Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pedro, o progressista: o outro mito do imperador https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/01/pedro-ii-liberal-mito/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/01/pedro-ii-liberal-mito/#respond Sat, 01 Aug 2020 22:10:17 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/caiu-do-trono-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=582 Duas semanas atrás, os historiadores Thiago Krause e Paulo Pachá falaram do uso nostálgico da história do Império pela extrema direita. Queria aproveitar a deixa, meio atrasado, para falar para outro lado desse mito, que atinge a outro tipo de pessoa, gente até de centro-esquerda: a ideia de que D. Pedro II foi um anti-déspota e esclarecido. Nosso Papai Noel no poder, o bom velhinho da tolerância e conciliação nacional. Uma força da democracia e do progresso, destituído por um golpe militar que abriu um precedente maldito, o da República tutelada.

Pedro, o democrata, teria evitado fazer uso de seus consideráveis poderes, governando como monarca constitucional moderno, deixando a política correr como um regime parlamentarista constitucional. O monarca também odiaria a escravidão, era um abolicionista constrito pelas limitações do sistema. Também fã de ciências e arqueologia, poliglota, muito lido, que até mesmo, em seus diário, registrou que a república era uma forma superior de governo que a monarquia. Um homem exasperado com um país que não avançava, apesar de seus desejos.

Enfim, ironicamente para os monarquistas atuais, Pedro II não poderia ser classificado como um conservador. Não para sua época.

Em sua época, o Pedro liberal tinha entre seus fieis gente com a cabeça considerada arejada para a época, como o abolicionista e secularista Joaquim Nabuco. A ideia foi reforçada por biografias relativamente recentes focadas na pessoa do imperador, como a de Paulo Rezutti e a de José Murilo de Carvalho.

Não há nada de errado em retratar o ser humano em suas contradições. É uma verdade histórica como outras. Mas há o risco de criar uma mitologia sem querer. Conhecendo Pedro enquanto humano, é fácil ser tentado a ver nele uma figura que não corresponde a suas ações.

Podemos discutir por dias o que Pedro II queria pessoalmente, se ele era mesmo essa figura avançada, e até especular se repudiaria seus descendentes retrógrados. Mas o que condena o Pedro liberal é o que foi seu governo na prática, no que implica esse “constitucionalismo democrático” todo dele.  Assumindo um país em guerra civil, Pedro batalhou até a exaustão para moderar facções e evitar conflito, de forma a manter a integridade nacional. Esse é um mérito que se levanta dele, mas será mesmo mérito a moderação em face ao intolerável? O Segundo Reinado foi uma paz escravocrata, o  que inclui medidas altamente pró-escravidão, como aceitar a continuidade do tráfico ilegal e mostrar simpatia para com os confederados na Guerra Civil Americana, até aceitar refugiados entre eles por aqui.

Se o monarca era mesmo tão arejado das ideias (não estou descartando nem aceitando essa possibilidade aqui; esse é outro tema), ele traiu o que acreditava em nome da estabilidade. Lutar pela estabilidade de uma situação iníqua é um mal. Isso não é grandeza.

A “moderação” de Pedro serviu para sermos o último país do continente americano a abolir a escravidão. O resultado foi a continuidade da tortura e cativeiro de milhões, por gerações, e o atraso econômico e social que segue ainda hoje. Se é uma trágica ironia para um monarca abolicionista, tanto faz. Esse é o triste presente que nos deixou o triste “bom velhinho”.

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Pesadelo vitoriano: o poço hiperprofundo https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/01/poco-woddingdean-mais-profundo/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/07/01/poco-woddingdean-mais-profundo/#respond Wed, 01 Jul 2020 18:18:18 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/poço2.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=549 Parece só um poço desativado como qualquer outro. Discretamente ao lado do hospital Nuffield, no subúrbio de Woddingdean, em Brighton and Hove, o poço hoje coberto com uma grade, foi concluído em 1862 e é a maior atração turística do local. Quem olhar para dentro, só vai ver um buraco rumo à escuridão, sem imaginar que seu fim está a mais de 390 m de profundidade, mais que a altura do Empire State Building em Nova York (que tem 381 m). É o mais profundo poço cavado sem auxílio de máquinas modernas. Mas isso é só a parte mais óbvia de sua história, que é uma janela para os valores de sua época.

Poço de Woddingdean
Poço de Woddingdean no hospital, como visto hoje (Yiorgos Stamoulis/Wikimedia Commons/CC)

O poço começou com um projeto de expansão de uma escola industrial para adolescentes pobres. Escola industria vinha a ser uma instituição cujo propósito era ensinar os “hábitos da indústria” – fazer os jovens trabalhar o mais duro possível para impedi-los de adquirir o espírito da ociosidade, a “causa da pobreza”, como se acreditava. Era parte da iniciativa dos Guardiões de Brighton, grupo de moradores responsável por “auxílio” aos pobres, que contava com instalações para adultos que não conseguiam emprego. Essas eram as casas de trabalho, que funcionavam pelo mesmo princípio: labuta o mais extenuante e desagradável possível, para evitar que alguém quisesse se inscrever “por preguiça”, “sem necessidade”.

Em 1858, quando o projeto começou, já havia água encanada, movida por bombas a vapor. Mas o custo foi considerado proibitivo, então um poço foi encomendado. Seriam usadas as mãos de casa de trabalho próxima, o que tinha a conveniência de passar uma mensagem sobre o tipo de trabalho que esperava quem quisesse entrar na instituição. E, com isso, evitar que alguém tentasse entrar para relaxar.

Sabia-se que o solo daquela parte de Brighton era pobre em água. Só não o quanto. Após a primeira pazada em março de 1858, por 24 horas por dia, sete dias por semana, os internos da casa de trabalho passaram a cavar o poço de 6 pés (1,83 m) de diâmetro. Alguns centímetros eram escavados, uma fileira de tijolos, assentada, e, camada a camada, o buraco ia afundando. O solo era removido por baldes e escadas improvisadas davam acesso os trabalhadores, na mais completa escuridão, abatida apenas por velas. A construção continuou e continuou, sem sinal de água. Mas isso não deteve os planejadores. Só reforçava a mensagem aos pobres locais.

Dois anos depois de começada, a 133 metros de profundidade e nada de água, uma outra estratégia foi tentada: túneis laterais, tentando encontrar um aquífero. Sem resultado, um segundo poço vertical, ao final de um corredor de 10 metros, foi ordenado. Esse só tinha 4 pés de largura (122 cm). Em condições ainda mais lúgubres, a construção continuou. Um funcionário despencou para o fundo fim e foi removido. Misericordiosamente (ou talvez não) seria a única vítima fatal.

Em 16 de março de 1862, quatro anos após o início da construção, o poço havia atingido 1.285 pés (391,67 metros) de profundidade. Foi quando um trabalhador sentiu a terra se mover para cima, no que ele comparou com um grande pistão, levantando-o. Era, enfim água, mas ninguém teve tempo de celebrar. Ruidosamente, o fundo se desintegrou e ferramentas foram engolidas pela água, que começou a jorrar. Em quase pânico, os homens subiram o mais rápido que podiam, com a água atingindo 122 metros em uma hora.

Ninguém morreu dessa vez, e um recorde que dura até hoje foi estabelecido. Poços cavados por brocas modernas podem atingir mais de 1 km de profundidade, mas geralmente são mais rasos que o poço de Woodingdean (aqui no Brasil, poços para atingir o Aquífero Guarani tem por volta de 300 metros). São bem mais estreitos, consistindo em longos canos. O buraco mais fundo cavado pela humanidade é o Poço Superprofundo de Kola, na Rússia, uma perfuração científica atingindo 12.262 metros, com 23 cm de diâmetro.

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