Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Corrupção nazista: como Hitler comprou os generais https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/corrupcao-nazista-como-hitler-comprou-os-generais/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/25/corrupcao-nazista-como-hitler-comprou-os-generais/#respond Thu, 25 Jun 2020 14:39:25 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/konto.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=537 A falta de transparência das ditaduras anda de mãos dadas com a corrupção. Para se manter no poder, Hitler corrompeu oficiais graduados das forças armadas.

Aparentemente, nazistas e militares eram um casamento perfeito. Ambos queriam uma vingança contra a humilhação do Tratado de Versalhes, que desarmou a Alemanha após a Primeira Guerra. Com isso, acertar as contas com a inimiga dessa guerra, a França, e expandir o domínio da Alemanha pela Europa e pelo mundo. Ambos queriam uma ditadura militarista. E antissemitismo, se não exatamente um valor central à vida militar alemã, certamente não era impedimento.

Mas as forças armadas alemãs eram conhecidas por ser “um Estado dentro do Estado”. Ninguém menos que Otto von Bismarck, o chanceler considerado fundador da Alemanha Unificada, foi proibido de atender a reuniões do Supremo Conselho de guerra, por ser considerado civil. Os dois últimos anos da Primeira Guerra foram basicamente uma ditadura militar, num golpe silencioso por conta da incompetência que os militares viam no imperador Guilherme II e seu chanceler, Theobald von Bethmann-Hollweg. Era o “duumvirato” do marechal Hindenburg e ggeneral Ludendorff. Hinderbug acabaria por ser o homem a dar o cargo de chanceler a Hitler, em 30 de janeiro de 1933, selando o destino da Alemanha.

Mas, ao final do dia, Hitler continuava a ser um mero cabo plebeu, quando os oficiais graduados vinham da nobreza alemã – classe extinta com o fim da monarquia, mas obviamente na memória de seus membros. Diante de suas atrocidades – em vários casos, mais pelo desperdício de recursos que questão humana – e de sua condução desastrada e intempestiva da guerra, Hitler não pôde contar com a fidelidade incondicional de todos os militares. Antes mesmo de começar a guerra, já havia uma conspiração marcada para dar um golpe militar, a Conspiração Oster, liderada pelo general Hans Oster, que pretendia mater Hitler e restaurar o imperador Guilherme II para impedir que a Alemanha causasse outra guerra mundial. Estava para começar após a invasão da Checoslováquia, que podia precipitar a guerra – e fracassou porque o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, deixou de graça, com Hitler ganhando as notícias como “exímio estadista”.

ENTRA O SUBORNO

Antes da guerra, e mais ainda durante, Hitler passou a molhar a mão dos oficiais com presentinhos como propriedades, carros, vultosos cheques e a liberação de impostos. Havia um fundo secreto para isso, chamado Konto 5 (“Conta 5”), que começou em 150 mil reichsmarks (RM) em 1933 (US$ 901.815,32 em dinheiro de hoje), e terminou em RM 40 milhões em 1945.  Oficiais ganhavam de RM 2 mil a RM 4 mil “por fora”, mais RM 250 mil no aniversário, para um salário de RM 24 mil de um general.

Hitler fazia questão de deixar claro que aquilo não era uma coisa oficial, mas um presente pessoal dele, mais ou menos ilegal, e que podia ser tirada a qualquer instante. Era uma forma de tornar a pessoa cúmplice num acordo desonroso, e dever fidelidade direto ao Fuhrer, não ao Estado. E funcionava: em julho de 1942, quando o marechal de campo Fedor von Bock, comandante de grupos importantes de exército nas invasões da Polônia, França e URSS, foi sacado de sua posição, a primeira coisa que perguntou é se continuaria a receber os cheques. Ao final, Hitler conseguiu prosseguir em sua campanha militar cada dia mais suicida. A tentativa de assassinato que sofreu em 20 de junho de 1942 partiu de uma minoria, e a razão maior era justamente que o país estava perdendo a guerra. Nenhum oficial ativo importante estava envolvido – Erwin Rommel, que seria eventualmente forçado a se suicidar em outubro de 1944, até onde se levantou, sabia do plano e fez vistas grossas, mas sua participação ficou no “apoio moral”.

Militares alemães, como os do resto do mundo, gostavam de se apresentar como uma reserva moral da nação. Mas, com uma generosa dose de suborno, foram dobrados a participar das atrocidades (e participaram, principalmente durante a invasão da URSS) e levar seu país à ruína. As forças armadas alemãs limpinhas, sem envolvimento nos crimes nazistas, é um mito do pós-guerra, de quando oficiais veteranos foram re-recrutados para as Bundeswehr, forças da Alemanha democrática,  em 1955, e os EUA olharam para o outro lado porque os ex (ou “ex”) nazistas eram adversários dos soviéticos.

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Os nazistas desarmaram o povo? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/27/os-nazistas-desarmaram-o-povo/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/27/os-nazistas-desarmaram-o-povo/#respond Wed, 27 May 2020 23:50:19 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/NAzis.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=505 Na reunião revelada na semana passada, Bolsonaro falou em “armar o povo contra a ditadura“. É um argumento importado da direita americana, do movimento pró-armas baseado em sua interpretação da Segunda Emenda da Constituição do país. Nessa mesma conversa de ditadura, também surge o argumento de que tiranos desarmam suas populações antes de dominá-las – e inalteravelmente, como prevê Godwin, Adolf Hitler surge na conversa. Armamentistas levantam que Hitler desarmou a população/os judeus, permitindo o Holocausto. E você não quer isso, quer?

A repressão às armas na Alemanha é de antes do nazismo. Após a Primeira Guerra, a República de Weimar, a Alemanha democrática que se seguiu à monarquia, impôs, em janeiro de 1919, a proibição total de armas de fogo e seu confisco. Uma das razões era a paz negociada com os aliados, que exigia o desarmamento do país, firmada posteriormente no Tratado de Versalhes, em junho. Outra era a instabilidade política, movimentos violentos de veteranos contrários ao novo governo democrático, organizados nos Freikorps (“Corpos Livres”, “corpo” aqui no sentido de unidade de infantria), que também combatiam as tentativas de revolução comunista. O movimento nazista foi fundado por ex-Freikorps, como Heinrich Himmler, e outros veteranos de guerra antidemocráticos, como o próprio Hitler. Os nazistas mostraram a razão para as leis ao tentarem derrubar o governo democrático no Putsch da Cerverjaria de 1923, uma tentativa de insurreição armada.

A lei foi relaxada em 1928, permitindo a posse sob licença para cidadãos de “boa reputação”. Foi mantida pelo governo nazista, que começaria em 30 de janeiro de 1933, até uma nova lei em 18 março de 1938, que é a que os movimentos pró-armas costumam citar. A nova lei proibiu judeus de produzir e vender armas, mas também:

  1. Desregulou completamente as armas longas (espingardas e escopetas, que não podem ser ocultas);
  2. Desregulou e a posse de munição;
  3. Reduziu a idade mínima para comprar uma arma de 20 para 18 anos;
  4. Estendeu as licenças de um para três anos;
  5. Deu posse livre a membros do governo (de qualquer ramo) e do Partido Nazista.

Isto é: nazistas não liberaram completamente, mas facilitaram a aquisição de armas para a maioria dos alemães, com exceção dos inimigos do Estado, que sofriam inúmeras outras restrições (e só perderam mesmo a posse numa lei posterior, do fim do ano).

Os alemães, o povo que poderia ficar “contra a tirania”, eram massivamente a favor e a tirania facilitou a eles se armarem. Quanto aos judeus, eram por volta de 0.5% da população alemã. É absurda a ideia de que poderiam se defender contra os outros 99,5% com armas de pequeno calibre (dados os números, nem que fossem porta-aviões). Entidades judaicas, como a Liga Anti-difamação dos EUA, condenam como um acinte a ideia de que o Holocausto poderia ter sido evitado se judeus pudessem, como nos EUA, comprar pistolas no supermercado.

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Stalin criou a teoria da conspiração de que Hitler sobreviveu https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/30/stalin-criou-a-teoria-da-conspiracao-de-que-hitler-sobreviveu/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/30/stalin-criou-a-teoria-da-conspiracao-de-que-hitler-sobreviveu/#respond Thu, 30 Apr 2020 23:16:50 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/HitlerEva-3.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=472 A história real não é consenso: Hitler se matou com uma cápsula de cianureto seguida por um tiro na têmpora em algum momento entre as 15h e 16h de 30 de abril de 1945. Seu corpo foi levado à saída do bunker e cremado a céu aberto, depois cremado mais um pouco e enterrado numa cova rasa numa cratera de explosão de artilharia soviética. Em 1º de maio, os alemães ouviram pelo rádio que Adolf Hitler estava morto e o almirante Karl Dönitz assumiria como presidente. No dia seguinte, as forças alemãs em Berlim se renderiam. A rendição final, de forças além de Berlim, só viria dia 8.

Desde a descoberta, o destino dos restos de Hitler ficou com os soviéticos. No dia 4 de maio, os restos de Hitler, Eva Braun, Blondi, a pastora alemã de Hitler, e outro cachorro não identificado foram encontrados pelo comandante soviético Ivan Klimenko. Eles foram levados ao centro de contra-inteligência (Smersh) no dia seguinte. Stalin desconfiou que seria um casal de impostores e restringiu toda informação. No dia 11, com a ajuda dos assistentes de seu dentista e seus registros, os soviéticos identificaram os restos como de Hitler. A mandíbula e os dentes que serviram de identificação foram enviados a Moscou, o resto, enterrados numa floresta em Brandenburgo.

Stalin aceitou a verdade. E passou a dizer que era mentira, declarando sua teoria pela primeira vez na Conferencia de Potsdam, em julho, que seria, por anos, a versão oficial soviética: Hitler havia fugido para a Argentina ou Espanha, com a ajuda dos Aliados ocidentais. O líder soviético, assim, é a origem das teorias da conspiração que circulam ainda hoje. Ainda em 1947, uma pesquisa revelava que a maioria dos americanos acreditava que Hitler estava vivo.

Os países ocidentais, que haviam replicado o comunicado dos alemães e aceito sua versão, ordenaram uma investigação ainda em novembro de 1945, que concluiu que era verdade: Hitler estava morto. Continuaram a realizar buscas até os anos 1950 e nenhuma revelou Adolf comendo alfajor em Buenos Aires.

Mas a pergunta é: o que Stalin queria com isso? Ele nunca explicou e historiadores discutem ainda hoje. Uma hipótese é que queria minar o apoio dos outros países à Espanha e Argentina, na qual o fascismo seguia vivo. Outra é que a ideia de Hitler vivo mantinha também vivo o espírito de ameaça que manteve o moral alto na guerra. E uma possibilidade bem mais mesquinha é que fosse uma rixa com o Marechal Georgy Jukov, chefe das forças soviéticas, que havia sido alçado à posição de herói nacional por seu sucesso. Jukov chegou a dizer aos aliados que o corpo de Hitler fora encontrado, para tomar uma bronca de Stalin e ser forçado a aderir à versão oficial.

Os exumaram os restos de Brandenburgo em fevereiro de 1946, quando partes do crânio foram enviadas a Moscou, onde estão hoje tudo o que restou de Hitler. O que sobrou foi reenterrado em outro local secreto em Magdeburgo. Em 1970, numa operação secreta, foram exumados mais uma vez, cremados, moídos, e jogados no Rio Biederitz. O plano de não haver sepultura pra Hitler evitar criar um santuário para neonazistas. E os soviéticos estavam certos: foi exatamente o que aconteceu com Mussolini.

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75 anos: Mussolini pendurado no posto de gasolina https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/mussolini-cabeca-para-baixo-posto-gasolina/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/28/mussolini-cabeca-para-baixo-posto-gasolina/#respond Tue, 28 Apr 2020 22:11:48 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Mussolini_e_Petacci_a_Piazzale_Loreto_1945.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=467 A foto é brutalmente simples em sua mensagem: o ditador Benito Mussolini, que prometia ressuscitar o império Romano e se tornou um fantoche de um descendente dos bárbaros, terminava sua carreira pendurado pelos pés, como um porco no açougue.

Mussolini, oficialmente primeiro-ministro, governou a Itália entre 31 de outubro de 1922 e 25 de julho de 1943, quando, após a incursão aliada na Itália, foi deposto e preso. Em 23 de setembro de 1943, os nazistas os tiraram da prisão numa operação secreta. Então foi feito líder da República Social Italiana, também chamada República de Saló, por sua capital, uma pequena vila com esse nome na Lombardia, norte do país. Era a parte da Itália ainda controlada pelos nazistas, na qual aquele que havia inspirado Hitler agora era seu capacho.

O corpo na foto de 28 de abril de 1945 estava irreconhecível. Mas isso foi no pós-morte: ele havia sido deixado na Piazalle Loreto, praça próxima à estação central de Milão, e brutalizado pela multidão, que jogou vegetais, pedras, urinou e chutou os corpos dele e de sua amante, Claretta Petacci. Na madrugada do mesmo dia, havia sido executado a tiros de submetralhadora pelo partisan (membro das resistência) comunista Walter Audisio, após um julgamento sumário, ou, por algumas versões, nem isso: o líder partisan Urbano Lazzaro, que não estava presente na cena, mas a investigou posteriormente, afirmava que simplesmente haviam sido mortos quando Petacci tentou roubar uma arma de um partisan.

Seja lá como Mussolini tenha sido despachado, esse foi só o começo de uma longa e mórbida aventura pós-morte. Às 14h do mesmo dia, os americanos tiraram os corpos do posto de gasolina e os levaram para autópsia. Então, um fotógrafo militar capturou outra imagem, em cores, dos corpos de Mussolini e Petacci posando de braços dados. A foto é brutal demais para publicar sem aviso (e a que ilustra a matéria já é meio demais), então vai via link, clique aqui por conta e risco –dá para ver claramente o estrago na face do ditador. Os americanos testaram o casal para sífilis, que acreditavam poder ter causado sua “loucura”, mas deu negativo. O ditador foi enterrado numa cova não marcada num cemitério da cidade.

Em 21 de abril de 1946, domingo de Páscoa, pouco menos de um ano após sua morte, o corpo de Mussolini foi escavado pelo fascista Domenico Leccisi. E começou uma caçada por seu corpo, mudado de lugar em lugar, até ser “capturado”, em agosto do mesmo ano, num mosteiro Certosa di Pavia, perto de Milão. Faltava uma perna. Dois monges foram acusados de conspirar com o fascista.

O cadáver então movido, secretamente, para outro mosteiro, em Cerro Maggiore, e lá permaneceria até 19 de maio de 1957, quando assumiu como primeiro-ministro italiano o democrata cristão Adone Zoli. Ele havia sido partisan na guerra, mas então ascendera com apoio parlamentar da extrema direita –incluindo nada menos que Leccisi, o exumador, agora senador. Como concessão, o corpo foi devolvido para a família e enterrado em 1º de setembro na vila de Predappio, local de seu nascimento. Até hoje, um mausoléu com símbolos fascistas e uma tumba de pedra marcam ostensivamente o local. Todo dia, até centenas de fascistas convergem para fazer “turismo” na tumba, com 28 de abril marcando o auge.

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Quem inventou que nazismo é de esquerda? Não foi brasileiro https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/17/quem-inventou-que-nazismo-e-de-esquerda-nao-foi-brasileiro/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/08/17/quem-inventou-que-nazismo-e-de-esquerda-nao-foi-brasileiro/#respond Sat, 17 Aug 2019 17:03:27 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/adorfo-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=178 Não, não é jabuticaba. Direitistas brasileiros não estão sozinhos em dizer que nazismo é de esquerda. A tese está em best-sellers da direita conspiratória internacional, como Liberal Fascism (2009), do comentarista político Jonah Goldberg, ou mais recentemente The Big Lie: Exposing the Nazi Roots of the American Left (2017), de Dinesh d’Sousa. 

E eu posso atestar de memória: topei com isso pela primeira vez nos idos de dois mil e celular clamshell. Bastava saber inglês. A evidência mais antiga, até onde pude averiguar, vem de 15 de janeiro de 1997. É o artigo Myth: Hitler was a Leftist (“Mito: Hitler era um Esquerdista) pelo jornalista ainda na ativa Steve Kangas. Ele demonstra que, 22 anos atrás, na era de Clinton, FHC e Spice Girls, chamar Hitler de esquerdista já era um esporte popular:

“Essa associação [entre Hitler e a direita] sempre foi algo vexaminoso para a ultradireita. Para escapar da crítica, os conservadores recentemente lançaram um contra-ataque, afirmando que Hitler era um socialista, portanto pertence à esquerda política, não direita.

Um exemplo prestigioso que chegou à grande mídia na mesma época: em 1998, o falecido linguista britânico George G. Watson (1927-2013), da Universidade de Cambridge, anuncia através do jornal britânico The Independent seu livro The Lost Literature of Socialism (“A Literatura Perdida do Socialismo”). Sua tese é que certas declarações de Hitler sobre Marx provam que ele era praticamente do PCO. Um trecho:

“Herman Rauschning, por exemplo, um nazista de Danzig que conheceu Hitler antes e depois de sua ascensão ao poder em 1933, afirma como Hitler reconhecia seu profundo débito com a tradição marxista. ‘Eu aprendi muito com Marx’, uma vez ele disse, ‘como não hesito em admitir’”. 

(“Aprender com Marx”, se o testemunho em segunda mão é confiável, não significa ser marxista. Mas explicar por que Hitler não era de esquerda não é o propósito desta matéria – há vasto material sobre isso.)

ESQUERDA É UM SACO

Não se sabe quem foi o primeiro a colocar com todas as letras que “Hitler era um esquerdista”, mas há uma vasta literatura afirmando que ele e Stalin – e Mao, Fidel etc. –, ditadores de ideologias opostas, eram ainda assim farinha do mesmo saco. Um saco chamado “coletivismo”.

“Fascismo, nazismo, comunismo e socialismo são só variações superficiais do mesmo tema monstruoso – coletivismo”.

Frase da escritora e filósofa Ayn Rand, refugiada soviética nos EUA que se tornaria uma das grandes inspirações da direita atual, em uma carta de 1944.

Outra figura imensamente influente, o economista Friedrich Hayek (1899-1992), ele mesmo um exilado do nazismo, se tornou famoso mundialmente por O Caminho da Servidão (1944). No capítulo “As Raízes Socialistas do Nazismo”, afirma:

“Não foram apenas a derrota, o sofrimento e a onda de nacionalismo que as conduziram ao sucesso. Tampouco, como muitos querem acreditar, foi o seu êxito ocasionado por uma reação do capitalismo contra o avanço do socialismo. Ao contrário, o apoio a essas ideias veio precisamente do lado socialista. Não foi, por certo, a burguesia, mas antes a ausência de uma burguesia forte, que favoreceu sua escalada ao poder.”

(Hayek separava totalitarismo de autoritarismo e achava que uma ditadura autenticamente capitalista podia ser boa, até melhor que uma democracia que distribui renda. Com essa justificativa, apoiou o regime Pinochet, que considerava autoritário, mas não totalitário. Isso fica para outro dia.)

FERRADURAS 

Esses são só dois exemplos influentes. Outros favoritos do libertarianismo, como Ludwig von Mises e Murray Rothbard, aderem totalmente à teoria da farinha do mesmo saco. Chama-se Teoria da Ferradura a ideia de que esquerda e direita, nos seus extremos, acabam se tornando próximas, ao ponto de serem indistinguíveis. É um discurso extremamente popular no Brasil de hoje entre os ditos “isentões”. Se Hitler e Stalin eram basicamente o mesmo e Stalin era de esquerda, conclui-se, logicamente, que Hitler era de esquerda.

Mas isso não é aceito por historiadores. São redefinições revisionistas, que ignoram a origem intelectual dos termos “esquerda” e “direita”. Em sua origem, na Revolução Francesa, a direita defendia a manutenção da autoridade absolutista e privilégios de classes sociais e a esquerda, a abolição de ambos – isto é, liberdade e igualdade política. 

E isso pode se ver no propósito final de regimes de força que são comparados. Nazistas queriam estabelecer a hierarquia “natural” das raças no mundo e purificar a “raça ariana”, executando pessoas com doenças genéticas e “raças inferiores”. Comunistas queriam e querem acabar com classes sociais e chegar a a uma situação sem Estado ou opressão, o comunismo em si (não passaram nem perto, mas isso é outra história). A ditadura e o “coletivismo” (termo problemático, porque ignora a noção de liberdade individual da esquerda) eram meios, não o fim. Dizer que as duas coisas são idênticas é como falar que nazistas e aliados eram indistinguíveis, pois ambos davam tiros e jogavam bombas de aviões. 

“Existe uma ressonância fundamental, ideológica, entre extrema esquerda e direita?”, pergunta o cientista político Simon Shoat, da Kingston University, em seu artigo Horseshoe Theory is Nonsense (“A Teoria da Ferradura é Nonsense”). “Somente no vago sentido que ambas contestam o status quo. Mas fazem isso por razões muito diferentes e com propósitos muito diferentes. Quanto fascistas rejeitam o individualismo liberal, é em nome de uma visão de unidade nacional e pureza étnica baseada num passado romantizado; quando comunistas e socialistas o fazem, é em nome da solidariedade internacional e redistribuição de riquezas.”

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