Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A primeira vítima da ditadura militar: os militares https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/28/a-primeira-vitima-da-ditadura-militar-os-militares/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/28/a-primeira-vitima-da-ditadura-militar-os-militares/#respond Mon, 29 Jun 2020 01:04:39 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/marinheiros.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=542 O primeiro sangue derramado pela ditadura foi o do tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, morto em 4 de abril de 1964 por uma rajada de metralhadora pelas costas. Os tiros partiram de seus companheiros militares, por se recusar a apoiar o golpe. Sua posição de paciente zero foi reconhecida pela Justiça do Brasil em março de 2019.

Alfeu era parte de um grupo de vítimas da ditadura menos lembrado: o dos próprios militares. Quando a ditadura assumiu, imediatamente passou a um expurgo em suas forças, com o Ato Complementar nº 3, de 11 de abril, expulsando 122 oficiais de diversas patentes. Na alta cúpula, até 1966, seriam expulsos 24 dos 91 oficiais com patente de general ou equivalente. A perseguição atingiria, segundo a Comissão Nacional da Verdade, até 7.500 militares, entre expulsos, presos, torturados e assassinados.

E isso é outra parte menos lembrada do surgimento da ditadura: não era só uma disputa envolvendo João Goulart e a esquerda civil, de um lado, e os militares a direita civil, do outro. Era uma disputa também entre militares e militares. Havia uma ala pró-Goulart juntando nacionalistas e esquerdistas, que era forte na baixa patente, bastante ruidosa e teve suas vitórias. A própria posse de Goulart, em 1961, aconteceu em grande parte pelo apoio de militares dessa ala, que aderiram à Campanha da Legalidade de Leonel Brizola, contra a outra ala ameaçando fechar o congresso, segundo a denúncia do jornalista Carlos Lacerda, liderança conservadora que acabaria por apoiar o golpe em 64, para se arrepender. (A bem da verdade, a posse de Jango foi mais um “empate”: assumiu como presidente num regime parlamentarista aprovado às pressas, que seria revogado em janeiro de 1963 após um plebiscito.)

Nos anos que seguiram, os militares se polarizaram entre contra e a favor de Jango, culminando na Revolta dos Sargentos, em 12 de setembro de 1963, quando cerca de 600 militares de baixa patente se rebelaram em Brasília, prenderam adversários, inclusive um ministro do Supremo Tribunal Federal, cortaram as comunicações da cidade e tomaram o Departamento Federal de Segurança Pública e o Ministério da Marinha. A razão da revolta havia sido uma decisão do STF de considerar ilegal a eleição de militares a cargos legislativos em 1962. Esses militares representavam principalmente o movimento pró-Goulart.

Sem conquistar adesão em massa e por erros de comunicação, a revolta foi aniquilada. Seus líderes foram enviados a um navio-prisão na Baía de Guanabara.

Mas o clima de rebelião continuou. No que Elio Gaspari e diversos historiadores consideraram o principal estopim da ditadura, em 25 de março de 1964, foi a vez da Marinha. Em 24 de março, o almirante Sílvio Mota, ministro da marinha de João Goulart, decretou a prisão dos líderes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, um sindicato considerado ilegal, que apoiava ferrenhamente o presidente. Em desafio, a associação celebrou seu aniversário no dia seguinte, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, com os líderes condenados. Os membros do Corpo de Fuzileiros Navais enviados para prendê-los aderiram ao movimento, como apoio de seu comandante, o vice-almirante vice-almirante Cândido Aragão. Humilhado, Mota pediu demissão, assumindo no lugar o almirante pró-rebeldes, pró-Jango, Paulo Mário da Cunha Rodrigues, que daria anistia a todos os rebelados no dia 27, para no dia 28 desfilarem pelas ruas do Rio. Mota, Aragão e Rodrigues seriam exonerados após o golpe. O vice-almirante dos fuzileiros, Aragão, aos seus 56 anos, chegaria a perder um olho sob torturas.

Assim foram os últimos dias da democracia. Os líderes do golpe deram também um golpe nas Forças Armadas. A guerra civil que nunca aconteceu foi ainda assim vencida e os militares à esquerda, destruídos. Sem o expurgo feito pela da direita militar, física e ideologicamente, das figuras militares que se opuseram ao golpe, seria difícil de imaginar quarteis ensinando ainda hoje que 1964 foi um “marco para a democracia“. Assim como o apoio com que um presidente como Bolsonaro ainda conta nas forças. Apologistas da ditadura raramente incluem em sua narrativa que os “comunistas” dos quais, a seu ver, salvaram a democracia, eram, em grande parte, outros militares.

A atual cultura militar do Brasil não é natural da profissão. É um legado da ditadura.

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Jânio e lagostas: duas vezes em que Brasil e França quase entraram em guerra https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/#respond Sat, 08 Feb 2020 21:25:48 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/alpha-2540240_960_720-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=373 Ontem saiu a notícia: os militares brasileiros têm planos para uma guerra com a França, levando a sério a sugestão do presidente francês Emmanuel Macron de que a Amazônia poderia ser internacionalizada.

É uma deixa para lembrar duas vezes num passado não tão distante em que o Brasil se dispôs a confrontar uma potência nuclear da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ambas em períodos democráticos. Numa delas, inclusive, seria uma guerra de agressão.

A Guerra da Lagosta foi uma disputa comercial pela pesca do crustáceo no Nordeste do Brasil por navios franceses. Em 1961, franceses começaram a pescar lagostas no litoral brasileiro, no que foi visto como uma violação de direitos do Brasil. A coisa evoluiu ao ponto de navios franceses serem capturados e navios militares franceses serem enviados à nossa costa. A quase guerra aconteceu no contexto do acirramento da tensão dos militares com o presidente João Goulart, e terminou só com a ditadura.

A outra guerra que não aconteceu era um plano do excêntrico presidente Jânio Quadros para nada menos que conquistar a Guiana Francesa, também em 1961. A justificativa para a Operação Cabralzinho era evitar o contrabando de um metal quase valor, o manganês. E essa já estava em andamento quando Jânio acabou renunciando.

Como teria sido uma guerra com a França? A única guerra comparável seria a das Malvinas, de 1983, que pôs em oposição dois países formalmente aliados dos EUA (o Reino Unido pela  Otan, e a Argentina, pelo Tratado do Rio de Janeiro, de 1947, ainda em vigor). O regime militar argentino acreditava que o Reino Unido simplesmente ignoraria a tomada de uma ilha de população minúscula e sem muito valor estratégico ou comercial. Jânio e os militares brasileiros também apostavam que os franceses não iriam investir num conflito pelo que viam como ninharias. Os militares argentinos erraram feio: a reação foi fulminante e os EUA preferiram ficar do lado do aliado Europeu, sem sequer chegar a precisar se envolver.

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Em 1970, Brasil tinha uma ditadura mais repressiva que a da URSS, afirma estudo da CIA https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/#respond Fri, 17 Jan 2020 22:35:10 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/880px-golpe_de_1964-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=355 Comentando sobre a ausência de questões no Enem sobre a ditadura militar, o ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou hoje que é um tema “polêmico” e “não há pacificação sobre o que aconteceu”. Ele não explicitou qual é a polêmica exatamente, mas o fato é que a ditadura brasileira é tão “polêmica” para o resto do mundo quanto o Genocídio Armênio é “polêmico” fora da Turquia.

Vamos trazer um exemplo que não podia ser menos de esquerda: a CIA. Essa mesma, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. A fonte pública da CIA afirma que o que, há 50 anos, o Brasil não só era uma ditadura, quanto extremamente repressiva. De fato, mais que a União Soviética ou Cuba na mesma época.

O diretor atual do Estudo explica por que, mas primeiro vamos ao estudo em si.

Usado pela agência e também referência para o próprio governo americano, o estudo Polity, atualmente na versão 4, teve início nos anos 1960, pelo trabalho do falecido cientista político Ted Robert Gurr (1936-2017), da Universidade de Maryland. Ele classifica o tipo de regime dos países do mundo. O trabalho de Gurr foi bancado pela CIA e a versão atual é feita pela ONG Center for Systemic Peace (“Centro para Paz Sistêmica”), criada e patrocinada pela Political Instability Task Force (“Força-tarefa da Instabilidade Política”), fundada também pela CIA, em 1994.

O Polity dá uma nota entre -10 e 10, de absoluta ditadura a absoluta democracia. Ou, pelos termos do estudo:  democracia (6-10), anocracia aberta (1-5), anocracia fechada (-1 a -5) e autocracia (-6 a -10). Anocracia querendo dizer um regime híbrido, nem democracia, nem ditadura total. Em sua última edição, cobrindo até 2013, o Brasil levava uma nota 8 e a Venezuela, 4.

Nos tempos da ditadura, entre o AI-2 e a abertura de Geisel, o Brasil tem uma nota -9. O que quer dizer autocracia absoluta, a mesma nota da União Soviética no fim do regime Stalin e da China durante a Revolução Cultural.

Gráfico Polity IV do Brasil
O gráfico do Brasil mostra uma democracia em queda, a ditadura e a abertura (Reprodução)

Na mesma época, a União Soviética levava -7:

Polity IV Russia
O gráfico da Rússia mostra uma ligeira melhora após a morte de Stalin, em 1953 (Reprodução)

Assim como Cuba:

Polity IV Cuba
Relatório de Cuba mostra a ditadura atual e a anterior, de Fulgéncio Batista (Reprodução)

Os únicos a ganhar -10 são a Coreia do Norte e o Haiti de Baby Doc Duvalier.

O Polity IV não conta mortes, mas a situação política de um país. E, em seu relatório, usa o termo “ditadura militar” para explicar o tipo de regime brasileiro, sem qualificação adicional. Monty G. Marshall, diretor atual do Centro para Paz Sistêmica, explica as razões para a nota tão baixa: “[O estudo] Polity não mede especificamente repressão, mas ele nota a coerção em determinar política pública ou limitar competição política. Em geral, ditaduras militares são semelhantes a Estados hegemônicos de partido único. Elas via de regra têm um sistema se auto-seleção para o Executivo ou autoridade designada para o Executivo”. A ditadura brasileira confirmava seus generais no Congresso, mas qual seria o “candidato” marcado para ganhar era escolhidos em decisão interna da cúpula militar. Quanto à comparação com a União Soviética, é a de uma ditadura ativa para uma que já havia sido pacificada. “O grau de repressão nas autocracias é uma função da intensidade do dissenso entre ativistas de oposição, no lugar de uma forma específica de autoridade executiva. Repressão sempre é aplicada por forças de seguranças leais em resposta a provocações reais ou percebidas. Autocracias podem evitar repressão aberta quando os elementos da sociedade civil se mantém obedientes ou inativos.”

Sobre a questão eleitoral da ditadura, a de que havia um sistema com um partido de oposição permitido e eleições regulares – geralmente levantada por seus apoiadores para negar seu status de ditadura – Monty diz que é irrelevante: “É a intenção do sistema de classificação Polity garantir que pseudo ‘democracias’recebam nota de acordo com suas práticas, não suas ‘fachadas’. Muitos regimes personalistas e de partido único tentam aumentar as percepções de legitimidade por procedimentos eleitorais que são controlados pelo regime. Desde a queda do comunismo soviético, essas ‘fachadas democráticas’ foram entendidas por autocratas como uma farsa necessária para abrandar a crítica internacional. Mas essa expectativa de penduricalhos democráticos parece estar retrocedendo em anos recentes.”

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Onde estarão ‘golfinhos assassinos comunistas’ do Irã? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/#respond Fri, 10 Jan 2020 22:49:51 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Parc_Asterix_22-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=345 Com esse nome mesmo, “golfinhos assassinos comunistas”: a notícia saiu no site miltary.com, passou a tabloides britânicos e está se espalhando. O Irã poderia ser portador de uma arma secreta: golfinhos da ex-URSS treinados para matar. Matar horrivelmente.

As notícias são especulativas. Mas golfinhos assassinos comunistas – e capitalistas – têm uma história que merece ser contada e involve o Irã. Há razões para acreditar que o país possa ter seus golfinhos assassinos… jihadistas? Khomeinistas?

Golfinhos militares são reais. Eles existem há mais de 5 décadas. Em 1960, a marinha dos EUA capturou golfinhos para um estudo sobre hidrodinâmica, a ser usado em novos modelos de torpedos. Rapidamente, os cientistas notaram como eram extremamente amigáveis e dispostos a aprender. Assim, em 1962, um segundo programa foi começado, para testar as capacidades militares dos animais. Não só golfinhos de diversas espécies, como belugas, orcas e leões-marinhos foram testados. No final, leões-marinhos e golfinhos nariz-de-garrafa foram escolhidos, num programa que foi empregado nas guerras do Vietnã, do Golfo e do Iraque.

Nós não somos um animal marinho; eles são. Golfinhos são imensamente superiores a humanos embaixo d’água. Eles se orientam por ecolocalização, “vendo” no escuro ou em águas turvas. Com isso, conseguem achar objetos e, principalmente, pessoas com uma facilidade muito maior que qualquer equipamento ou mergulhador. Nas ações da Marinha dos EUA, eles disparam boias localizadoras próximas a minas aquáticas ou objetos perdidos no mar, ou prendem sinalizadores em mergulhadores inimigos, por meio de uma suave narigada. Os “soldados” voltam para avisar seu treinador e ganham um peixe. E para por aí: quem mata, se precisar, são humanos, que jogam granadas submarinas contra o mergulhador.

Os americanos afirmam jamais ter pesquisado o uso letal de mamíferos marinhos. Dizem que não conseguem diferenciar civis de militares, nem amigos de inimigos. Mas dissidentes, como o ex-treinador da Marinha Michael Greenwood, que fez sua denúncia em 1977, afirmam que houve, sim, pesquisas de armas letais, que incluíram tentar criar golfinhos kamikaze.

Nessas denúncias, uma arma particularmente escabrosa: uma agulha ligada a um tubo de gás carbônico comprimido, perfurando o torso do inimigo humano numa narigada. O gás faria o mergulhar inflado boiar até a superfície sem controle. Na prática, seria menos Looney Tunes e mais Faces da Morte. “Eles iriam para a superfície”, afirmou o conservacionista Doug Cartlidge, consultor da Sociedade Europeia de Cetáceos, em entrevista para a ukdiving.com. “Claro que iriam. Mas seria com suas tripas saindo por ambas as pontas.”

Carlidge afirma ter visitado nos anos 90 o que restara do programa soviético, na Ucrânia, numa base em Sevastópol, Crimeia. Ele descreveu o golfinho assassino soviético como algo mais sofisticado que o americano de décadas antes. Ele encaixaria um localizador no inimigo, como fazem os americanos, mas esse localizador também teria a ampola de gás comprimido. Primeiro os marinheiros tentariam capturar o inimigo vivo. Apenas se não o encontrassem ativariam o sistema letal. Doug acredita também que os EUA têm um programa letal secreto, do qual nem os próprios treinadores não letais da Marinha fazem ideia.

Com a queda do regime soviético, no fim de 1991, o programa sobreviveu até 2000. A Ucrânia o retomou em 2012, diante das tensões crescentes com a Rússia e, ironia, perdeu a Crimeia, com a base, para a Rússia em 2014. A Rússia herdou os golfinhos e afirma ter uma versão “de ataque”, capaz de operações letais.

O que tem o Irã com isso? Voltemos a 2000: quando o programa foi encerrado, a Ucrânia vendeu os golfinhos para o Irã, o que foi reportado pela BBC à época. Com eles foram seu treinador, Boris Zhurid, que disse então que ira com eles “Para Alá ou para o Diabo, desde que estejam bem”. Como um golfinho-nariz-de-garrafa pode viver até 50 anos ou mais, os mesmos animais dos tempos soviéticos poderiam ainda estar vivos. Ou novos podem ter sido treinados.

O problema dessa teoria é: onde estarão eles? Nunca mais se ouviu falar dos golfinhos soviéticos ou de seu treinador. Não é exatamente fácil esconder grandes piscinas e animais levados a mar aberto. O E o Irã costuma alardear seus avanços militares, que servem de deterrentes para uma invasão ocidental. Em março passado, o país inclusive proibiu aquários com mamíferos marinhos, afirmando ser uma forma de abuso animal.

Se houver mesmo os golfinhos iranianos, e se houver mesmo guerra, podem encontrar seus pares americanos no Golfo Pérsico. O que aconteceria então?

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Eleições não fazem uma democracia: os muitos golpes da Ditadura https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/#respond Fri, 15 Nov 2019 22:23:31 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/vote-3676577_1280-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=280 presidente Jair Bolsonaro acaba de dizer que não existiu ditadura no Brasil. Em suas palavras: “você tinha direito de ir e vir, você tinha liberdade de expressão, você… votava”.

Liberdade de expressão num regime com censura prévia é negacionismo. Direito de ir e vir num país com os 5 mil exilados, a maioria sem condenação formal, é discutível. Se o regime não gostasse de você, era o direito de voltar para ser preso e torturado.

Mas eleições havia. Cinco delas: 1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. Todas permitiram oposição. Entre as denúncias contra o regime militar, não está a mera fraude eleitoral massiva, como no Império e na República Velha. As urnas não mentiam. E mesmo Emílio Garrastazu Médici, indicado por uma junta militar (mais adiante), exigiu que o Congresso fosse reaberto para “elegê-lo”. O regime não terminou por revolução, mas pela eleição presidencial de uma chapa opositora, dentro de suas próprias regras.

E, ainda assim, foi ditadura. Do começo ao fim. Mesmo nos seus momentos mais “brandos”.

A NULIDADE DO VOTO

O Brasil nem de longe está sozinho em ter tido eleições sem democracia. Para instituições que absolutamente não podem ser acusadas de esquerdismo, como a Freedom House (ONG criada pela primeira-dama americana Eleanor Roosevelt) e o Projeto Polity IV (criado pela CIA), eleições formais dizem pouco. Ambos chamam o regime militar brasileiro de “ditadura militar” sem qualquer cerimônia. Inclusive o Polity IV a classifica como mais repressiva que URSS na época do AI-5 (fica para outro dia). 

Se você concluir que eleições bastam para definir uma democracia, então o Iraque de Saddam Hussein era uma democracia. Em 16 de outubro de 2002, ele foi confirmado num plebiscito no qual atingiu 100% dos votos. A União Soviética de Stalin realizou eleições em 1937 e 1950, permitindo independentes. Foi uma armadilha para pegar quem se levantasse para se candidatar, e também medir a força dos burocratas locais, punidos quando o PCUS não vencia em seu soviete.

Há um exemplo contemporâneo: a China tem um regime multipartidário. Oficialmente, o país se declara uma democracia. Das 2.980 cadeiras no Congresso Nacional do Povo, 2.119 são do Partido Comunista da China (71%). O resto se divide entre outros 8 partidos formalmente reconhecidos. E 470 independentes.

Mas ninguém compra essa “democracia”: os partidos formalmente reconhecem a primazia do Partido Comunista da China. Políticos problemáticos têm suas candidaturas cassadas.  

As eleições da ditadura não eram iguais às da China. A oposição não era aliada. Mas há uma semelhança: era um regime que consentia uma opção eleitoral que não podia mudar nada.

ROUBANDO NO PRÓPRIO JOGO

O regime começou por limar a oposição que o incomodava: foram 41 deputados cassados no AI-1, proclamado 8 dias depois do golpe, e 168 ao longo de regime. Entre os que perderam os direitos políticos estava gente como Juscelino Kubitschek, que de esquerdista não tinha nada, mas venceria facilmente qualquer general numa eleição limpa. 

O golpe de 1964 foi só o primeiro dos vários golpes da ditadura. Dá para listar ao menos mais seis:

  1. Em 1965, veio o AI-2, impedindo a eleição direta para presidente e dissolvendo todos os partidos, forçando-os a se reunir em dois: Arena, Aliança Renovadora Nacional, o partido da Ditadura; e MDB, Movimento Democrático Brasileiro, a oposição que não havia sido posta na ilegalidade.
  2. Em 7 de dezembro de 1966, veio o AI-4, obrigando esse Congresso mutilado e sob supervisão militar a fazer uma nova Constituição ao gosto do regime.
  3. Em 13 de dezembro de 1968, veio o famoso AI-5, que suspendeu as garantias dessa própria Constituição, fechando o Congresso, criando censura prévia e permitindo prisões sem acusação formal.
  4. Em 31 de agosto de 1969, seria a vez da junta militar. O ditador (como se chama um presidente ilegítimo de uma ditadura?) Costa e Silva teve um acidente vascular cerebral e, no lugar de assumir seu vice, o civil Pedro Aleixo, como previa a Constituição dos próprios militares, tomaram o poder os três ministros das Forças Armadas, criando uma junta militar que proibiu a expressão “junta militar”. Imporiam o general Emílio Garrastazu Médici como sucessor.
  5. e 6. A Lei Falcão e o Pacote de Abril.

Esses dois últimos seriam no período Geisel, o ditador que começou a “abertura gradual”.  Nas eleições de 1970, tempos do AI-5, da vitória na Copa, do milagre econômico e do “Ame-o ou Deixe-o”, a Arena havia feito 223 cadeiras contra 87 do MDB. Todos os senadores eleitos, exceto os da Guanabara (um vestígio do antigo Distrito Federal, unificada com o Rio em 1975) eram da Arena. Na eleição seguinte, um susto: em 1974, os brasileiros de 16 dos 22 estados decidiram por candidatos da oposição no Senado – só não obtiveram maioria porque os mandatos são de 8 anos e o Senado, como ainda hoje, renovava alternadamente um terço e dois terços de suas cadeiras a cada eleição. Nas eleições de 1974, foi só um terço. No Congresso, a situação foi menos dramática: 203 versus 161. Ainda assim um avanço ameaçador.

Os militares entraram em pânico. E vieram os dois “golpinhos” já citados: a Lei Falcão é de 1/6/1976 e o Pacote de Abril, de 13/4/1977. 

Os militares mudaram as regras do jogo para a próxima partida. Pela Lei Falcão, candidatos foram basicamente proibidos de falar na TV. A lei limitava a propaganda eleitoral a uma foto do candidato com número – até mesmo jingles com letra eram proibidos. Supostamente feita para equalizar as chances entre candidatos ricos e pobres; na prática, foi um jeito de calar qualquer discussão política. O Pacote de Abril foi mais explícito: garantiu ao presidente apontar um terço do senado – os retrofuturisticamente apelidados “senadores biônicos”.

Em A Ditadura Encurralada, Elio Gaspari relata traz o relato de um político da Arena com o Geisel: “disse que o general lhes pedira que se mobilizassem para a campanha eleitoral, pois queria ‘vencer e aumentar o percentual democrático, evitando a possibilidade de uma ditadura’. Tradução: se o governo perdesse, corria-se o risco de uma virada de mesa. Corolário: para quem quiser virar a mesa, será melhor perder a eleição do que ganhá-la”.

Isto é, os próprios militares diziam que, se não dessem um golpe brando, dariam um golpe duro. Enfim, era um regime que fazia um jogo eleitoral no qual não podia perder. Como a China. Como a União Soviética. Como Cuba.

SEM UM ESTRONDO, COM UM GRUNHIDO

Nas eleições de 1978, o Senado, contando biônicos e mandatos começados em 1974, terminou com 42 para a Arena e 25 para o MDB. No Congresso, o avanço do MDB não foi totalmente contido pela Lei Falcão: 189 do MDB versus 231 da Arena. 

Sob o sucessor de Geisel, João Figueiredo, a “abertura gradual” levou à Lei de Anistia em 1979, e o fim do bipartidarismo em 1980. Em 1982, o governo militar aceitou se expor a eleições mais ou menos competitivas. O agora Partido Democrático Social, como não sem certa ironia decidiu se rebatizar a Arena, ganhou 49% dos assentos (234 de 479), com o resto dividido entre as novas legendas. 

A ditadura teria eleito seu último candidato não fosse uma traição. Dois anos depois, a imensa pressão do movimento Diretas Já, além de desavenças internas com a indicação de Paulo Maluf (último candidato do regime que prometeu limpar o Brasil) e uma proposta para estender o mandato do general Figueiredo (isto é, mais um golpe ainda), levou a um racha no partido do regime, formando o Partido da Frente Liberal (hoje Democratas).

A criação do PFL, tomando votos do PDS, e algumas abstenções do próprio PDS, levariam à eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney em 15 de janeiro de 1985, com 480 votos (72,4%), contra 180 (27,3%).

E, desta vez, sem apoio das classes civis que os alçaram ao poder, e não sem novas ameaças de golpe da linha dura, os militares aceitaram seu destino. Como último gesto, Figueiredo recusou-se a passar a faixa a Sarney. Famosamente declarou: “Que o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”.

E saiu pelos fundos do Palácio do Planalto.

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Operação Cabralzinho: quando Jânio Quadros quis tomar a Guiana Francesa https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/30/janio-quadros-invasao-guiana-francesa/#respond Fri, 30 Aug 2019 11:00:44 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/jenio-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=211 58 anos após sua renúncia por conta de “forças terríveis”, Jânio Quadros segue sendo uma zebra na história do Brasil. O mesmo presidente que, em seus meros 8 meses na cadeira, começou proibindo biquínis em concursos de miss, condecoraria com a maior honraria nacional, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ninguém menos que Che Guevara. Ninguém sabia então, mas, enquanto apertava a mão do revolucionário, estava em curso sua obra-prima, a  que teria feito todas suas outras ações parecerem sensatas: uma guerra com a França. (E uma real, não troca de ameaças por crustáceos.)

A revelação veio do governador do então Território Federal do Amapá José Francisco de Moura Cavalcanti (1925-1994). Ele não fora eleito, mas apontado por Jânio para o cargo. Cavalcanti disse que, em 3 de agosto de 1961, o presidente o recebeu em Brasília. Começou por dizer que havia um problema em seu território: reservas de manganês do Amapá estavam sendo contrabandeadas e vendidas ilegalmente no porto de Caiena, Guiana Francesa.

(O manganês é um metal usado principalmente em amálgamas de aço inoxidável e não é precioso: vale mais ou menos o mesmo que chumbo.)

Segundo o relato de Moura Cavalcanti, dado pouco antes de sua morte ao jornalista Geneton Moraes Neto, ele lembrava palavra por palavra o que ouvira então:

– Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa! A proposito: eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso…

Não está no relato, mas é de se imaginar que, até esse instante, o governador estivesse esperando tomar um pito do presidente. No Lugar, Jânio deixou isto:

– Por que não anexarmos a Guiana Francesa ao território brasileiro?

Como num desenho animado, Moura Cavalcanti passou a andar em círculos na sala, dizendo: “Não! Não! Não!”. Jânio mandou sentar e passou um telex (telegrama por telefone) a, quem acreditava o governador, era o chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E deu sua justificativa:

– Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo!

O plano de Jânio era enviar 2500 combatentes por meio de picadas pela Amazônia e, com apoio naval, dominar o pequeno contingente militar francês no território. O nome, Operação Cabralzinho, era em homenagem ao general Francisco Xavier da Veiga Cabral, que, em 1895, repelira uma invasão francesa ao Amapá.

Moura Cavalcanti se convenceu e jurou fidelidade ao plano. Voltou para o Amapá, ordenou o começo da construção das picadas, chegou a andar de helicóptero para avaliar a situação tática.

O plano é basicamente o mesmo que os generais argentinos tinham quando tentaram tomar do Reino Unido as Ilhas Malvinas (ou Falklands) em 1982. Como Jânio, não imaginavam seu rival europeu reagiria fulminantemente por um território que, acreditavam, via como insignificante. A operação estava em andamento (ao menos da parte de Moura Cavalcanti) quando aconteceu a renúncia, em 25 de agosto de 1961.

Perguntado por Geneton Moraes Neto sobre se poderia dar certo, afirmou que não só iria funcionar, como os franceses ficariam gratos:

– Poderia! (…) E seria aceito pela França! A base francesa tinha um coronel que vivia bêbado. Era um batalhão de elite, que foi para dentro da selva. A gente via que eles tinham desejo que aquilo acontecesse.

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Brasil contra França: a Guerra da Lagosta https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/29/guerra-lagosta/#respond Thu, 29 Aug 2019 18:58:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/1280px-Reef1069_-_Flickr_-_NOAA_Photo_Library-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=204 O nome é sarcástico: não chegou a ser exatamente uma guerra. Mas quase foi. Entre 1961 e 1963, Brasil e França se mobilizaram militarmente por conta de crustáceos.

Começou em março de 1961, quando navios de pesca franceses atravessaram o Atlântico saídos da Mauritânia rumo à costa nordeste do Brasil. Eles tinha autorização para fazer “pesquisa”, não científica, mas avaliar o potencial comercial. Mas os pescadores brasileiros se incomodaram com a concorrência desleal de navios franceses maiores e mais modernos que os deles, tirando lagostas do fundo pelo método do arrastão, proibido no Brasil. Exigiram providências. A licença dos franceses foi cancelada.

Em novembro do mesmo ano, a França pediu autorização novamente. Navios que os brasileiros consideravam ilegais passaram a ser apreendidos – mas logo soltos, sem maiores consequências. Pelos anos seguintes, os países entraram num debate surreal sobre a natureza da lagosta.

Pelas convenções de Genebra sobre o direito marinho, de 1958 – que nenhum dos países havia assinado, mas usaram para guiar suas ações –, um país tem direitos exclusivos da exploração de sua plataforma continental. Isto é, a extensão do continente, o planalto submerso próximo da costa, que termina no abismo que leva ao oceano profundo. Por exemplo, um país não pode explorar petróleo sem autorização na plataforma de outro. Mas pesca era um caso complicado: a convenção não proíbe o uso internacional do que entre a plataforma e a superfície – isto é, os peixes. Assim determinou que da plataforma faziam parte “os organismos vivos que pertencem às espécies sedentárias, isto é (…), imóveis sobre o leito do mar ou abaixo do leito do mar, ou são incapazes de se deslocar a não ser mantendo constante contato físico com a água”.

Lagostas vivem no fundo do mar, não na coluna d’água. Mas os franceses argumentaram que, como não são presas ao fundo, como podem saltar do solo, elas não estavam incluídas na lei – deviam ser consideradas como peixes. Isso levou ao comandante da Marinha Paulo de Castro Moreira da Silva a se sair com: “se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.

Guerra da Lagosta
Porta-aviões Minas Gerais e um B-17 americano, 1963 (Foto: Marinha Brasileira)

Em 1963, a situação esquentou: ao final de janeiro, enquanto continuavam negociações entre os países, três pesqueiros franceses foram capturados pela Marinha. Sob a ameaça dos brasileiros de apreender qualquer navio, a França decidiu enviar um destróier para o Brasil, em 21 de fevereiro, que se postou imediatamente além da plataforma continental. O Brasil respondeu mobilizando um grande contingente da Marinha e Força Aérea, numa literal preparação para guerra. Durante a crise, os EUA tentaram intervir, avisando os brasileiros que as licenças para o equipamento americano usado pelos brasileiros – como os bombardeiros B-17 vistosamente fotografados então – não permitiam usá-los contra adversários. Ironicamente, os franceses acusavam o Brasil de estar fazendo o jogo das empresas americanas envolvidas na pesca da lagosta (que compravam dos pescadores brasileiros).

Em 10 de março, os franceses retiraram seus navios. Mas continuou no ar a possibilidade de guerra. Antes que a situação fosse concluída, veio o golpe militar – e há quem veja relação, como o historiador Túlio Muniz, autor de A “Guerra da Lagosta” , o “Dispositivo Pós-Colonial” e o Golpe de 1964. Muniz vê a mobilização nacionalista antifrancesa como uma chance de os militares demonstrarem sua popularidade, em oposição ao presidente João Goulart, visto como fraco em sua tentativa conciliadora. E seria na ditadura, em 10 de dezembro de 1964, que Brasil e França chegariam a uma solução, um acordo permitindo a exploração de lagosta por navios franceses, em quantidade e tempo limitados, repartindo seus lucros.

Com isso, o Brasil não ganharia o privilégio de figurar no rol dos confrontos (de verdade, com mortos) mais estúpidos da história, que incluem a Guerra do Futebol, a Guerra do Banquinho Dourado e a Batalha de Karánsebes.

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‘Corredor da Morte’ da Alemanha deu origem a uma imensa reserva ambiental involuntária https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/#respond Fri, 16 Aug 2019 20:28:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/CinturaoVerdeAlemanha2-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=164 É uma memória distante mesmo para quem viveu, mas, entre derrota nazista, em 1945, e a reunificação, em 1990, existiram duas Alemanhas. Conforme combinado entre Stalin e os aliados ocidentais, o país foi divido em 4 zonas de influência: soviética, americana, francesa e britânica, ocupadas pelo respectivo exército. A área soviética se tornou a República Democrática da Alemanha, mais conhecida por Alemanha Oriental, regime marxista de partido único. As outras três, a República Federal da Alemanha, ou Ocidental, a democracia liberal capitalista.

Entre essas duas, havia a Fronteira Interna Alemã – informalmente, Corredor da Morte, um cordão de isolamento formado por cercas eletrificadas e com alarmes, muros, torres de vigilância, campos minados, armadilhas para carros e pessoas. Ela surgiu 16 anos antes do Muro de Berlim, de 1961 – esse isolava a parte capitalista da antiga capital, também decidida na divisão, que se tornou um enclave na Alemanha comunista.

Cinturão Verde da Alemanha
Em verde, a Fronteira Interna das Alemanhas (Wikimedia Commons)

Por quatro décadas, qualquer ser humano que ousasse se aproximar da Fronteira Interna tinha grandes chances de nunca mais sair de lá. O isolamento era uma faixa de 500 m até 1 km do lado oriental, e, por segurança, não lei, ao menos 100 metros na ocidental. Isso que fez de uma linha de 1.400 km entre as duas Alemanhas um território livre de humanos. E, com isso, “a natureza essencialmente ganhou um feriado de 40 anos”, como definiu o ambientalista Kai Frobel à rede de TV alemã Deutsche Welle.

Cinturão Verde da Alemanha
Remanescente da cerca que dividia as Alemanhas, no Cinturão Verde (foto: Jurgen Skaa/Flickr/CC)

Frobel é considerado o pai do Cinturão Verde, um projeto de preservação da ONG Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (“Federação Alemã pelo Ambiente e Conservação da Natureza”). Desde sua fundação, em 1975, a Bund, como é chamada pelos alemães, passou a observar, a uma distância segura, de binóculos, como a natureza reagia à ausência humana na fronteira entre os dois mundos.

Reagia bem. No Cinturão Verde, mais de 1.200 espécies consideradas em risco encontram moradia em seus 109 habitats diferentes.

O cinturão não é um parque contínuo. Existem múltiplas áreas preservadas ao longo da antiga fronteira, mas 200 km dos 1.400 km totais são interrompidos por fazendas, estradas e outras obras. O projeto, que conta com a colaboração do governo alemão, é ir ligando essas áreas comprando terras e conseguindo acordos com governos locais. E existe um plano, ainda bem mais ambicioso, de criar o Cinturão Verde Europeu, ocupando toda a fronteira da antiga Cortina de Ferro, uma linha de 12.500 km passando por 24 países.

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5 fatos que provam que Charles Manson era um assassino calculista, não um hippie lunático https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/5-fatos-charles-manson-nao-hippie/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/5-fatos-charles-manson-nao-hippie/#respond Thu, 08 Aug 2019 17:52:47 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/Manson1-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=146 Na madrugada de 8 para 9 de agosto de 1969, um grupo de três jovens – Tex Watson, Susan Atkins e Patricia Krenwinkel (com Linda Kasabian como espia, na rua), invadiu o casarão em 10050 Cielo Drive, Los Angeles. Eram membros da Família Manson, um grupo supostamente hippie comandado por Charles Manson, que acreditavam ser a reencarnação de Jesus. A tiros e facadas, foram massacrados os 5 ocupantes da casa, incluindo quem se tornaria o símbolo do massacre, a atriz Sharon Tate, grávida de 8 meses e meio, esposa do diretor Roman Polanski, que estava fora, filmando na Europa.

O líder não ficou feliz com a atuação, que achou bagunçada. Na noite seguinte, comandou pessoalmente o assassinato do casal Leno e Rosemary LaBianca, em outro local da cidade. Nenhuma das vítimas tinha qualquer relação com o líder ou ninguém mais da seita.

Charles Manson acabaria entrando para a cultura popular como uma figura maligna, mas com algo de folclórico. Um símbolo das ideias exóticas da era hippie, um desvio macabro da contracultura dos anos 1960. Dizia que Helter Skelter, música dos Beatles do Álbum Branco, do ano anterior, era um anúncio guerra de raças que viria – os negros venceriam, mas os brancos se esconderiam no subsolo para reemergirem como elfos de luz e tomarem seu lugar. Ele tentara uma carreira musical, mas acabara recusado por um produtor importante. Assim, num ato de vingança, ele ordenou os assassinatos contra a casa do produtor, que não morava mais lá. Como forma de incitar a tal guerra racial, deixaram mensagens em sangue para fazer a polícia acreditar que o crime era dos Panteras Negras: “pig” (porco), escrito com o sangue de Sharon Tate, era como eles se referiam aos policiais (e “political pig”, aos brancos conservadores). O nome da guerra, Helter Skelter, também foi pintado.

Em outras palavras, um bicho-grilo fora desse mundo, que cometeu um ato aleatório por excesso de drogas e ideias exóticas da geração hippie.

Charles Manson em 1968
Charles Manson fotografado em passagem pela polícia não relacionada, mais de um ano antes dos assassinatos (California Department of Corrections and Rehabilitation)

1. MANSON FEZ DA SEITA UM NEGÓCIO

Manson não era da geração de seus seguidores. Nascido em 1934, sua vida havia sido uma catástrofe, de abuso e negligência na infância a passagens pelo reformatório na adolescência e múltiplos crimes, principalmente roubo, na vida adulta. Havia passado por um casamento arruinado, que incluiu um filho, em 1955. Entre suas diversas passagens pela polícia, havia sido diagnosticado como sociopata manipulativo, com um QI ligeiramente acima da média (100), 109. Em 1967, quando saiu de sua segunda prisão, havia passado mais da metade de seus 32 anos atrás das grades. E encontrou um mundo de efervescência jovem pronta para ser abusada. Criou sua seita – baseada em sexo “livre” comandado por ele. Recrutava mulheres em situação vulnerável, até 18 anos mais jovens que ele, prometendo liberação espiritual, e ordenando-as a fazer sexo para conquistar os poucos membros homens ou conseguir amizades e outros favores, incluindo pagar o aluguel. Em outras palavras, a seita era um negócio baseado em abuso psicológico e sexual, que serviria para catapultar seu plano narcisista para ser idolatrado por multidões: o estrelato no rock.

2. O CRIME NÃO FOI UM ENGANO

Foi oferecendo o “serviço” de sua seita que Manson se tornou amigo do baterista dos Beach Boys, Dennis Wilson – e arrancou um bocado de dinheiro dele, inclusive para tratamento de gonorreia, que acometeu eles e o resto da seita. Wilson o apresentou à indústria musical, incluindo o produtor Terry Melcher, e chegou a colocar uma música sua, sem crédito e altamente modificada, num álbum dos Beach Boys: Never Learn Not to Love, baseada em Cease to Exist, de Manson. Isso azedou a relação, mas antes ambos haviam frequentado a casa de Melcher, a fatídica residência em 10050 Cielo Drive. Em janeiro de 1969, recomendado por sua mãe a se afastar de Manson, Melcher se mudara, cedendo lugar à Roman Polanski e Sharon Tate. Assim, o líder da seita sabia muito bem que Melcher não morava mais lá: ele não só visitava sua casa pessoalmente, como manteve contato após a mudança, até a confirmação da recusa de qualquer possibilidade na indústria musical por Melcher, em junho. O assassinato foi ordenado contra o imóvel que tinha certa simbologia para ele, mas não pessoalmente aos ocupantes. Não uma vingança, mas um ato terrorista.

3. A GUERRA RACIAL É UMA IDEIA EXÓTICA

Um ato terrorista com uma causa conhecida. Durante seu julgamento, em 1971, Mason apareceu com um X cortado a faca na testa. Depois, completou com os braços de uma suástica, que permaneceu lá até o fim de sua vida. Foi visto como parte de sua maluquice. Mas Manson sabia o que queria dizer quando falava em guerra racial, ideia não inventada por ele e repetida ainda hoje por supremacistas brancos. Na cadeia, recusava-se a interagir com prisioneiros negros, falava gírias racistas o tempo todo e acabou se juntando à Irmandade Ariana. “Charles Manson foi um dos mais virulentos racistas que já andaram no planeta”, afirmou Jeff Guinn, autor de Manson: A Biografia, em entrevista à Newsweek. Segundo Guinn, é preciso esquecer a ideia de uma orgia de destruição movida por drogas, quando o ato de Mason é um precursor dos cometidos por terroristas supremacistas brancos atuais.

4. A SEITA E SEU LÍDER JÁ HAVIAM MATADO

Também foi um ato que não veio do nada. Mason alegou a vida toda que os crimes foram uma loucura isolada de seus seguidores, sem relação com ele próprio. Mas ele havia cometido mais de um crime violento. Em maio de 1969, havia atirado pessoalmente no traficante Bernard Crowe, deixado a cena acreditando-o por morto. Crow sobreviveu, potencialmente para testemunhar. Dois meses depois, ordenou o sequestro do amigo da seita Gary Hinman, que foi mantido de refém por três dias, sob tortura, com Manson chegando a cortar sua orelha. Manson queria dinheiro, mas como Hinman não entregou nada – depois se descobriria que tinha US$ 33 em sua conta bancária – o líder ordenou sua execução, levada a cabo pelo ex-ator infantil e ex-roomate de Hinman, Bobby Beausoleil. Uma figura conhecida de Hollywood. O que nos leva à….

5. O CRIME PODE TER SIDO O ACOBERTAMENTO DE OUTRO

Como fariam depois, os membros da seita escreveram “porco político” na parede, tentando incriminar os negros pela morte de Hinman. Não funcionou: Beausoleil acabou preso pelo crime, meros três dias antes do ataque à casa em Cielo Drive. Um ator de Hollywood assassino certamente chamaria a atenção indesejada – e poderia acusar a seita. Foi nessa situação que Mason ordenou os ataques, um crime de alto impacto midiático para ocupar a polícia e a mídia com algo mais urgente, potencialmente ampliado pelo escândalo racial. Poderia ter dado certo: dias depois do crime, a polícia invadiu o Rancho Spahn, onde a seita morava, sob uma acusação de roubo de veículos. Na hora, ficou por isso mesmo. Em 26 de agosto, Donald Shea, funcionário do rancho, que achavam tê-los dedurado, foi morto. Em outubro, finalmente, os membros da seita foram presos – por roubo de veículos. Só então a investigação começou a ligar os pontos entre os múltiplos assassinatos, levando à condenação de Manson, Watson, Atkins, Kerwinkle, mais Leslie van Houten, envolvida no crime do casal LaBianca (Linda Kasabian colaborou com a defesa e foi solta). Susan Atkins morreria na cadeia em 2009 e Mason, em 2017. Os demais continuam cumprindo prisão perpétua.

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Presidente dos EUA tinha um discurso pronto caso a Apollo 11 terminasse em tragédia – leia aqui https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/18/discurso-nixon-morte-astronautas-apollo11/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/18/discurso-nixon-morte-astronautas-apollo11/#respond Thu, 18 Jul 2019 22:36:32 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/Apollo-11-1-300x215.jpg http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=47 Quando Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins entraram subiram o elevador, cruzaram o pontilhão e entraram na cabine, em 16 de julho de 1969, sabiam os riscos que corriam. O mesmo módulo de comando já havia matado os três astronautas da Apollo 1, Gus Grissom, Edward White e Roger Chaffee, menos de dois anos antes, em 27 de janeiro de 1967. Eles sequer decolaram: morreram em terra, num treinamento corriqueiro, quando um incêndio incontrolável no interior do módulo carbonizou seus corpos em minutos.

A Apollo 11 corria o risco de terminar de um jeito bem mais desolador. Nos 30 anos da missão, em 1999, William Safire, porta-voz da então presidente Richard Nixon, descreveu a situação em seus sombrios detalhes: “Na época, o maior risco para a missão lunar era levar aquele módulo de volta para o alto, na órbita em torno da Lua, e então juntá-lo à nave de comando”, disse, em entrevista à rede de televisão NBC. “Mas, se eles não conseguissem – e havia um bom risco que não conseguissem –então teriam que ser abandonados na Lua. Deixados para morrer ali. O controle da missão teria então que, usando seu eufemismo, ‘fechar a comunicação’ . E os homens teriam então que morrer de fome ou cometer suicídio.”

Buzz Aldrin caminhando
Buzz Aldrin caminhando com equipamento na missão Apollo 11 (Foto: Nasa)

Também estava no plano alertar as viúvas e chamar um capelão para uma cerimônia de enterro simbólico. A história de que carregavam pílulas de cianeto para o suicídio, como os líderes nazistas, é lenda urbana; se chegasse o pior, o plano, como revelaria Buzz Aldrin em entrevistas, era simplesmente abrir uma válvula e deixar o ar sair. Confirmada a tragédia, caberia ao presidente Richard Nixon anunciá-la ao mundo.

Safire foi responsável pela carta, que foi mantida secreta até 1999, quando o repórter do jornal L.A. Times Jim Mann encontrou-a perdida no Arquivo Nacional dos EUA. Eis o que o mundo ouviria:

O destino determinou que os homens que foram à Lua para explorá-la em paz nela permanecerão para descansar em paz.

Esses bravos homens, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, sabem que não há esperança para seu resgate. Mas eles também sabem que há esperança para a humanidade em seu sacrifício.

Esses dois homens estão deixando suas vidas para o mais nobre objetivo da humanidade: a busca pela verdade e pela compreensão.

Estarão em luto por eles suas famílias e amigos. Estará em luto por eles sua nação. Estarão em luto por eles as pessoas do mundo. Estará em luto por eles a Mãe Terra que enviou dois de seus filhos rumo ao desconhecido.

Em sua exploração, eles instigaram as pessoas do mundo a se sentirem como uma só; em seu sacrifício, eles unem com mais firmeza a irmandade do homem.

Na Antiguidade, o homem olhava para as estrelas e via seus heróis nas constelações. Hoje, fazemos o mesmo, mas nossos heróis são homens épicos de carne e osso.

Outros seguirão, e certamente encontrarão seu caminho para casa. A busca do homem não será interrompida. Mas esses homens foram os primeiros, e eles permanecerão em primeiro lugar em nossos corações.

Pois todo ser humano que olhar para a Lua nas noites que virão saberá que há um canto em outro mundo que será sempre humanidade.

Leia o original em inglês aqui.

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