Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 1932 não teve revolução; teve guerra civil https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/1932-nao-teve-revolucao-teve-guerra-civil/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/1932-nao-teve-revolucao-teve-guerra-civil/#respond Thu, 09 Jul 2020 19:21:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/1932-2.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=565 O Brasil celebra hoje, 9 de julho, os 88 anos de um evento insólito: uma revolução que perdeu. E, por isso, não revolucionou nada.

A Guerra Civil de 1932 pretendia ser uma revolução. E não tinha nada de separatista. O plano era invadir o Rio de Janeiro para derrubar Getúlio Vargas, com a principal justificativa de estabelecer a democracia. A movimentação envolvia interesses da elite cafeeira e um bairrismo paulista meio esquecido, o do “povo bandeirante” que se acreditava fundador do Brasil e se sentia humilhado por uma série de interventores (governadores não eleitos) de outros estados, impostos pelo governo provisório que vinha desde 24 de outubro de 1930 prometendo justamente a democracia.

A revolta paulista não conseguiu o apoio de outros estados (crucialmente Minas Gerais), como esperavam seus líderes. Foi parada militarmente sem cruzar a fronteira com o Rio, invasão planejada para começar pela cidade de Resende, e se tornou uma causa perdida logo na primeira semana. Em 2 de outubro de 1932, os paulistas se renderam.

Em 3 de maio de 1933, os brasileiros foram convocados a eleger uma Assembleia Constituinte – exatamente no dia que já estava previsto antes da guerra começar. E essa Constituição, promulgada em junho de 1934, duraria pouco mais de 3 anos, até o autogolpe do Estado Novo impor uma carta de inspiração fascista – e aí não teve guerra nenhuma. Mesmo se é verdade que a Constituição só saiu mesmo por causa de 1932, mantido o status quo e com a constituinte partindo do governo provisório no Rio, seria no máximo uma “Pressão Constitucionalista”.

PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO

Nossa esquisitice está no dicionário: no Michaelis, brasileiro, “revolução” pode ser sinônimo de mera revolta ou sublevação. No Priberam, português, só num sentido figurado. Mais para: “Menino, seu quarto está uma revolução!”.

A “Revolução” Constitucionalista tem precedentes na história brasileira. No Rio Grande do Sul, tem duas: a Farroupilha (1835 a 1845) e a Federalista (1895). Por outro lado, a “Guerra de Canudos” raramente é chamada de Revolução. A impressão é que os líderes serem ricos e influentes, terminando anistiados, determina o título histórico, mais que a natureza do movimento. Que “revolução” não descreve a natureza do movimento, mas serve de prêmio de consolação aos revoltosos, em nome da pacificação nacional.

São Paulo ganhou um baita prêmio de consolação, aliás. Usa como símbolo do estado a bandeira rebelde. que na verdade era uma proposta não aprovada de bandeira do Brasil. A Farroupilha também pode ser chamada de Guerra dos Farrapos, mas o nome “Guerra Paulista”, comum nos anos que se seguiram, raramente é usado. São Paulo é possivelmente (não conferi uma por uma) a única capital sem um logradouro central chamado Getúlio Vargas, como uma Avenida ou Praça Presidente Getúlio Vargas. No lugar disso, duas de suas maiores avenidas são a 23 de maio (dia da morte dos estudantes Mario Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antonio Camargo de Andrade, que deram origem à sigla M.M.D.C., movimento pela guerra) e 9 de julho (começo da guerra).

Os tempos são outros. A impressão é que acabou a era do “deixa disso”, a conciliação a qualquer custo que fazia com que o brasileiro visse a si próprio como criatura apolítica. Quem sabe seja a hora de darmos nome aos bois e chamar 1932 e outros eventos como o que foram: guerra civis. O Brasil as teve. E quem sabe essa conversa de brasileiro apolítico tenha sido mesmo um grande mito desde sempre. Não só 1932, mas as mudanças ilegais de regime em 1889, 1930, 1937 e 1964 estão aí de prova.

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É verdade que poloneses atacaram tanques com cavalos na Segunda Guerra? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/e-verdade-que-poloneses-atacaram-tanques-com-cavalos-na-segunda-guerra/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/e-verdade-que-poloneses-atacaram-tanques-com-cavalos-na-segunda-guerra/#respond Tue, 03 Sep 2019 21:02:24 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/1081px-Winter_Horse_Face_Portrait-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=223 Não. Mas atacaram alemães com cavalos. Foi um sucesso.

A imagem meio quixotesca, meio ignóbil de poloneses enviando cavaleiros contra tanques, pra bater com suas espadas contra a blindagem, foi uma invenção da propaganda nazista, inspirada em estereótipos nos quais o polonês figura em piadas de gente estúpida e atrasada (“Quantos poloneses precisa pra trocar uma lâmpada? Três: um segura a lâmpada, dois giram a escada”). Inspirada numa história real, na qual eles foram os perdedores.

O que realmente aconteceu é que, no exato primeiro dia da guerra, ao fim da tarde, o 18o Regimento de Ulanos (cavalaria leve) viu uma oportunidade perto da vila de Krojanty. Um grupo de infantaria alemã descansava desavisado numa clareira. Não havia blindados nem ninhos de metralhadoras à vista, o que fazia daquilo um conflito pré-Primeira Guerra. A carga começou às 19h.

Ulano polonês
Ulano polonês em 1938 (Foto: Domínio Público)

Uma carga de cavalaria não é algo a ser subestimado. Um grupo de homens montados em alta velocidade, cortando seus companheiros a torto e direito com sabres – e também atirando sem dar chance – é algo aterrorizador. Um choque moral garantido, que funcionou então como havia funcionado por toda a história: os alemães saíram correndo para a floresta.

Teria sido pior para os alemães se os cavaleiros poloneses não fossem surpreendidos por um grupo de blindados leves que estava próximo. Não tentaram nada, bateram em retirada. E, ainda assim, para se ter uma ideia do poder de metralhadoras contra cavalos, um terço da tropa foi eliminada, inclusive o comandante, Eugeniusz Świeściak.

Mas não foi em vão: o ataque atrasou os alemães o suficiente para a infantaria polonesa conseguir se retirar em segurança.

Hussardo polonês
Hussardo polonês, considerado a mais eficiente cavalaria de sua época, em quadro de 1810 (Aleksander Orlowski/Domínio Público)

No dia seguinte, correspondentes alemães vieram a campo e viram cavalos e cavaleiros poloneses mortos, ao lado de tanques alemães, que haviam chegado depois da batalha. Assim nasceria a lenda.

CAVALOS EM AÇÃO

Mas há alguns detalhes que ficam fora da história: os poloneses portavam, de seus cavalos, fuzis antitanque, capazes de penetrar a blindagem dos tanques alemães ainda primitivos usados em 1939. Também estavam em processo de mecanização – os poloneses tinham 210 tanques no começo da guerra. Nem de perto o suficiente para fazer frente aos 2750 dos alemães, mas não era um exército napoleônico, enfim.

Por fim, algo que você nunca viu em filmes: cavalos fizeram parte da Segunda Guerra. Eram usados principalmente para puxar peças de artilharia, mas também para observação. A Alemanha mesma usou 2,75 milhões deles ao longo guerra (a União Soviética empregaria outros 3,5 milhões). Inclusive estavam lá na invasão da Polônia:

Cavaleiros alemães na invasão da Polônia
Alemães montados na Polônia, 1o de setembro de 1939 (Foto: Bundesarchiv)

A última carga de cavalaria bem-sucedida seria na Segunda Guerra. Foi em 1o de março de 1945, na vila de Schoenfeld. Uma posição de artilharia antitanque alemã foi destruída por ninguém menos que os poloneses – o que certamente dá um sabor especial à história toda.

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Quantos Stalin matou? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/22/quanto-stalin-matou/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/07/22/quanto-stalin-matou/#respond Mon, 22 Jul 2019 22:15:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/stalin-300x215.png http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=62 Livros ainda serão escritos sobre como o número de pessoas mortas por um premiê soviético se tornou tema de disputa política no Brasil. Se você perguntar à internet brasileira, a resposta varia entre “pouco” e “100 milhões” ou mais.

Mas este é um caso peculiar em que, se a mesma pergunta for feita a historiadores profissionais, a resposta será quase tão discrepante quanto. Os neostalinistas (raros no Ocidente, em ascensão na Rússia) vão falar em menos de 100 mil, e relativizar mesmo esses números. Do outro lado, já se falou em até 110 milhões – pelo escritor e historiador dissidente Alexander Soljenítsin, em 1975, logo após ser expulso da União Soviética.

Um número assim não é levado mais a sério hoje em dia. Mas foi bastante circulado durante a Guerra Fria, quando acadêmicos ocidentais confiavam no testemunho e estatísticas produzidas por dissidentes. Por exemplo, o historiador americano Rudolph Rummel, em 1990, publicou sua estimativa de 51,5 milhões de mortes no período Stalin.

Após a queda do regime soviético, em 1991, os arquivos da inteligência soviética foram abertos e os historiadores puderam finalmente contar com números oficiais. E esses números acabaram parecendo modestos em comparação. São eles:

  1. Execuções políticas (1929-1953): 777.975
  2. Mortes nos gulags (campos de trabalhos forçados): entre 1,5 e 1,7 milhões
  3. Mortos no reassentamento dos kulaks (proprietários de terras): 389.521
  4. Mortos em outros reassentamentos: 309.521
  5. Mortos na Grande Fome da Ucrânia (Holodomor): mínimo 1,8 milhões, máximo 6,7 milhões (pesquisa pelo historiador australiano Stephen G. Wheatcroft; já se chegou a falar até em 20 milhões).

Total: 3,2 – 9,9 milhões.

Em sua forma bruta, esses números não são aceitos por ninguém. Entre outras coisas, está em disputa se a fome da Ucrânia foi mesmo uma política deliberada de extermínio por Stalin, com o governo do país adotando como posição oficial que foi um genocídio. Historiadores variam entre concordar ou considerar o desastre resultado da coletivização agrícola de Stalin e/ou também problemas climáticos. Neostalinistas não só descontam o Holodomor, como afirmam que as mortes nos Gulags foram naturais em sua maioria e que os números de execuções listados pela NKVD foram inflados. Mais comum é ir na direção oposta, argumentando que os números oficiais certamente ficam aquém da realidade, com execuções e mortes nos gulags subnotificadas.

Noves fora, no que pode ser considerado mainstream hoje, Stalin foi responsável pela morte de algo entre 9 milhões (Oleg Khlevniuk, da Universidade de Moscou, uma das maiores autoridades da Rússia atual) a 20 milhões ou mais (o historiador britânico Simon Sebag Montefiore, autor das recentes biografias de Stalin e Lenin). Na média, 15 milhões é um número frequentemente citado.

Sejam 3, 9, 15 ou 20 os milhões de Stalin são menos do que se ouve por ai, mas ainda muita, muita gente. E, já que ninguém vai resistir à tentação de comparar com Hitler, o número desse fica entre 10 milhões e 25 milhões. Mas isso não conta a Segunda Guerra na Europa, que ele causou, e custou mais uns 35 milhões, pelo menos.

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