Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Sedução dos Inocentes: a cruzada contra os quadrinhos dos anos 1950 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/07/frederick-wertham-cruzada-quadrinhos/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/07/frederick-wertham-cruzada-quadrinhos/#respond Sat, 07 Sep 2019 21:20:04 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/rainbowbatman-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=235 Mesmo quem não é muito ligado em quadrinhos talvez tenha ouvido falar na Era de Ouro (1938-1956) e na Era de Prata (1956-1970). A primeira é quando surgiram os grandes clássicos como Superman, Batman, Capitão Marvel (Shazam), Capitão América e Mulher Maravilha, e uma vasta produção em gêneros fora super-heróis, como crime, terror e ficção científica.A segunda, ainda que tenha rendido o Homem-Aranha, o Homem de Ferro e basicamente toda a gansa dos ovos de ouro da Marvel, é, vamos dizer assim… a era do quadrinho bobinho. Ingênuo, pra ser mais generoso. As histórias são extremamente infantilizadas e os vilões, inofensivos e caricatos ao ponto do ridículo. A (intencionalmente hilária) série de TV do Batman de 1966 retrata bem esse espírito (e demonstra que há o que se gostar nessa era).

O que nem todo mundo sabe é que há um nome por trás disso: Frederic Wertham, o psiquiatra que moveu, em nome das crianças, uma cruzada contra os quadrinhos. E venceu.

Frederic Wertham
Frederic Wertham e seu arquirrival (foto: US Library of Congress)

Wertham não era religioso nem particularmente conservador para sua época: até comprar essa briga, era famoso por atender de graça pacientes negros pobres em sua Clínica Lafargue, no Harlem, Nova York, que operou entre 1946 e 1958. Era uma época em que a maioria dos psiquiatras brancos sequer recebiam os negros e Wertham também se tornaria uma voz importante na era dos Direitos Civis, como autoridade científica contra a psiquiatria racista.

HERÓIS SÃO OS VILÕES

Mas ele tinha outras preocupações, e uma delas era a delinquência juvenil no pós-guerra – uma percepção comum, a “Juventude Transviada” encarnada por James Dean. E, nisso, acreditou achar seus culpados: Batman e Mulher Maravilha.

Em 1954, ele lançou o livro Seduction of the Innocent (“A Sedução dos Inocentes”, nunca chegou ao Brasil), um guia ilustrado de como quadrinhos eram brutais e pervertidos, e estavam destruindo a juventude. Incluía também testemunhos de delinquentes juvenis que (eureca!) gostavam de quadrinhos.

Foi uma sensação imediata e deu início a um movimento nacional contra os quadrinhos. No mesmo ano, Wertham seria convidado a falar ao Congresso americano, participando do Subcomitê Sobre a Delinquência Juvenil. Lá explicou sua teoria, mostrando imagens gráficas de violência – particularmente incomodado por um quadrinho mostrando alguém prestes ter seu olho furado – e também “demonstrando”, entre outras coisas, que Batman e Robin eram um casal gay e a Mulher Maravilha, por sua independência e força, só podia ser lésbica.

Batman 1952
Batman e Robin em quadrinho pré-código, de 1952 (Reprodução)

Estava em jogo mais que preconceito. Wertham falava enquanto um psiquiatra, no tempo em que a homossexualidade era classificada como doença mental. Estava dizendo aos pais que quadrinhos deixavam seus filhos “doentes”.

O Congresso e os pais compraram a versão de Wertham e, sob ameaça não muito velada de leis de censura, as próprias editoras se moveram para criar a autocensura: o Comics Code. Um selinho dado pela Comics Code Authority, um comitê de censores que determinava se uma revista estava de acordo com as regras. Dizia, entre outras coisas:

  1. Não se pode demonstrar simpatia pelo criminoso nem promover desconfiança das autoridades;
  2. Policiais, juízes e oficiais do governo não podem ser retratados de forma negativa;
  3. O bem sempre deve triunfar sobre o mal
  4. Violência deve ser limitada;
  5. Nenhum título pode usar as palavras “horror” e “terror”;
  6. Zumbis, tortura, vampiros e lobisomens são proibidos;
  7. Nudez de qualquer forma é proibida;
  8. Relações sexuais ilícitas não podem ser mostradas ou sugeridas;
  9. Perversões e “anomalias sexuais” são proibidas;
  10. Profanidade, obscenidade, vulgaridade e linguajar chulo é inaceitável;
  11. Figuras não podem ser vestidas de forma ofensiva ou contrária ao bom gosto e à moral.

Na prática, os censores da CCA faziam o que queriam. Num caso que terminou na justiça, exigiram dos autores da ficção científica Judgment Day (1956) mudarem seu protagonista, um astronauta negro, para branco, como condição para a aprovação.

Não havia nenhuma lei exigindo o selo da CCA, mas a maioria dos distribuidores só aceitava vender quadrinhos com ele. Servindo, assim, como a “polícia” a impor o código. Várias editoras, especializadas em estilos impossíveis de adaptar, como terror ou crime, fecharam. Das grandes, só as que distribuíam quadrinhos da Disney – uma “autoridade” maior ainda – não se importaram com o selo.

Mas a cultura deu suas voltas. No anos 1960, não usar o selinho se tornou motivo de orgulho para os produtores das underground comix (“kuadrinhos underground”), cena da qual emergiriam, entre outros, Robert Crumb e Trina Robins, que seria a primeira mulher a desenhar a Mulher Maravilha. A produção underground era baseada em editoras nanicas ou paga do próprio bolso.

Diante do claro mercado para quadrinhos adultos, as editoras pressionaram e, em 1971, o código foi bastante relaxado, permitindo, entre outras coisas, retratar policiais corruptos (desde que não fosse a regra), mostrar bandidos de forma simpática, e retratar monstros de terror. A partir daí, as brigas da CCA se focaram na ilustração do consumo de drogas.

Aos poucos, o selo foi caducando, perdendo sua importância. Com um público adulto crescente, os distribuidores deixaram de exigi-lo. A Marvel abandonou em 2001 e a DC, em 2011, quando a CCA foi fechada de vez.

Quanto a Wertham, tentou uma cruzada contra a TV, mas essa não colou. Algo ironicamente, em 1973, se encantou pelas fanzines – que podem ser a casa de quadrinhos bem extremos. Escreveu The World of Fanzines: A Special Form of Communication (“O Mundo das Fanzines: Uma Forma Especial de Comunicação”) . Chegou a ser convocado para convenções de quadrinhos, mas, por motivos óbvios, não foi recebido de forma exatamente calorosa. Morreria em 1981, aos 86 anos.

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‘Corredor da Morte’ da Alemanha deu origem a uma imensa reserva ambiental involuntária https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/16/cinturao-verde-alemanha/#respond Fri, 16 Aug 2019 20:28:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/CinturaoVerdeAlemanha2-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=164 É uma memória distante mesmo para quem viveu, mas, entre derrota nazista, em 1945, e a reunificação, em 1990, existiram duas Alemanhas. Conforme combinado entre Stalin e os aliados ocidentais, o país foi divido em 4 zonas de influência: soviética, americana, francesa e britânica, ocupadas pelo respectivo exército. A área soviética se tornou a República Democrática da Alemanha, mais conhecida por Alemanha Oriental, regime marxista de partido único. As outras três, a República Federal da Alemanha, ou Ocidental, a democracia liberal capitalista.

Entre essas duas, havia a Fronteira Interna Alemã – informalmente, Corredor da Morte, um cordão de isolamento formado por cercas eletrificadas e com alarmes, muros, torres de vigilância, campos minados, armadilhas para carros e pessoas. Ela surgiu 16 anos antes do Muro de Berlim, de 1961 – esse isolava a parte capitalista da antiga capital, também decidida na divisão, que se tornou um enclave na Alemanha comunista.

Cinturão Verde da Alemanha
Em verde, a Fronteira Interna das Alemanhas (Wikimedia Commons)

Por quatro décadas, qualquer ser humano que ousasse se aproximar da Fronteira Interna tinha grandes chances de nunca mais sair de lá. O isolamento era uma faixa de 500 m até 1 km do lado oriental, e, por segurança, não lei, ao menos 100 metros na ocidental. Isso que fez de uma linha de 1.400 km entre as duas Alemanhas um território livre de humanos. E, com isso, “a natureza essencialmente ganhou um feriado de 40 anos”, como definiu o ambientalista Kai Frobel à rede de TV alemã Deutsche Welle.

Cinturão Verde da Alemanha
Remanescente da cerca que dividia as Alemanhas, no Cinturão Verde (foto: Jurgen Skaa/Flickr/CC)

Frobel é considerado o pai do Cinturão Verde, um projeto de preservação da ONG Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (“Federação Alemã pelo Ambiente e Conservação da Natureza”). Desde sua fundação, em 1975, a Bund, como é chamada pelos alemães, passou a observar, a uma distância segura, de binóculos, como a natureza reagia à ausência humana na fronteira entre os dois mundos.

Reagia bem. No Cinturão Verde, mais de 1.200 espécies consideradas em risco encontram moradia em seus 109 habitats diferentes.

O cinturão não é um parque contínuo. Existem múltiplas áreas preservadas ao longo da antiga fronteira, mas 200 km dos 1.400 km totais são interrompidos por fazendas, estradas e outras obras. O projeto, que conta com a colaboração do governo alemão, é ir ligando essas áreas comprando terras e conseguindo acordos com governos locais. E existe um plano, ainda bem mais ambicioso, de criar o Cinturão Verde Europeu, ocupando toda a fronteira da antiga Cortina de Ferro, uma linha de 12.500 km passando por 24 países.

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Capitalismo ou comunismo? Há 60 anos, líder da URSS e vice dos EUA debatiam qual é o melhor – numa cozinha https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/24/debate-da-cozinha/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/24/debate-da-cozinha/#respond Wed, 24 Jul 2019 05:00:25 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/kitchen-300x215.png http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=76 1959 deve ter sido o ano em que Guerra Fria pareceu mais próxima de terminar. Se as potências ainda estavam em corrida armamentista nuclear e tentando limitar as áreas de influência do rival, a ascensão do moderado (se irascível) Nikita Khrushchev como premiê soviético, formalizada no ano anterior, parecia apontar um caminho para a paz. Khrushchev, mantendo-se firme em sua convicção socialista, também parecia convicto que as duas potências poderiam conviver como rivais amigáveis – até que o sistema soviético se provasse superior e os EUA, cedo ou mais tarde, tivessem sua própria revolução.

Os americanos, então sob a presidência do (também moderado) Dwight Eisenhower, se mostraram abertos à ideia. Foi assim que ambos os países concordaram com um pequeno e breve enclave do rival em seu território: uma exposição nacional mútua, no modelo das então famosas exposições mundiais. Em junho de 1959, a versão soviética abriu em Nova York. No mês seguinte, era a vez da americana abrir em Moscou. Para isso, o vice-presidente Richard Nixon foi enviado à Rússia. E a inauguração transformou-se num debate a ser traduzido e transmitido nos dois países.

Em 24 de junho de 1959, Nixon e Krushchev se encontraram diante de uma cozinha americana, equipada com os mais modernos eletrodomésticos e conveniências. E ali, diante de uma lava-louça e detergentes, se dispuseram a provar qual sistema era superior. E continuaram num debate mais formal num estúdio de TV.

A conversa, quase monopolizada por Khrushchev, sob protestos de Nixon, teria partes exaltadas e algumas bravatas pouco realistas. Mas foi amigável. Diplomaticamente, o que ficaria conhecido por Kitchen Debate (“Debate da Cozinha”) seria um sucesso: em 15 de setembro, Khrushchev se tornava o primeiro premiê soviético a pisar nos EUA.

A relação começaria a azedar com a Revolução Cubana, no fim do mesmo ano. Que acabaria levando a influência soviética perto demais para o conforto dos EUA, que tentaram derrubar o regime na desastrada operação da Baía dos Porcos. Assim, três anos depois, a Crise dos Mísseis, causada pela instalação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba, deixaria o mundo à beira da aniquilação nuclear.

A seguir, um resumo (ainda assim longo) com recortes interessantes da conversa e edições para melhor compreensão.

(Duas versões ligeiramente diferentes dos originais podem ser lidas aqui e aqui). 

PARTE 1: NA EXPOSIÇÃO

[Os dois entram na cozinha da exposição americana]

Nixon: Eu quero te mostrar esta cozinha. É como as das nossas casas na Califórnia. [Aponta para uma lava-louças.]

Khrushchev: Nós temos essas coisas!

Nixon: Esse é o nosso mais novo modelo. O tipo que é construído em milhares de unidades para instalação direta nas casas. Nos Estados Unidos, gostamos de facilitar a vida das mulheres…

Khrushchev (interrompe): Sua atitude capitalista para com as mulheres não existe no comunismo!

Nixon: Acredito que essa atitude em relação às mulheres é universal. O que nós queremos é tornar a vida mais fácil para nossas donas de casa…

[…]

Nixon: Esta casa pode ser comprada por US $ 14.000 e a maioria dos americanos pode comprar uma casa na faixa de US$ 10.000 a US$ 15.000. Deixe-me dar um exemplo que você pode apreciar: nossos metalúrgicos da indústria do aço que, como vocês sabem, agora estão em greve. Qualquer metalúrgico poderia comprar esta casa. Eles ganham US$ 3 por hora. Esta casa custa cerca de US$ 100 por mês para adquirir num contrato de 25 a 30 anos.

Khrushchev: Temos metalúrgicos e camponeses que podem gastar US$ 14.000 numa casa! Suas casas americanas são construídas para durar apenas 20 anos, para que os construtores possam vender novas no final. Nós construímos com solidez. Nós construímos para nossos filhos e netos!

Nixon: Casas americanas duram mais de 20 anos, mas, mesmo assim, depois de vinte, muitos americanos querem uma nova casa ou uma nova cozinha. Sua cozinha fica obsoleta após tanto tempo… O sistema americano é projetado para tirar proveito de novas invenções e novas técnicas.

Khrushchev: Esta teoria não se sustenta. Algumas coisas nunca ficam obsoletas – casas, por exemplo, e móveis. Utilidades domésticas, talvez, mas não casas. Eu li muito sobre americanos e casas americanas, e não acho que essa exposição que você faz é estritamente precisa…

Nixon: Bem, hum …

Khrushchev: Espero não ter te insultado…

Nixon: Eu sou insultado por especialistas! Tudo o que dizemos é [num espírito de] bom humor. Fale tudo francamente!

Khrushchev: Os americanos criaram sua própria imagem do homem soviético. Mas ele não é como vocês imaginam. Acham que o povo russo ficará embasbacado de ver essas coisas, mas o  fato é que as casas russas recém-construídas têm todo esse equipamento hoje.

Nixon: Sim, mas …

Khrushchev: Na Rússia, tudo que você precisa fazer para conseguir uma casa é nascer na União Soviética. Você tem direito à moradia … Na América, se você não tem um dólar, [não] tem o direito de escolher entre dormir em uma casa ou na calçada. No entanto, você diz que somos escravos do comunismo!

Nixon: Eu aprecio que você é muito articulado e enérgico …

Khrushchev: Enérgico não é a mesma coisa que sábio.

Nixon: Se você estivesse no Senado, nós chamaríamos você de filibusteiro [alguém que fica falando sem parar para impedir uma votação]! Você domina toda a conversa e não deixa ninguém falar. Esta exposição não foi projetada para embasbacar, mas para criar interesse. Diversidade, o direito de escolher, o fato de termos mil construtores construindo mil casas diferentes é o mais importante. Nós não temos um modelo decidido pelo funcionário mais alto do governo. Essa é a diferença!

Khrushchev: Sobre política, nunca vamos concordar com você… [Mas] Por exemplo, Mikoyan gosta de sopa muito apimentada. Eu não. Mas isso não significa que não nos damos bem.

Nixon: Vocês podem aprender conosco e nós podemos aprender com vocês. Deve haver um livre intercâmbio! Deixem as pessoas escolherem o tipo de casa, o tipo de sopa, o tipo de ideias que elas querem!

PARTE 2: NO ESTÚDIO

Khrushchev: (…) Desejamos aos Estados Unidos o melhor para mostrar seus bens, produtos e habilidades… grandes habilidades, e teremos prazer em olhar e aprender. Não só vamos aprender, mas também podemos mostrar – e vamos mostrar – o que fazemos. Isso contribuirá para melhorar as relações entre nossos países – e entre todos os países – para garantir a paz mundial. (…) Há quanto tempo existe a América? São 300 anos? (…) A América existe há 150 anos e aqui está o seu nível. Nós existimos por quase 42 anos e em outros 7 estaremos no mesmo nível da América. Depois seguiremos em frente. Quando cruzarmos com eles pelo caminho, vamos cumprimentá-los amigavelmente, assim! [acena] Então, se vocês quiserem, podemos parar e convidá-los a seguir conosco! (…)

Nixon: (…) Os comentários de Khrushchev agora… eles estão na tradição que aprendemos a esperar dele falando de maneira intempestiva e franca sempre que tem uma chance. E fico feliz que ele tenha feito isso em nossa televisão colorida, em um momento como este. (…) Isso, Sr. Khrushchev é uma das criações mais avançadas em comunicação que temos! (…) Só posso dizer que, se esta competição que você assim descreveu tão eficazmente, na qual você planeja nos ultrapassar, especialmente na produção de bens de consumo, se essa competição é o melhor para o nosso povo e para pessoas em todos os lugares, deve haver um livre intercâmbio de idéias. Existem alguns casos em que você pode estar à frente de nós, por exemplo, no desenvolvimento de seus foguetes para a exploração do espaço sideral. Pode haver outras áreas, como na televisão em cores, onde estamos à sua frente. Para que nossos dois povos façam isso. . .

Khrushchev (interrompendo): O que você quer dizer com na frente?! Não! Nunca! Nós derrotamos você em foguetes e, nessa tecnologia [comunicações], estamos à sua frente também!

Nixon: Espere até ver a imagem.

Khrushchev: Bom! (…) Engenheiros soviéticos ficaram impressionados com o que viram. Também me uno à admiração de nossos engenheiros soviéticos. O fato de os americanos serem pessoas inteligentes é algo no que sempre acreditamos e soubemos, porque pessoas estúpidas não poderiam elevar a economia ao nível que alcançaram. Mas nós também não somos tolos (…). Em 42 anos, demos esse passo! Somos parceiros dignos! Então vamos competir! Vamos competir! O que pode produzir a maioria das mercadorias para as pessoas: esse sistema é melhor e vai vencer!

[Mais conversa sobre comunicação]

Nixon: Você não deve ter medo de idéias!

Khrushchev: Nós estamos dizendo a você: não tenha medo de ideias! Não temos nada a temer! Nós já superamos isso [nota: provável referência ao período Stalin] e agora não tememos ideias!

(…)

Khrushchev: você é um advogado do capitalismo, eu sou um advogado comunista! Então vamos competir!

Nixon: Tudo que pode dizer, pela forma como você fala e como domina a conversa, [é que] você daria um ótimo advogado! O que quero dizer é: aqui você vê o tipo de fita que vai transmitir esta conversa e isso mostra as possibilidades de aumentar a comunicação. E esse aumento na comunicação vai nos ensinar algumas coisas, e algumas coisas a você também. Porque, afinal, você não sabe de tudo!

Khrushchev: Se eu não sei tudo, você não sabe nada sobre comunismo, exceto pelo medo! (…) Me dê sua palavra, vice-presidente, me dê sua palavra que minha fala vai ser também gravada em inglês. Vai ser?

Nixon: Certamente será! E, na mesma moeda, tudo o que eu disser será gravado e traduzido e transmitido por toda União Soviética. É um bom negócio.

[Apertam as mãos]

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Quantos Stalin matou? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/22/quanto-stalin-matou/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/22/quanto-stalin-matou/#respond Mon, 22 Jul 2019 22:15:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/stalin-300x215.png http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=62 Livros ainda serão escritos sobre como o número de pessoas mortas por um premiê soviético se tornou tema de disputa política no Brasil. Se você perguntar à internet brasileira, a resposta varia entre “pouco” e “100 milhões” ou mais.

Mas este é um caso peculiar em que, se a mesma pergunta for feita a historiadores profissionais, a resposta será quase tão discrepante quanto. Os neostalinistas (raros no Ocidente, em ascensão na Rússia) vão falar em menos de 100 mil, e relativizar mesmo esses números. Do outro lado, já se falou em até 110 milhões – pelo escritor e historiador dissidente Alexander Soljenítsin, em 1975, logo após ser expulso da União Soviética.

Um número assim não é levado mais a sério hoje em dia. Mas foi bastante circulado durante a Guerra Fria, quando acadêmicos ocidentais confiavam no testemunho e estatísticas produzidas por dissidentes. Por exemplo, o historiador americano Rudolph Rummel, em 1990, publicou sua estimativa de 51,5 milhões de mortes no período Stalin.

Após a queda do regime soviético, em 1991, os arquivos da inteligência soviética foram abertos e os historiadores puderam finalmente contar com números oficiais. E esses números acabaram parecendo modestos em comparação. São eles:

  1. Execuções políticas (1929-1953): 777.975
  2. Mortes nos gulags (campos de trabalhos forçados): entre 1,5 e 1,7 milhões
  3. Mortos no reassentamento dos kulaks (proprietários de terras): 389.521
  4. Mortos em outros reassentamentos: 309.521
  5. Mortos na Grande Fome da Ucrânia (Holodomor): mínimo 1,8 milhões, máximo 6,7 milhões (pesquisa pelo historiador australiano Stephen G. Wheatcroft; já se chegou a falar até em 20 milhões).

Total: 3,2 – 9,9 milhões.

Em sua forma bruta, esses números não são aceitos por ninguém. Entre outras coisas, está em disputa se a fome da Ucrânia foi mesmo uma política deliberada de extermínio por Stalin, com o governo do país adotando como posição oficial que foi um genocídio. Historiadores variam entre concordar ou considerar o desastre resultado da coletivização agrícola de Stalin e/ou também problemas climáticos. Neostalinistas não só descontam o Holodomor, como afirmam que as mortes nos Gulags foram naturais em sua maioria e que os números de execuções listados pela NKVD foram inflados. Mais comum é ir na direção oposta, argumentando que os números oficiais certamente ficam aquém da realidade, com execuções e mortes nos gulags subnotificadas.

Noves fora, no que pode ser considerado mainstream hoje, Stalin foi responsável pela morte de algo entre 9 milhões (Oleg Khlevniuk, da Universidade de Moscou, uma das maiores autoridades da Rússia atual) a 20 milhões ou mais (o historiador britânico Simon Sebag Montefiore, autor das recentes biografias de Stalin e Lenin). Na média, 15 milhões é um número frequentemente citado.

Sejam 3, 9, 15 ou 20 os milhões de Stalin são menos do que se ouve por ai, mas ainda muita, muita gente. E, já que ninguém vai resistir à tentação de comparar com Hitler, o número desse fica entre 10 milhões e 25 milhões. Mas isso não conta a Segunda Guerra na Europa, que ele causou, e custou mais uns 35 milhões, pelo menos.

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