracia. Das 2.980 cadeiras no Congresso Nacional do Povo, 2.119 são do Partido Comunista da China (71%). O resto se divide entre outros 8 partidos formalmente reconhecidos. E 470 independentes.

Mas ninguém compra essa “democracia”: os partidos formalmente reconhecem a primazia do Partido Comunista da China. Políticos problemáticos têm suas candidaturas cassadas.  

As eleições da ditadura não eram iguais às da China. A oposição não era aliada. Mas há uma semelhança: era um regime que consentia uma opção eleitoral que não podia mudar nada.

ROUBANDO NO PRÓPRIO JOGO

O regime começou por limar a oposição que o incomodava: foram 41 deputados cassados no AI-1, proclamado 8 dias depois do golpe, e 168 ao longo de regime. Entre os que perderam os direitos políticos estava gente como Juscelino Kubitschek, que de esquerdista não tinha nada, mas venceria facilmente qualquer general numa eleição limpa. 

O golpe de 1964 foi só o primeiro dos vários golpes da ditadura. Dá para listar ao menos mais seis:

  1. Em 1965, veio o AI-2, impedindo a eleição direta para presidente e dissolvendo todos os partidos, forçando-os a se reunir em dois: Arena, Aliança Renovadora Nacional, o partido da Ditadura; e MDB, Movimento Democrático Brasileiro, a oposição que não havia sido posta na ilegalidade.
  2. Em 7 de dezembro de 1966, veio o AI-4, obrigando esse Congresso mutilado e sob supervisão militar a fazer uma nova Constituição ao gosto do regime.
  3. Em 13 de dezembro de 1968, veio o famoso AI-5, que suspendeu as garantias dessa própria Constituição, fechando o Congresso, criando censura prévia e permitindo prisões sem acusação formal.
  4. Em 31 de agosto de 1969, seria a vez da junta militar. O ditador (como se chama um presidente ilegítimo de uma ditadura?) Costa e Silva teve um acidente vascular cerebral e, no lugar de assumir seu vice, o civil Pedro Aleixo, como previa a Constituição dos próprios militares, tomaram o poder os três ministros das Forças Armadas, criando uma junta militar que proibiu a expressão “junta militar”. Imporiam o general Emílio Garrastazu Médici como sucessor.
  5. e 6. A Lei Falcão e o Pacote de Abril.

Esses dois últimos seriam no período Geisel, o ditador que começou a “abertura gradual”.  Nas eleições de 1970, tempos do AI-5, da vitória na Copa, do milagre econômico e do “Ame-o ou Deixe-o”, a Arena havia feito 223 cadeiras contra 87 do MDB. Todos os senadores eleitos, exceto os da Guanabara (um vestígio do antigo Distrito Federal, unificada com o Rio em 1975) eram da Arena. Na eleição seguinte, um susto: em 1974, os brasileiros de 16 dos 22 estados decidiram por candidatos da oposição no Senado – só não obtiveram maioria porque os mandatos são de 8 anos e o Senado, como ainda hoje, renovava alternadamente um terço e dois terços de suas cadeiras a cada eleição. Nas eleições de 1974, foi só um terço. No Congresso, a situação foi menos dramática: 203 versus 161. Ainda assim um avanço ameaçador.

Os militares entraram em pânico. E vieram os dois “golpinhos” já citados: a Lei Falcão é de 1/6/1976 e o Pacote de Abril, de 13/4/1977. 

Os militares mudaram as regras do jogo para a próxima partida. Pela Lei Falcão, candidatos foram basicamente proibidos de falar na TV. A lei limitava a propaganda eleitoral a uma foto do candidato com número – até mesmo jingles com letra eram proibidos. Supostamente feita para equalizar as chances entre candidatos ricos e pobres; na prática, foi um jeito de calar qualquer discussão política. O Pacote de Abril foi mais explícito: garantiu ao presidente apontar um terço do senado – os retrofuturisticamente apelidados “senadores biônicos”.

Em A Ditadura Encurralada, Elio Gaspari relata traz o relato de um político da Arena com o Geisel: “disse que o general lhes pedira que se mobilizassem para a campanha eleitoral, pois queria ‘vencer e aumentar o percentual democrático, evitando a possibilidade de uma ditadura’. Tradução: se o governo perdesse, corria-se o risco de uma virada de mesa. Corolário: para quem quiser virar a mesa, será melhor perder a eleição do que ganhá-la”.

Isto é, os próprios militares diziam que, se não dessem um golpe brando, dariam um golpe duro. Enfim, era um regime que fazia um jogo eleitoral no qual não podia perder. Como a China. Como a União Soviética. Como Cuba.

SEM UM ESTRONDO, COM UM GRUNHIDO

Nas eleições de 1978, o Senado, contando biônicos e mandatos começados em 1974, terminou com 42 para a Arena e 25 para o MDB. No Congresso, o avanço do MDB não foi totalmente contido pela Lei Falcão: 189 do MDB versus 231 da Arena. 

Sob o sucessor de Geisel, João Figueiredo, a “abertura gradual” levou à Lei de Anistia em 1979, e o fim do bipartidarismo em 1980. Em 1982, o governo militar aceitou se expor a eleições mais ou menos competitivas. O agora Partido Democrático Social, como não sem certa ironia decidiu se rebatizar a Arena, ganhou 49% dos assentos (234 de 479), com o resto dividido entre as novas legendas. 

A ditadura teria eleito seu último candidato não fosse uma traição. Dois anos depois, a imensa pressão do movimento Diretas Já, além de desavenças internas com a indicação de Paulo Maluf (último candidato do regime que prometeu limpar o Brasil) e uma proposta para estender o mandato do general Figueiredo (isto é, mais um golpe ainda), levou a um racha no partido do regime, formando o Partido da Frente Liberal (hoje Democratas).

A criação do PFL, tomando votos do PDS, e algumas abstenções do próprio PDS, levariam à eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney em 15 de janeiro de 1985, com 480 votos (72,4%), contra 180 (27,3%).

E, desta vez, sem apoio das classes civis que os alçaram ao poder, e não sem novas ameaças de golpe da linha dura, os militares aceitaram seu destino. Como último gesto, Figueiredo recusou-se a passar a faixa a Sarney. Famosamente declarou: “Que o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”.

E saiu pelos fundos do Palácio do Planalto.

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‘Corredor da Morte’ da Alemanha deu origem a uma imensa reserva ambiental involuntária https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/#respond Fri, 16 Aug 2019 20:28:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/CinturaoVerdeAlemanha2-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=164 É uma memória distante mesmo para quem viveu, mas, entre derrota nazista, em 1945, e a reunificação, em 1990, existiram duas Alemanhas. Conforme combinado entre Stalin e os aliados ocidentais, o país foi divido em 4 zonas de influência: soviética, americana, francesa e britânica, ocupadas pelo respectivo exército. A área soviética se tornou a República Democrática da Alemanha, mais conhecida por Alemanha Oriental, regime marxista de partido único. As outras três, a República Federal da Alemanha, ou Ocidental, a democracia liberal capitalista.

Entre essas duas, havia a Fronteira Interna Alemã – informalmente, Corredor da Morte, um cordão de isolamento formado por cercas eletrificadas e com alarmes, muros, torres de vigilância, campos minados, armadilhas para carros e pessoas. Ela surgiu 16 anos antes do Muro de Berlim, de 1961 – esse isolava a parte capitalista da antiga capital, também decidida na divisão, que se tornou um enclave na Alemanha comunista.

Cinturão Verde da Alemanha
Em verde, a Fronteira Interna das Alemanhas (Wikimedia Commons)

Por quatro décadas, qualquer ser humano que ousasse se aproximar da Fronteira Interna tinha grandes chances de nunca mais sair de lá. O isolamento era uma faixa de 500 m até 1 km do lado oriental, e, por segurança, não lei, ao menos 100 metros na ocidental. Isso que fez de uma linha de 1.400 km entre as duas Alemanhas um território livre de humanos. E, com isso, “a natureza essencialmente ganhou um feriado de 40 anos”, como definiu o ambientalista Kai Frobel à rede de TV alemã Deutsche Welle.

Cinturão Verde da Alemanha
Remanescente da cerca que dividia as Alemanhas, no Cinturão Verde (foto: Jurgen Skaa/Flickr/CC)

Frobel é considerado o pai do Cinturão Verde, um projeto de preservação da ONG Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (“Federação Alemã pelo Ambiente e Conservação da Natureza”). Desde sua fundação, em 1975, a Bund, como é chamada pelos alemães, passou a observar, a uma distância segura, de binóculos, como a natureza reagia à ausência humana na fronteira entre os dois mundos.

Reagia bem. No Cinturão Verde, mais de 1.200 espécies consideradas em risco encontram moradia em seus 109 habitats diferentes.

O cinturão não é um parque contínuo. Existem múltiplas áreas preservadas ao longo da antiga fronteira, mas 200 km dos 1.400 km totais são interrompidos por fazendas, estradas e outras obras. O projeto, que conta com a colaboração do governo alemão, é ir ligando essas áreas comprando terras e conseguindo acordos com governos locais. E existe um plano, ainda bem mais ambicioso, de criar o Cinturão Verde Europeu, ocupando toda a fronteira da antiga Cortina de Ferro, uma linha de 12.500 km passando por 24 países.

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Quando os filmes fotográficos eram racistas https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/14/quando-os-filmes-fotograficos-eram-racistas/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/14/quando-os-filmes-fotograficos-eram-racistas/#respond Sun, 14 Jul 2019 05:00:50 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/img_4371-150x150.jpg http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=18 Entre 1977 e 1978, o cineasta francês Jean-Luc Godard, um dos pais da nouvelle vague, foi convidado pelo governo marxista de Samora Machel a trabalhar no Moçambique. Sua missão era ajudar na comunicação visual do novo regime, principalmente televisão. Como parte de seu trabalho, tinha que filmar curtas.

Não deu em nada. O cineasta recusou-se a usar o filme que estava disponível. Disse que era “racista”.

Godard havia notado que, ao filmar ou fotografar pessoas negras com filmes coloridos Kodak, a pele surgia escurecida ao ponto de mal dar para identificar os traços da expressão, enquanto os dentes e o branco dos olhos saltavam à vista, por contraste. Era como se o filme estivesse enxergando-as como um estereótipo do vaudeville americano, de blackface.

Foto colorida no Zambia, 1974
Foto colorida tirada no Zâmbia, 1974 (Foto: Walt Jabsco/Flickr/CC)

O problema era mais notável nos filmes da americana Kodak que nos da japonesa Fuji, com quem formava um duopólio, e tinha uma tecnologia de cores diferente.

Mas, afinal, estariam os fabricantes pregando uma peça racista? Fotografia colorida não é um processo simples. É preciso reconstruir uma imagem com todas as cores da natureza em apenas três delas: ciano, magenta, amarelo. Qualquer desequilíbrio na proporção pode levar a tons alienígenas: gente verde, púrpura, amarela. Assim, as indústrias tinham que calibrar seus próprios filmes para algo que favorecesse o (que viam como seu) consumidor – e, dentro disso, ser fiel ao seu tom de pele, retratar bem a pessoa, era mais importante que as demais cores. Para acertar essas cores na revelação, proviam aos estúdios cartões de referência – as “Shirleys”, que permitiam comparar a pele como na revelação com o que era “normal”. Literalmente podia estar escrito “normal”. E basta ver uma Shirley para entender o problema:

Imagem de uma Shirley Card da Kodak 1974
Shirley Card da Kodak de 1974 (Foto: Kodak/Reprodução/via Hermann Zschiegner)

O nome vem de Shirley Page, a primeira modelo nesses cartões, e continuou até pararem de ser produzidos. Invariavelmente, as Shirleys eram da cor que que os lápis de cor e os band-aids chamavam de “tom de pele”. E, calibradas para esse tom, os filmes podiam passar longe quando não estavam lidando com o “normal”.

Ainda nos anos 1970, os filmes da Kodak começam a melhorar. Se você olhar as fotos de pessoas negras, elas progressivamente vão se tornando mais fiéis. A pesquisadora de comunicação Lorna Roth, da Université Concordia, Montreal (Canadá), descobriu o porquê: os executivos da empresa receberam reclamações de agências de publicidade. Os filmes estavam causando problemas para retratar… chocolate e móveis.

A Kodak eventualmente lançaria uma Shirley multirracial em 1995, com uma mulher branca, uma negra e uma leste-asiática. Já era quase sem efeito: as câmeras digitais começavam a tomar o espaço dos velhos filmes físicos, e elas podem calibrar a cor antes da captura e oferecer correção digital depois.

Shirley Card Multiracial da Kodak 1994
Shirley Card multiracial da Kodak, 1994 (Kodak/Reprodução)

Mas o problema renasceu. No século 21, a tecnologia do reconhecimento facial falha em entender que nem todo mundo é branco. Em 2015, o Google teve que pedir desculpas por seu sistema de identificação de fotos ter chamado um grupo de jovens negras sorrindo de “gorilas”. Mesmo após denúncias, o problema persiste. Ano passado, um estudo da pesquisadora Joy Buolamwini, do Laboratório de Mídia do MIT mostrou que aplicativos de reconhecimento facial funcionam 99% em casos de homens brancos. E 35% em mulheres negras mais escuras –quanto mais escura a pele, maior a taxa de erro.

Isto é, assim como os filmes, estamos treinando computadores para entender o “normal” e ignorar o “anormal”. E isso é um problema sério quando programas de reconhecimento facial estão se tornando acessórios da polícia.

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