Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Há 60 anos, cadelas se tornavam as primeiras criaturas a sobreviver ao espaço https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/belka-strelka-cachorras-espaco/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/belka-strelka-cachorras-espaco/#respond Wed, 19 Aug 2020 22:05:47 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/BelkaStrelka-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=601 Em 20 de agosto de 1960, as primeiras criaturas vivas voltavam do espaço… com vida. A famosa cadela Laika, que decolara no Sputink 2, em 3 de novembro de 1957, havia morrido de hiperaquecimento horas após o lançamento, quando a temperatura interna chegou a 43o C. Mesmo sem o calor, não havia qualquer chance para ela, porque sua nave não era nave. Era um satélite, que ficou meses no espaço, se desintegrando na atmosfera só em 14 de abril de 1958.

Quase 3 anos depois, os soviéticos estavam prontos para trazer de volta criaturas vivas. Ou quase: era a segunda tentativa. Na primeira, em 28 de julho de 1960, a nave se desintegrou logo após o lançamento, matando dois outros cachorros, Bars e Lisichka.

Às 8h44 da manhã, a Korabl-Sputnik 2, que ficaria conhecida como Spunik 5 no Ocidente, decolava de um míssil nuclear modificado R-7 Semyorka. No módulo Vostok 1, iam não só as duas cachorras, Belka e Strelka, como 40 camundongos, dois ratos e diversas plantas. Após 5 órbitas, às 6h da manhã do dia seguinte, a nave reentrava na atmosfera, para ser recuperada na Sibéria. Todos os ocupantes estavam vivos.

O surpreendente vem agora. Strelka, de volta ao centro de treinamento, teria um filhote com um cachorro chamado Pushok, que nunca chegou a ser mandado ao espaço. E um dos filhotes, uma cadela batizada de Pushinka, foi dada de presente ao presidente americano John Kennedy pelo premiê soviético. E aceita de coração, apesar da preocupação de agentes de segurança de que a cachorrinha tivesse algum tipo de grampo secreto. Ela teria mais quatro filhotes com um cachorro Chamado Charlie. Eventualmente, com a morte de Kennedy, a família passaria seus cães para amigos. Longe da Casa Branca, a linhagem da cadela espacial soviética segue viva nos EUA.

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O Dia Mundial do Rock não é mundial, nem realmente do rock https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/13/o-dia-mundial-do-rock-nao-e-mundial-nem-do-rock/#respond Mon, 13 Jul 2020 17:00:26 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/roque.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=575 Perdoem tirar o dia para chover na festa dos outros, mas é gatilho em roqueiro velho (pleonasmo?). O Dia Mundial do Rock é uma jabuticaba. Existem jabuticabas deliciosas, mas não consigo ver mcjabuticabas publicitárias (como o Dia dos Namorados) como algo que mereça ser chamado de rock’n’roll.

O Dia Mundial do Rock foi concebido em 13 de julho de 1985, quando o brutal roqueiro Phil Collins, criador dos hits derretedores de cara Invisible Touch e Paradise, no calor do momento de seu show no Live Aid, sugeriu que aquele dia passasse a ser conhecido como “Dia Mundial do Rock”. (Para quem não pegou a referência: Phil Collins era um astro pop vindo do rock progressivo; no máximo podia ser classificado como soft rock.)

O apelo foi solenemente ignorado pelo resto do planeta. Até, anos depois, ser lembrado por executivos das rádios de rock de São Paulo. Nos anos 90, as FMs 89 e 97 passaram a celebrar o “Dia Mundial do Rock” proposto por Phil Collins, numa tentativa de recuperar fãs do gênero que havia sido mainstream por alguns anos da década anterior, mas perdia espaço para o pagode e o sertanejo. Basicamente como o Dia dos Namorados do pai de João Doria, esse feito para vender roupas. Meio que colou. Não muito.

MEGA EVENTO

Fazendo 35 anos hoje, o Live Aid merece uma menção mais extensa que o Dia Mundial (Só No Brasil) do Rock. Foi uma iniciativa para arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia, que, entre 1984 e 1985, matou cerca de 600 mil pessoas. Foram dois megaconcertos acontecendo em Londres e Filadélfia (EUA). Nomes mais que bem estabelecidos, e boa parte já na faixa dos quarenta anos de idade, como os Rolling Stones, Led Zeppelin e Black Sabbath. Alguns mais jovens (e mais pop), como U2, Duran Duran e Madonna. Phil em pessoa, que tinha 34 e começara sua carreira no progressivo Genesis, tinha razão para estar empolgado: havia se apresentado em Londres, pego um voo de Concorde, e fazia outro show no outro continente no mesmo dia.

Infelizmente, o esforço do Live Aid, assistido por 1,5 bilhão de espectadores, rendeu mais às gravadoras que aos etíopes. As músicas dispararam nas pardadas. Mas o dinheiro arrecadado, transferido ao governo Mengistu Haile Mariam, serviu para manter no poder um ditador que seria condenado por genocídio pelas autoridades etíopes em 2007, e segue no exílio até hoje. Mengistu foi acusado de usar de fundos para massacrar sua oposição e a oposição. E uma parte dessa oposição, o grupo guerrilheiro Frente de Libertação do Povo Tigré, também recebeu fundos e o empregou no combate.

Tanto Mengistu quanto a Frente se consideravam marxistas. Em 1990, Mengistu perdeu o apoio da União Soviética, renunciou ao marxismo e tentou reformas de mercado – para ser derrubado pela (também marxista, então adotando o socialismo democrático) Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, que tomou a capital em 27 de maio. Foi o começo da atual democracia etíope.

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1932 não teve revolução; teve guerra civil https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/1932-nao-teve-revolucao-teve-guerra-civil/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/09/1932-nao-teve-revolucao-teve-guerra-civil/#respond Thu, 09 Jul 2020 19:21:35 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/1932-2.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=565 O Brasil celebra hoje, 9 de julho, os 88 anos de um evento insólito: uma revolução que perdeu. E, por isso, não revolucionou nada.

A Guerra Civil de 1932 pretendia ser uma revolução. E não tinha nada de separatista. O plano era invadir o Rio de Janeiro para derrubar Getúlio Vargas, com a principal justificativa de estabelecer a democracia. A movimentação envolvia interesses da elite cafeeira e um bairrismo paulista meio esquecido, o do “povo bandeirante” que se acreditava fundador do Brasil e se sentia humilhado por uma série de interventores (governadores não eleitos) de outros estados, impostos pelo governo provisório que vinha desde 24 de outubro de 1930 prometendo justamente a democracia.

A revolta paulista não conseguiu o apoio de outros estados (crucialmente Minas Gerais), como esperavam seus líderes. Foi parada militarmente sem cruzar a fronteira com o Rio, invasão planejada para começar pela cidade de Resende, e se tornou uma causa perdida logo na primeira semana. Em 2 de outubro de 1932, os paulistas se renderam.

Em 3 de maio de 1933, os brasileiros foram convocados a eleger uma Assembleia Constituinte – exatamente no dia que já estava previsto antes da guerra começar. E essa Constituição, promulgada em junho de 1934, duraria pouco mais de 3 anos, até o autogolpe do Estado Novo impor uma carta de inspiração fascista – e aí não teve guerra nenhuma. Mesmo se é verdade que a Constituição só saiu mesmo por causa de 1932, mantido o status quo e com a constituinte partindo do governo provisório no Rio, seria no máximo uma “Pressão Constitucionalista”.

PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO

Nossa esquisitice está no dicionário: no Michaelis, brasileiro, “revolução” pode ser sinônimo de mera revolta ou sublevação. No Priberam, português, só num sentido figurado. Mais para: “Menino, seu quarto está uma revolução!”.

A “Revolução” Constitucionalista tem precedentes na história brasileira. No Rio Grande do Sul, tem duas: a Farroupilha (1835 a 1845) e a Federalista (1895). Por outro lado, a “Guerra de Canudos” raramente é chamada de Revolução. A impressão é que os líderes serem ricos e influentes, terminando anistiados, determina o título histórico, mais que a natureza do movimento. Que “revolução” não descreve a natureza do movimento, mas serve de prêmio de consolação aos revoltosos, em nome da pacificação nacional.

São Paulo ganhou um baita prêmio de consolação, aliás. Usa como símbolo do estado a bandeira rebelde. que na verdade era uma proposta não aprovada de bandeira do Brasil. A Farroupilha também pode ser chamada de Guerra dos Farrapos, mas o nome “Guerra Paulista”, comum nos anos que se seguiram, raramente é usado. São Paulo é possivelmente (não conferi uma por uma) a única capital sem um logradouro central chamado Getúlio Vargas, como uma Avenida ou Praça Presidente Getúlio Vargas. No lugar disso, duas de suas maiores avenidas são a 23 de maio (dia da morte dos estudantes Mario Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antonio Camargo de Andrade, que deram origem à sigla M.M.D.C., movimento pela guerra) e 9 de julho (começo da guerra).

Os tempos são outros. A impressão é que acabou a era do “deixa disso”, a conciliação a qualquer custo que fazia com que o brasileiro visse a si próprio como criatura apolítica. Quem sabe seja a hora de darmos nome aos bois e chamar 1932 e outros eventos como o que foram: guerra civis. O Brasil as teve. E quem sabe essa conversa de brasileiro apolítico tenha sido mesmo um grande mito desde sempre. Não só 1932, mas as mudanças ilegais de regime em 1889, 1930, 1937 e 1964 estão aí de prova.

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Corrupção nazista: como Hitler comprou os generais https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/corrupcao-nazista-como-hitler-comprou-os-generais/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/corrupcao-nazista-como-hitler-comprou-os-generais/#respond Thu, 25 Jun 2020 14:39:25 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/konto.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=537 A falta de transparência das ditaduras anda de mãos dadas com a corrupção. Para se manter no poder, Hitler corrompeu oficiais graduados das forças armadas.

Aparentemente, nazistas e militares eram um casamento perfeito. Ambos queriam uma vingança contra a humilhação do Tratado de Versalhes, que desarmou a Alemanha após a Primeira Guerra. Com isso, acertar as contas com a inimiga dessa guerra, a França, e expandir o domínio da Alemanha pela Europa e pelo mundo. Ambos queriam uma ditadura militarista. E antissemitismo, se não exatamente um valor central à vida militar alemã, certamente não era impedimento.

Mas as forças armadas alemãs eram conhecidas por ser “um Estado dentro do Estado”. Ninguém menos que Otto von Bismarck, o chanceler considerado fundador da Alemanha Unificada, foi proibido de atender a reuniões do Supremo Conselho de guerra, por ser considerado civil. Os dois últimos anos da Primeira Guerra foram basicamente uma ditadura militar, num golpe silencioso por conta da incompetência que os militares viam no imperador Guilherme II e seu chanceler, Theobald von Bethmann-Hollweg. Era o “duumvirato” do marechal Hindenburg e ggeneral Ludendorff. Hinderbug acabaria por ser o homem a dar o cargo de chanceler a Hitler, em 30 de janeiro de 1933, selando o destino da Alemanha.

Mas, ao final do dia, Hitler continuava a ser um mero cabo plebeu, quando os oficiais graduados vinham da nobreza alemã – classe extinta com o fim da monarquia, mas obviamente na memória de seus membros. Diante de suas atrocidades – em vários casos, mais pelo desperdício de recursos que questão humana – e de sua condução desastrada e intempestiva da guerra, Hitler não pôde contar com a fidelidade incondicional de todos os militares. Antes mesmo de começar a guerra, já havia uma conspiração marcada para dar um golpe militar, a Conspiração Oster, liderada pelo general Hans Oster, que pretendia mater Hitler e restaurar o imperador Guilherme II para impedir que a Alemanha causasse outra guerra mundial. Estava para começar após a invasão da Checoslováquia, que podia precipitar a guerra – e fracassou porque o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, deixou de graça, com Hitler ganhando as notícias como “exímio estadista”.

ENTRA O SUBORNO

Antes da guerra, e mais ainda durante, Hitler passou a molhar a mão dos oficiais com presentinhos como propriedades, carros, vultosos cheques e a liberação de impostos. Havia um fundo secreto para isso, chamado Konto 5 (“Conta 5”), que começou em 150 mil reichsmarks (RM) em 1933 (US$ 901.815,32 em dinheiro de hoje), e terminou em RM 40 milhões em 1945.  Oficiais ganhavam de RM 2 mil a RM 4 mil “por fora”, mais RM 250 mil no aniversário, para um salário de RM 24 mil de um general.

Hitler fazia questão de deixar claro que aquilo não era uma coisa oficial, mas um presente pessoal dele, mais ou menos ilegal, e que podia ser tirada a qualquer instante. Era uma forma de tornar a pessoa cúmplice num acordo desonroso, e dever fidelidade direto ao Fuhrer, não ao Estado. E funcionava: em julho de 1942, quando o marechal de campo Fedor von Bock, comandante de grupos importantes de exército nas invasões da Polônia, França e URSS, foi sacado de sua posição, a primeira coisa que perguntou é se continuaria a receber os cheques. Ao final, Hitler conseguiu prosseguir em sua campanha militar cada dia mais suicida. A tentativa de assassinato que sofreu em 20 de junho de 1942 partiu de uma minoria, e a razão maior era justamente que o país estava perdendo a guerra. Nenhum oficial ativo importante estava envolvido – Erwin Rommel, que seria eventualmente forçado a se suicidar em outubro de 1944, até onde se levantou, sabia do plano e fez vistas grossas, mas sua participação ficou no “apoio moral”.

Militares alemães, como os do resto do mundo, gostavam de se apresentar como uma reserva moral da nação. Mas, com uma generosa dose de suborno, foram dobrados a participar das atrocidades (e participaram, principalmente durante a invasão da URSS) e levar seu país à ruína. As forças armadas alemãs limpinhas, sem envolvimento nos crimes nazistas, é um mito do pós-guerra, de quando oficiais veteranos foram re-recrutados para as Bundeswehr, forças da Alemanha democrática,  em 1955, e os EUA olharam para o outro lado porque os ex (ou “ex”) nazistas eram adversários dos soviéticos.

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75 anos: Mussolini pendurado no posto de gasolina https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/mussolini-cabeca-para-baixo-posto-gasolina/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/mussolini-cabeca-para-baixo-posto-gasolina/#respond Tue, 28 Apr 2020 22:11:48 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Mussolini_e_Petacci_a_Piazzale_Loreto_1945.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=467 A foto é brutalmente simples em sua mensagem: o ditador Benito Mussolini, que prometia ressuscitar o império Romano e se tornou um fantoche de um descendente dos bárbaros, terminava sua carreira pendurado pelos pés, como um porco no açougue.

Mussolini, oficialmente primeiro-ministro, governou a Itália entre 31 de outubro de 1922 e 25 de julho de 1943, quando, após a incursão aliada na Itália, foi deposto e preso. Em 23 de setembro de 1943, os nazistas os tiraram da prisão numa operação secreta. Então foi feito líder da República Social Italiana, também chamada República de Saló, por sua capital, uma pequena vila com esse nome na Lombardia, norte do país. Era a parte da Itália ainda controlada pelos nazistas, na qual aquele que havia inspirado Hitler agora era seu capacho.

O corpo na foto de 28 de abril de 1945 estava irreconhecível. Mas isso foi no pós-morte: ele havia sido deixado na Piazalle Loreto, praça próxima à estação central de Milão, e brutalizado pela multidão, que jogou vegetais, pedras, urinou e chutou os corpos dele e de sua amante, Claretta Petacci. Na madrugada do mesmo dia, havia sido executado a tiros de submetralhadora pelo partisan (membro das resistência) comunista Walter Audisio, após um julgamento sumário, ou, por algumas versões, nem isso: o líder partisan Urbano Lazzaro, que não estava presente na cena, mas a investigou posteriormente, afirmava que simplesmente haviam sido mortos quando Petacci tentou roubar uma arma de um partisan.

Seja lá como Mussolini tenha sido despachado, esse foi só o começo de uma longa e mórbida aventura pós-morte. Às 14h do mesmo dia, os americanos tiraram os corpos do posto de gasolina e os levaram para autópsia. Então, um fotógrafo militar capturou outra imagem, em cores, dos corpos de Mussolini e Petacci posando de braços dados. A foto é brutal demais para publicar sem aviso (e a que ilustra a matéria já é meio demais), então vai via link, clique aqui por conta e risco –dá para ver claramente o estrago na face do ditador. Os americanos testaram o casal para sífilis, que acreditavam poder ter causado sua “loucura”, mas deu negativo. O ditador foi enterrado numa cova não marcada num cemitério da cidade.

Em 21 de abril de 1946, domingo de Páscoa, pouco menos de um ano após sua morte, o corpo de Mussolini foi escavado pelo fascista Domenico Leccisi. E começou uma caçada por seu corpo, mudado de lugar em lugar, até ser “capturado”, em agosto do mesmo ano, num mosteiro Certosa di Pavia, perto de Milão. Faltava uma perna. Dois monges foram acusados de conspirar com o fascista.

O cadáver então movido, secretamente, para outro mosteiro, em Cerro Maggiore, e lá permaneceria até 19 de maio de 1957, quando assumiu como primeiro-ministro italiano o democrata cristão Adone Zoli. Ele havia sido partisan na guerra, mas então ascendera com apoio parlamentar da extrema direita –incluindo nada menos que Leccisi, o exumador, agora senador. Como concessão, o corpo foi devolvido para a família e enterrado em 1º de setembro na vila de Predappio, local de seu nascimento. Até hoje, um mausoléu com símbolos fascistas e uma tumba de pedra marcam ostensivamente o local. Todo dia, até centenas de fascistas convergem para fazer “turismo” na tumba, com 28 de abril marcando o auge.

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Thyphoid Mary: sem ficar doente, ela matou dezenas https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/27/thyphoid-mary-sem-ficar-doente-ela-matou-dezenas/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/27/thyphoid-mary-sem-ficar-doente-ela-matou-dezenas/#respond Fri, 27 Mar 2020 21:44:52 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Mallon-Mary_01.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=412 Seu nome era Mary Mallon e ela era, como muitos milhares, uma imigrante da Irlanda para Nova York. Seu país perderia, naquele século 19, um terço de sua população para a fome, e um terço para a emigração. Aos seus 21 anos, em 1900, ela daria início a uma meteórica carreira de cozinheira para os grã-finos nova-iorquinos. Aparentemente, ela era excelente no que fazia: pelos anos que se seguiriam, trabalho nunca faltaria. Mesmo matando, sem querer, talvez dezenas de seus empregadores.

Já em seu primeiro emprego, após duas semanas de trabalho, as pessoas da casa pegaram febre tifoide: uma doença intestinal grave causada por bactérias do gênero Salmonella, uma cepa específica, que não é a mesma que pode contaminar ovos de galinha. A tifoide é letal em até 20% dos casos, o que pode ser diminuído para 1% com tratamento moderno – mas não de 1900. Passa de pessoa em pessoa pela rota fecal-oral, o que é tão ruim quanto soa: o contágio se dá por alimentos contaminados por fezes do doente. Mary Mallon, uma portadora completamente assintomática, podia ser a rainha dos temperos, mas higiene não era seu forte.

No segundo emprego, no ano seguinte, Mallon causaria a primeira morte: a lavadeira da família. No terceiro, na casa de um advogado, sete dos oito membros da família ficaram hospitalizados. E o padrão continuaria por toda sua carreira: Mary arranja um emprego, todo mundo fica doente, Mary some e arranja emprego em outro lugar. Sempre arranjava.

Foi preciso um detetive biológico para acabar com seu rastro de doença: o engenheiro sanitário George Soper, contratado por uma das famílias afetadas, entrevistou as vítimas e traçou uma rota da doença em Nova York. Só famílias ricas pegavam, não havia uma epidemia. Concluiu que a cozinheira era a responsável, entrou em contato e tentou pedir que ela que colaborasse com um exame de fezes, para ser recusado repetidas vezes. Até mesmo propôs a escrever um livro com ela e dividir os direitos autorais, mas Mary tratava a ideia de estar contaminando as pessoas como um insulto. Em 1907, acabou internada à força pela autoridade sanitária de Nova York, baseada no trabalho de Soper, e ficaria três anos em quarentena num sanatório em North Brother Island. Na imprensa nova-iorquina, ganharia a alcunha pela qual entraria na história: Thyphoid Mary, a Maria Tifoide.

Em 1910, sob a promessa de nunca mais atuar como cozinheira, Mallon libertada. Por anos, ela tentou cumprir a promessa, atuando como lavadeira, mas o dinheiro não era o bastante e ela não conseguia satisfazer sua vocação. Mudando de nome para Mary Brown, e depois vários outros nomes falsos, conseguiu ser novamente empregada como cozinheira. Um novo ciclo de contaminação começou, e, desta vez, o investigador Soper não conseguiu encontrá-la. E Typhoid Mary acabou ousando: seu último emprego seria em nada menos que um hospital: o Hospital Sloane para Mulheres. Quando 25 pessoas ficaram doentes, e duas morreram, em novembro de 1915, a polícia foi acionada e a cozinheira acabou presa de volta no antigo asilo.

Maria Tifoide passaria o resto da vida, até 1937, em quarentena. Oficialmente, três mortes foram ligadas diretamente à ela, mas estimativas de alguns historiadores, considerando todos os casos entre os ricos de Nova York, chegam a 50 vítimas fatais.

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Para o bolsolavismo, hoje é o dia do Ki-Suco https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/bolsolavismo-protesto-jim-jones/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/bolsolavismo-protesto-jim-jones/#respond Sun, 15 Mar 2020 18:55:31 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Jones-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=404 É quase um clichê na oposição comparar o bolsolavismo fanático com uma seita. Mas hoje, quando os mais exaltados fãs vão às ruas manifestar-se contra as instituições no começo de uma epidemia, a coisa assume um sentido literal. Em nome do líder, que apareceu para apoiar o movimento, entregam-se potencialmente à própria morte —e a faixa etária dos manifestantes torna o risco bem concreto. Neste dia, os bolsolavistas estão tomando Ki-Suco.

A expressão “tomar o Ki-Suco” nasceu em 18 de novembro de 1978, quando o líder da seita Templo do Povo, Jim Jones, ordenou que fossem preparados tambores industriais de refresco de uva (a marca não era Ki-Suco, chamado de Kool Aid em inglês, mas Flavor Aid). Dentro, foram colocados diazepan, hidrato de cloral, prometazina e cianeto de potássio (só o último é um veneno propriamente dito, os três primeiros são sedativos). Os membros da seita fizeram fila para tomar o refresco, após o que se sentavam no chão e morriam em 30 minutos (5 para crianças). Ao final do dia, havia 918 mortos em Jonestown, uma chácara na Guiana rural, transformada em sede da seita, cercada e vigiada com guaritas, como um presídio.

O que as pessoas não costumam saber sobre Jonestown é que não foi simplesmente todo mundo andando para a morte calmamente. Os primeiros não tinham certeza se era mesmo veneno —muitas vezes antes, nos últimos meses, Jones havia ordenado o mesmo ritual, como um teste de fidelidade, sem usar veneno. Havia seguranças armados garantindo que todos tomassem sua parte —e, de fato, os seis sobreviventes que conseguiram escapar afirmaram ter ouvido tiros. Jones em si se matou com um tiro de revólver na cabeça.

A seita gerou uma cena dantesca, num século repleto de cenas assim, de quase mil cadáveres espalhados no chão, se decompondo visivelmente no calor equatorial. Mas as mortes pararam ali. O bando de fanáticos irresponsáveis comandados por um presidente irresponsável não está só tomando o Ki-Suco, mas forçando, como os seguranças de Jonestown, os outros a tomar.

Possivelmente dando um baita empurrão na epidemia de Covid-19 que não fazemos ideia de qual tamanho já tem —como leva até duas semanas para se manifestar, milhares podem já estar contaminados. Não vai terminar bem.

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Jânio e lagostas: duas vezes em que Brasil e França quase entraram em guerra https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/08/janio-lagostas-brasil-franca-guerra/#respond Sat, 08 Feb 2020 21:25:48 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/alpha-2540240_960_720-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=373 Ontem saiu a notícia: os militares brasileiros têm planos para uma guerra com a França, levando a sério a sugestão do presidente francês Emmanuel Macron de que a Amazônia poderia ser internacionalizada.

É uma deixa para lembrar duas vezes num passado não tão distante em que o Brasil se dispôs a confrontar uma potência nuclear da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ambas em períodos democráticos. Numa delas, inclusive, seria uma guerra de agressão.

A Guerra da Lagosta foi uma disputa comercial pela pesca do crustáceo no Nordeste do Brasil por navios franceses. Em 1961, franceses começaram a pescar lagostas no litoral brasileiro, no que foi visto como uma violação de direitos do Brasil. A coisa evoluiu ao ponto de navios franceses serem capturados e navios militares franceses serem enviados à nossa costa. A quase guerra aconteceu no contexto do acirramento da tensão dos militares com o presidente João Goulart, e terminou só com a ditadura.

A outra guerra que não aconteceu era um plano do excêntrico presidente Jânio Quadros para nada menos que conquistar a Guiana Francesa, também em 1961. A justificativa para a Operação Cabralzinho era evitar o contrabando de um metal quase valor, o manganês. E essa já estava em andamento quando Jânio acabou renunciando.

Como teria sido uma guerra com a França? A única guerra comparável seria a das Malvinas, de 1983, que pôs em oposição dois países formalmente aliados dos EUA (o Reino Unido pela  Otan, e a Argentina, pelo Tratado do Rio de Janeiro, de 1947, ainda em vigor). O regime militar argentino acreditava que o Reino Unido simplesmente ignoraria a tomada de uma ilha de população minúscula e sem muito valor estratégico ou comercial. Jânio e os militares brasileiros também apostavam que os franceses não iriam investir num conflito pelo que viam como ninharias. Os militares argentinos erraram feio: a reação foi fulminante e os EUA preferiram ficar do lado do aliado Europeu, sem sequer chegar a precisar se envolver.

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As armas nucleares trouxeram a paz? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/as-armas-nucleares-trouxeram-a-paz/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/as-armas-nucleares-trouxeram-a-paz/#respond Wed, 29 Jan 2020 23:25:00 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Castle_Bravo_007-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=368 A “paz” atômica é uma realidade da Guerra Fria que continua até hoje. Sim, hoje, mesmo depois de acordos terem reduzido o arsenal nuclear mundial em 95% – de 70.300 em 1986 para 3.750 em 2019, dos quais 1.750 pertencem aos EUA e 1600 à Rússia, pelo relatório do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo.

A única vez em que dois países com armas nucleares entraram em confronto foi na Guerra de Kargil, entre maio e julho de 1999, quando Índia e Paquistão lutaram por uma região de fronteira. Apesar de declarações ambíguas dos dois lados, que davam a entender a possibilidade do uso das armas nucleares, a intensa oposição diplomática internacional contra o Paquistão, que havia começado a guerra, fez com que o país desistisse.

Essa tensa situação é a chamada MAD (Mutually Assured Destruction, “Destruição Mútua Assegurada”). A ideia é simples: “eu morro, você morre”. Se um país atacar outro com armas nucleares, é destruído por armas nucleares. E a maior prova de que a MAD funciona é o quanto os países tentaram acabar com ela.

CORRIDA CONTRA A PAZ

Em 1949, quatro anos e 20 dias depois da bomba de Hiroshima, a União Soviética fez seu primeiro teste nuclear. Quando isso aconteceu, os países tinham o mesmos método para atacar com armas nucleares: bombardeiros. Isso foi mudado em 4 de outubro de 1957, quando o lançamento do Sputink 1, o primeiro satélite artificial, causou pânico nos EUA. Foi entendido que, se os soviéticos podiam colocar uma esfera de aço no espaço, podiam também alcançar os EUA com mísseis nucleares. E era exatamente isso: o lançador do satélite era uma versão modificada do foguete R-7 Semyorka, o primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM), capaz de sair da URSS e atingir o território americano pelo espaço. Os EUA correram atrás e conseguiram lançar sua versão, o Atlas, em novembro do ano seguinte.

A chamada corrida armamentista foi, e é, mais que criar armas, dar um jeito de acabar com a MAD, seguido por acabar com o jeito que inventaram para acabar com a MAD. Cada país queria ter a capacidade de atacar primeiro. Um “ataque decapitador” cujos alvos prioritários não eram cidades e populações civis, mas instalações nucleares adversárias e centros de comando, cuja localização era ao menos parcialmente conhecida por satélite e aviões espiões. E uma escapatória foi continuar a usar aviões: entre 1960 e 1968, os EUA mantiveram uma frota armada de de bombardeiros B-52 no ar indefinidamente, numa rota que se aproximava do espaço aéreo soviético. Outra são submarinos nucleares, impossíveis de detectar, que circulam armados pelos oceanos até hoje. Aviões, ICBMS e submarinos formam a tríade nuclear possuída por Rússia, China, EUA, Índia e, possivelmente, Israel.

Outra tentativa de burlar a MAD foi instalar armas mais perto, mísseis de médio ou curto alcance. Um ICBM leva meia hora até atingir seu alvo, enquanto um próximo pode fazer isso em questão de minutos, não dando tempo para reação. Quando os EUA instalaram mísseis na Turquia, a URSS reagiu instalando em Cuba – levando à Crise dos Mísseis de 1962, o mais próximo que o mundo chegou da aniquilação nuclear, e terminou com ambos retirando seus mísseis.

O equilíbrio também é ameaçado por sistemas antimíssil, uma ideia tão antiga quanto os mísseis, desenvolvida em paralelo. Basicamente, são mísseis (antigamente nucleares) que explodem no espaço, destruindo os mísseis rivais. Os EUA criaram os mísseis Nike-Zeus em 1961 e os soviéticos, que começaram o trabalho em 1959, puseram seu A-35 em operação em 1971. Ainda que seja uma medida defensiva, se um país a possui, pode atacar impunemente. Se ambos a possuem, não tem mais paz atômica.

A reação, antes mesmos de os mísseis antimíssil soviéticos ficaram prontos, foi criar os veículos múltiplos de reentrada (MIRV): um míssil que se reparte em vários outros.  Isso quer dizer que, para cada míssil, o inimigo precisa criar até 10 outros mísseis antimíssil – e, na Guerra Fria, falávamos de caríssimos mísseis nucleares.

DE VOLTA À CORRIDA

A tecnologia criou uma situação insustentável para ambos os lados. Em 1972, EUA e União Soviética firmaram um acordo limitando o número de mísseis antimíssil. Em 1993, depois do fim da URSS, foi feito um acordo anti-MIRV entre Rússia e EUA, que previa o banimento total, mas nunca foi concluído. Ambos terminaram cancelados em 2002, quando os EUA abandonou o primeiro e a Rússia anunciou que iria ignorar o segundo.

Novos acordos se seguiram, os arsenais diminuíram, mas continuamos numa situação em que dois países com mais de 1600 armas – só as ativas, não as que podem ser montadas em questão de dias ou estocadas desde a Guerra Fria – tentam criar formas como poderiam aniquilar o outro primeiro.

Estamos vivendo uma nova, se mais discreta, corrida armamentista. Em 2009, o presidente dos EUA Barack Obama anunciou um reforço ao sistema AEGIS antimíssil, que usa antimísseis mais baratos que armas nucleares, programa que segue em desenvolvimento ainda hoje. A Rússia, por seu turno, está desenvolvendo o ICBM RS-28 Sarmat, pensado para levar 15 ogivas em MIRV e burlar defesas antimíssil de diversas formas, como dividindo sua carga antes de ser interceptado e contando com um sistema antimíssil ele próprio.

O que nos leva, finalmente, de volta à pergunta do título. Além da Crise dos Mísseis, a Guerra Fria teve várias passagens assustadoras, como, em 26 de setembro de 1983, quando o coronel soviético Stanislav Petrov recebeu um alerta de seus equipamentos, mostrando que os EUA tinham disparado mísseis. Isso o obrigava a iniciar um ataque de retaliação, algo que ele simplesmente se recusou a fazer, por ter um palpite que o alarme era falso. Era, mas o mundo foi salvo da aniquilação por alguém não seguindo o plano. E esse é um entre ao menos 10 eventos semelhantes em ambos os lados.

Existe também a possibilidade de uma arma nuclear de algum país cair nas mãos de grupos terroristas. Essa é contrabalançada pela possibilidade de detectar a “assinatura” de um ataque atômico, características que permitem saber qual país fez a arma. Mas é uma defesa tênue.

Enfim, o que a história demonstra é que armas nucleares não garantem a paz. Garantem a paz nuclear. Que é outra coisa: uma paz que pode ser a causa da guerra. Se não foi ainda, é em boa parte por pura sorte.

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Em 1970, Brasil tinha uma ditadura mais repressiva que a da URSS, afirma estudo da CIA https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/#respond Fri, 17 Jan 2020 22:35:10 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/880px-golpe_de_1964-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=355 Comentando sobre a ausência de questões no Enem sobre a ditadura militar, o ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou hoje que é um tema “polêmico” e “não há pacificação sobre o que aconteceu”. Ele não explicitou qual é a polêmica exatamente, mas o fato é que a ditadura brasileira é tão “polêmica” para o resto do mundo quanto o Genocídio Armênio é “polêmico” fora da Turquia.

Vamos trazer um exemplo que não podia ser menos de esquerda: a CIA. Essa mesma, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. A fonte pública da CIA afirma que o que, há 50 anos, o Brasil não só era uma ditadura, quanto extremamente repressiva. De fato, mais que a União Soviética ou Cuba na mesma época.

O diretor atual do Estudo explica por que, mas primeiro vamos ao estudo em si.

Usado pela agência e também referência para o próprio governo americano, o estudo Polity, atualmente na versão 4, teve início nos anos 1960, pelo trabalho do falecido cientista político Ted Robert Gurr (1936-2017), da Universidade de Maryland. Ele classifica o tipo de regime dos países do mundo. O trabalho de Gurr foi bancado pela CIA e a versão atual é feita pela ONG Center for Systemic Peace (“Centro para Paz Sistêmica”), criada e patrocinada pela Political Instability Task Force (“Força-tarefa da Instabilidade Política”), fundada também pela CIA, em 1994.

O Polity dá uma nota entre -10 e 10, de absoluta ditadura a absoluta democracia. Ou, pelos termos do estudo:  democracia (6-10), anocracia aberta (1-5), anocracia fechada (-1 a -5) e autocracia (-6 a -10). Anocracia querendo dizer um regime híbrido, nem democracia, nem ditadura total. Em sua última edição, cobrindo até 2013, o Brasil levava uma nota 8 e a Venezuela, 4.

Nos tempos da ditadura, entre o AI-2 e a abertura de Geisel, o Brasil tem uma nota -9. O que quer dizer autocracia absoluta, a mesma nota da União Soviética no fim do regime Stalin e da China durante a Revolução Cultural.

Gráfico Polity IV do Brasil
O gráfico do Brasil mostra uma democracia em queda, a ditadura e a abertura (Reprodução)

Na mesma época, a União Soviética levava -7:

Polity IV Russia
O gráfico da Rússia mostra uma ligeira melhora após a morte de Stalin, em 1953 (Reprodução)

Assim como Cuba:

Polity IV Cuba
Relatório de Cuba mostra a ditadura atual e a anterior, de Fulgéncio Batista (Reprodução)

Os únicos a ganhar -10 são a Coreia do Norte e o Haiti de Baby Doc Duvalier.

O Polity IV não conta mortes, mas a situação política de um país. E, em seu relatório, usa o termo “ditadura militar” para explicar o tipo de regime brasileiro, sem qualificação adicional. Monty G. Marshall, diretor atual do Centro para Paz Sistêmica, explica as razões para a nota tão baixa: “[O estudo] Polity não mede especificamente repressão, mas ele nota a coerção em determinar política pública ou limitar competição política. Em geral, ditaduras militares são semelhantes a Estados hegemônicos de partido único. Elas via de regra têm um sistema se auto-seleção para o Executivo ou autoridade designada para o Executivo”. A ditadura brasileira confirmava seus generais no Congresso, mas qual seria o “candidato” marcado para ganhar era escolhidos em decisão interna da cúpula militar. Quanto à comparação com a União Soviética, é a de uma ditadura ativa para uma que já havia sido pacificada. “O grau de repressão nas autocracias é uma função da intensidade do dissenso entre ativistas de oposição, no lugar de uma forma específica de autoridade executiva. Repressão sempre é aplicada por forças de seguranças leais em resposta a provocações reais ou percebidas. Autocracias podem evitar repressão aberta quando os elementos da sociedade civil se mantém obedientes ou inativos.”

Sobre a questão eleitoral da ditadura, a de que havia um sistema com um partido de oposição permitido e eleições regulares – geralmente levantada por seus apoiadores para negar seu status de ditadura – Monty diz que é irrelevante: “É a intenção do sistema de classificação Polity garantir que pseudo ‘democracias’recebam nota de acordo com suas práticas, não suas ‘fachadas’. Muitos regimes personalistas e de partido único tentam aumentar as percepções de legitimidade por procedimentos eleitorais que são controlados pelo regime. Desde a queda do comunismo soviético, essas ‘fachadas democráticas’ foram entendidas por autocratas como uma farsa necessária para abrandar a crítica internacional. Mas essa expectativa de penduricalhos democráticos parece estar retrocedendo em anos recentes.”

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