Flashback https://flashback.blogfolha.uol.com.br Tudo é história Thu, 27 Aug 2020 19:18:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Há 60 anos, cadelas se tornavam as primeiras criaturas a sobreviver ao espaço https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/belka-strelka-cachorras-espaco/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/belka-strelka-cachorras-espaco/#respond Wed, 19 Aug 2020 22:05:47 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/BelkaStrelka-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=601 Em 20 de agosto de 1960, as primeiras criaturas vivas voltavam do espaço… com vida. A famosa cadela Laika, que decolara no Sputink 2, em 3 de novembro de 1957, havia morrido de hiperaquecimento horas após o lançamento, quando a temperatura interna chegou a 43o C. Mesmo sem o calor, não havia qualquer chance para ela, porque sua nave não era nave. Era um satélite, que ficou meses no espaço, se desintegrando na atmosfera só em 14 de abril de 1958.

Quase 3 anos depois, os soviéticos estavam prontos para trazer de volta criaturas vivas. Ou quase: era a segunda tentativa. Na primeira, em 28 de julho de 1960, a nave se desintegrou logo após o lançamento, matando dois outros cachorros, Bars e Lisichka.

Às 8h44 da manhã, a Korabl-Sputnik 2, que ficaria conhecida como Spunik 5 no Ocidente, decolava de um míssil nuclear modificado R-7 Semyorka. No módulo Vostok 1, iam não só as duas cachorras, Belka e Strelka, como 40 camundongos, dois ratos e diversas plantas. Após 5 órbitas, às 6h da manhã do dia seguinte, a nave reentrava na atmosfera, para ser recuperada na Sibéria. Todos os ocupantes estavam vivos.

O surpreendente vem agora. Strelka, de volta ao centro de treinamento, teria um filhote com um cachorro chamado Pushok, que nunca chegou a ser mandado ao espaço. E um dos filhotes, uma cadela batizada de Pushinka, foi dada de presente ao presidente americano John Kennedy pelo premiê soviético. E aceita de coração, apesar da preocupação de agentes de segurança de que a cachorrinha tivesse algum tipo de grampo secreto. Ela teria mais quatro filhotes com um cachorro Chamado Charlie. Eventualmente, com a morte de Kennedy, a família passaria seus cães para amigos. Longe da Casa Branca, a linhagem da cadela espacial soviética segue viva nos EUA.

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A primeira vítima da ditadura militar: os militares https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/28/a-primeira-vitima-da-ditadura-militar-os-militares/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/06/28/a-primeira-vitima-da-ditadura-militar-os-militares/#respond Mon, 29 Jun 2020 01:04:39 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/marinheiros.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=542 O primeiro sangue derramado pela ditadura foi o do tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, morto em 4 de abril de 1964 por uma rajada de metralhadora pelas costas. Os tiros partiram de seus companheiros militares, por se recusar a apoiar o golpe. Sua posição de paciente zero foi reconhecida pela Justiça do Brasil em março de 2019.

Alfeu era parte de um grupo de vítimas da ditadura menos lembrado: o dos próprios militares. Quando a ditadura assumiu, imediatamente passou a um expurgo em suas forças, com o Ato Complementar nº 3, de 11 de abril, expulsando 122 oficiais de diversas patentes. Na alta cúpula, até 1966, seriam expulsos 24 dos 91 oficiais com patente de general ou equivalente. A perseguição atingiria, segundo a Comissão Nacional da Verdade, até 7.500 militares, entre expulsos, presos, torturados e assassinados.

E isso é outra parte menos lembrada do surgimento da ditadura: não era só uma disputa envolvendo João Goulart e a esquerda civil, de um lado, e os militares a direita civil, do outro. Era uma disputa também entre militares e militares. Havia uma ala pró-Goulart juntando nacionalistas e esquerdistas, que era forte na baixa patente, bastante ruidosa e teve suas vitórias. A própria posse de Goulart, em 1961, aconteceu em grande parte pelo apoio de militares dessa ala, que aderiram à Campanha da Legalidade de Leonel Brizola, contra a outra ala ameaçando fechar o congresso, segundo a denúncia do jornalista Carlos Lacerda, liderança conservadora que acabaria por apoiar o golpe em 64, para se arrepender. (A bem da verdade, a posse de Jango foi mais um “empate”: assumiu como presidente num regime parlamentarista aprovado às pressas, que seria revogado em janeiro de 1963 após um plebiscito.)

Nos anos que seguiram, os militares se polarizaram entre contra e a favor de Jango, culminando na Revolta dos Sargentos, em 12 de setembro de 1963, quando cerca de 600 militares de baixa patente se rebelaram em Brasília, prenderam adversários, inclusive um ministro do Supremo Tribunal Federal, cortaram as comunicações da cidade e tomaram o Departamento Federal de Segurança Pública e o Ministério da Marinha. A razão da revolta havia sido uma decisão do STF de considerar ilegal a eleição de militares a cargos legislativos em 1962. Esses militares representavam principalmente o movimento pró-Goulart.

Sem conquistar adesão em massa e por erros de comunicação, a revolta foi aniquilada. Seus líderes foram enviados a um navio-prisão na Baía de Guanabara.

Mas o clima de rebelião continuou. No que Elio Gaspari e diversos historiadores consideraram o principal estopim da ditadura, em 25 de março de 1964, foi a vez da Marinha. Em 24 de março, o almirante Sílvio Mota, ministro da marinha de João Goulart, decretou a prisão dos líderes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, um sindicato considerado ilegal, que apoiava ferrenhamente o presidente. Em desafio, a associação celebrou seu aniversário no dia seguinte, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, com os líderes condenados. Os membros do Corpo de Fuzileiros Navais enviados para prendê-los aderiram ao movimento, como apoio de seu comandante, o vice-almirante vice-almirante Cândido Aragão. Humilhado, Mota pediu demissão, assumindo no lugar o almirante pró-rebeldes, pró-Jango, Paulo Mário da Cunha Rodrigues, que daria anistia a todos os rebelados no dia 27, para no dia 28 desfilarem pelas ruas do Rio. Mota, Aragão e Rodrigues seriam exonerados após o golpe. O vice-almirante dos fuzileiros, Aragão, aos seus 56 anos, chegaria a perder um olho sob torturas.

Assim foram os últimos dias da democracia. Os líderes do golpe deram também um golpe nas Forças Armadas. A guerra civil que nunca aconteceu foi ainda assim vencida e os militares à esquerda, destruídos. Sem o expurgo feito pela da direita militar, física e ideologicamente, das figuras militares que se opuseram ao golpe, seria difícil de imaginar quarteis ensinando ainda hoje que 1964 foi um “marco para a democracia“. Assim como o apoio com que um presidente como Bolsonaro ainda conta nas forças. Apologistas da ditadura raramente incluem em sua narrativa que os “comunistas” dos quais, a seu ver, salvaram a democracia, eram, em grande parte, outros militares.

A atual cultura militar do Brasil não é natural da profissão. É um legado da ditadura.

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Ditadura, só de fotógrafos, disse general a dias do golpe de 64 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/28/ditadura-so-de-fotografos-disse-general-a-dias-do-golpe-de-64/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/05/28/ditadura-so-de-fotografos-disse-general-a-dias-do-golpe-de-64/#respond Thu, 28 May 2020 22:43:37 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/Kruel-1.jpg true https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=511 A ideia veio da angustiante especulação sobre qual seria a real posição das Forças Armadas numa possibilidade de golpe. Resolvi descobrir o que diziam os generais à beira do golpe de 1964. Particularmente, queria saber das possíveis (e prováveis) garantias dos generais de que não haveria golpe. Fiz isso por uma pesquisa no Acervo Folha.

Saí frustrado. “Golpe” nas notícias de então era só de esquerda: o golpe que supostamente o presidente João Goulart estaria prestes a dar em si próprio. Com uma irônica exceção:

Recorte da Folha 21/04/1964
Recorte da Folha em 21/03/1964, a 10 dias do golpe militar (Acervo Folha)

O porta-voz dos EUA garantia que o país era contra golpes. O final é profético: “Só saberemos a política de [Lindon] Johnson [presidente dos EUA] a respeito da democracia na América – disse um diplomata – quando houver um golpe de Estado”. Dias depois, os EUA mandariam um porta-aviões na direção do Brasil, para ajudar o grupo golpista numa possível guerra civil. A ajuda da Operação Brother Sam, como foi chamada, não foi necessária.

O mais perto de “garantia” que consegui encontrar por parte de militares brasileiros foi uma nota curtíssima, no dia anterior:

Recorte da Folha
Recorte da primeira página da Folha em 20/03/1964 (Acervo Folha)

Em 17 de março, num encontro com o ministro da Justiça de Jango, Abelardo Jurema, o general Amauri Kruel, responsável pelo II Exército, sediado em São Paulo, teve que posar mais de uma vez para a foto (a que abre  a matéria) retratando a suposta paz entre o Poder Executivo e os militares. Jurema falou que estavam se submetendo a uma “ditadura dos fotógrafos” e Kruel se saiu, sorrindo, com: “É a única ditadura que nós admitimos no país”.

Amauri Kruel aderiria ao golpe algo relutantemente: ligou duas vezes para Jango para tentar convencê-lo a excluir a esquerda do governo como forma de ter sua fidelidade. Segundo o depoimento do coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira à Comissão da Verdade em 2014, Kruel foi subornado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para aderir ao golpe.

Se Kruel estava sendo sincero com Jango, sua condição tinha dois nomes: Jango devia remover do governo o chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, e ninguém menos que Abelardo Jurema, o ministro da Justiça com quem havia posado sorridente duas semanas antes. Após o golpe, o ministro teria seus direitos políticos cassados, pelo AI-1, e seguiria para o exílio. Isso torna a foto e a frase simbólicas.

Todo historiador sabe que é um erro pegar exemplos históricos para falar do presente. O que fiz foi uma pesquisa despretensiosa e primordial, que serve para um post, não uma tese. Mas, se esse pequeno achado ilustra alguma coisa, é a relação dos militares com o regime que criaram. Diz algo sobre a negação da natureza do regime pelos militares na época, tentando manter uma fachada democrática. E dos militares até hoje em admitir que “ditadura” é a palavra para o que seu regime foi.

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Democracia tutelada: a maldição da Anistia https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/01/ditadura-anistia/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/04/01/ditadura-anistia/#respond Wed, 01 Apr 2020 20:33:22 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Ditadura.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=423 O vice Mourão, que cada dia mais parece próximo a ser o próximo, apareceu ontem com um tweet de – não dá pra concluir de outra forma – apologia à ditadura militar:

Há 56 anos, as FA intervieram na política nacional para enfrentar a desordem, subversão e corrupção que abalavam as instituições e assustavam a população. Com a eleição do General Castello Branco, iniciaram-se as reformas que desenvolveram o Brasil.

Vamos tentar passar isso por um filtro de realidade: vivemos um regime civil iniciado em 1985 após uma ampla campanha pelo fim do que era chamado, nessa campanha, de ditadura. Uma nova constituição foi entregue, o que quer dizer que não foi reforma; foi revolução. Até a guerra civil que exigia uma constituição democrática ganhou o prêmio de consolação de ser chamada de “Revolução Constitucionalista” porque veio uma constituição (já prometida e na data marcada). Nosso regime é um sucessor espiritual da democracia anterior, a Quarta República de de JK e João Goulart, mas não da ditadura ou sua “revolução de 1964”, como preferia ser chamada.

O que Mourão está fazendo na prática é dar uma declaração de fidelidade a um regime antagonístico. E essa postura não tem nada de exótica nas Forças Armadas brasileiras, ainda que costume vir com uma reafirmação formal de sua submissão ao regime democrático. É o duplipensar militar: sob o comando de uma democracia, demonstram fidelidade a um regime que a destruiu a democracia, com se não houvesse contradição. É, não sei se o bom Godwin me permite a comparação, como se oficiais da Bundeswehr, as forças armadas da Alemanha democrática, saíssem fazendo declarações de que o nazismo era necessário. (Pra ficar claro: a comparação é da fidelidade errada, não entre os militares da ditadura e nazistas.) Para ficar num exemplo próximo e menos dramático: que oficiais da Argentina, Uruguai ou Chile demonstrassem fidelidade às suas ditaduras. Isso seria visto como absurdo por lá e devia ser aqui também. A condição para a existência de forças armadas democráticas é (ou devia ser) que não demonstrem simpatia a golpes militares. Caso contrário, fica a séria suspeita de constituírem não os defensores da democracia que dizem ser, mas uma quinta coluna à espera de atacar.

Essa é a Maldição da Anistia. Quando, em 28 de agosto de 1979, num gesto “generoso”, os militares perdoaram os que se opuseram ao seu regime, violentamente ou não, perdoaram a si próprios. Essa impunidade foi a imposição para que aceitassem sair do poder. Um gesto de intimidação à democracia antes da democracia começar. Durante toda a segunda metade dos anos 80, quando certo tenente Bolsonaro era acusado de entreter sua mente com explosivos, uma conversa de “inquietude nos quartéis” pairava como um cúmulo-nimbo sobre a liberdade reconquistada. Pairaria até pelo menos 1989, quando a conversa era que, se Lula vencesse, a ditadura voltava.

Foi sob essa “inquietude” – eufemismo para “intimidação” – que a Sexta República aceitou o autoperdão dos militares. E ouça, caro direitista: o fim da Anistia significaria realizar o sonho dos militares de também levar os crimes da esquerda a julgamento. Julgamento democrático, legal, constitucional; não morrer por um torturador decidindo ser juiz, algo que era proibido pelas leis da própria ditadura. Do jeito que foi, os militares preferiram simplesmente ficar de lado, com sua narrativa própria, na qual nos impuseram 21 anos de ditadura para salvar a democracia. Não se viram obrigados a assumir um real compromisso de fidelidade ao novo regime, que é aceitar o significado da mudança histórica para esse regime.

A quinta coluna continua a nos intimidar hoje: será que podemos reconhecer o absurdo, o ridículo que é precisarmos saber da opinião de generais para remover um presidente acusado de violar a Constituição e ser uma ameaça à saúde pública? De onde vem essa consulta? Que poder lhes dá a Constituição? Se nossa democracia é intimidada por essa mesma sombra desde 1985, se nossa democracia só existe como uma concessão dos militares, dá pra dizer que somos – ou fomos – uma democracia real? Um regime que nasceu intimidado, forçado a aceitar a Anistia. E que parece ter um limite sobre o que pode decidir, limite imposto por uma ameaça de uso ilegal da força.

Não estou sugerindo um grande expurgo em 1988. Voltando à Alemanha: a Bundeswehr nasceu em 1955 e fez uso de nazistas: não era exatamente fácil achar oficiais alemães sem um passado dez anos depois da guerra. Mas os nazistas tinham que fechar o bico e a revelação de um passado ou opiniões problemáticas dava escândalo e podia significar expulsão.

Dizem que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Mas devíamos parar de subestimar o quanto a hipocrisia é algo superior à apologia ao vício. Hipocrisia é um problema pessoal; a apologia é de todos. Em 1988, o Brasil devia ter, no mínimo, imposto aos militares a hipocrisia.

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Fragging: assassinatos entre americanos e a derrota no Vietnã https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/16/fragging-historia-vietna/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/02/16/fragging-historia-vietna/#respond Sun, 16 Feb 2020 10:00:20 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/fragging-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=377 Para quem não viveu a época (eu incluso), o fim da Guerra do Vietnã tem algo de misterioso: como o Davi realmente venceu Golias? Por que os EUA desistiram e deixaram o Vietnã comunista ganhar por W.O, quando tombava um soldado seu para dez vietcongues?

O resumo mais aceito é que não havia mais clima político para isso. O que é vago e nebuloso –é difícil ver como hippies fazendo protesto podem fazer seu país perder uma guerra. Mas um fenômeno da guerra permite entender concretamente qual era o tamanho da desmoralização que fez com que os EUA perdessem: o fragging.

O nome vem das granadas de fragmentação (o icônico “abacaxi”) e a ação é simples: joga-se uma granada de fragmentação na tenda ou embaixo de sua cama de um oficial dormindo. E cabum! –o motim foi um sucesso. Não é possível identificar o autor facilmente porque a granada se espalha, sem deixar indícios de digitais, e, na confusão que se segue, todo mundo acaba se misturando. Além disso, os vietcongues faziam exatamente a mesma coisa, jogando granadas em tendas de americanos, tornando incerta a natureza do ataque. Por fim, mesmo quando a tropa sabia quem era o matador, pedir para quem está tão furioso quanto ele, ou tem medo dele, ser dedo-duro não era exatamente popular.

As razões para o fragging explicam como a guerra foi perdida. Havia uma diferença de geração entre oficiais e soldados: às vezes pouca, mas o suficiente para fazer valer o dito da época: “não confie em ninguém com mais de 30”. Os soldados não viam nenhum propósito na guerra, enquanto os oficiais haviam sido criados no anticomunismo dos anos 50. Os oficiais eram voluntários: estavam lá porque queriam. Os soldados eram recrutados à força, em sorteios transmitidos pela TV. Então, quando um oficial decidia ser o “John Wayne”, como diziam–arriscar a vida de todo mundo para ser visto como herói –ele se tornava alvo de fragging. E o “John Wayne” podia ser bem modesto: às vezes bastava fazer seu trabalho. Reprimir o consumo de drogas era particularmente impopular. Também havia questões raciais: oficial negro e subordinados brancos ou vice-versa. O general (negro) Colin Powell, secretário de Estado no governo de George W. Bush, afirmou que mudava seu colchonete de lugar toda noite, para não ser morto por granada. Segundo ele, por tentar reprimir drogas.

O historiador George Lepre, autor de Fragging: Why U.S. Soldiers Assaulted Their Officers in Vietnam (“Fragging: Por que os Soldados dos EUA Atacaram Seus Oficiais no Vietnã”) estimou no mínimo 900 casos, só entre 1969 e 1972, com 99 mortos. Outros casos ficaram na ameaça, verbal ou em fato, jogando uma granada não letal, de fumaça ou flashbang, como aviso. E quase certamente o número é sub-reportado: além do fragging poder ser atribuído a vietcongues, podia ser também praticado em campo, e aí com um mero tiro “mal-apontado”, não granada.

O fragging, além de ser um sintoma imenso de como os EUA desistiram do Vietnã, levou à mudança da estrutura das Forças Armadas dos EUA. Em 1973, o recrutamento compulsório foi encerrado e, desde então, a força é totalmente voluntária. Fragging continua a existir ainda hoje, e houve incidentes nas guerras do Afeganistão e Iraque –como em 2003, quando o sargento  Hasan K. Akbar jogou quatro granadas contra sua própria tropa. Mas a epidemia ficou no passado.

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As armas nucleares trouxeram a paz? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/as-armas-nucleares-trouxeram-a-paz/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/as-armas-nucleares-trouxeram-a-paz/#respond Wed, 29 Jan 2020 23:25:00 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Castle_Bravo_007-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=368 A “paz” atômica é uma realidade da Guerra Fria que continua até hoje. Sim, hoje, mesmo depois de acordos terem reduzido o arsenal nuclear mundial em 95% – de 70.300 em 1986 para 3.750 em 2019, dos quais 1.750 pertencem aos EUA e 1600 à Rússia, pelo relatório do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo.

A única vez em que dois países com armas nucleares entraram em confronto foi na Guerra de Kargil, entre maio e julho de 1999, quando Índia e Paquistão lutaram por uma região de fronteira. Apesar de declarações ambíguas dos dois lados, que davam a entender a possibilidade do uso das armas nucleares, a intensa oposição diplomática internacional contra o Paquistão, que havia começado a guerra, fez com que o país desistisse.

Essa tensa situação é a chamada MAD (Mutually Assured Destruction, “Destruição Mútua Assegurada”). A ideia é simples: “eu morro, você morre”. Se um país atacar outro com armas nucleares, é destruído por armas nucleares. E a maior prova de que a MAD funciona é o quanto os países tentaram acabar com ela.

CORRIDA CONTRA A PAZ

Em 1949, quatro anos e 20 dias depois da bomba de Hiroshima, a União Soviética fez seu primeiro teste nuclear. Quando isso aconteceu, os países tinham o mesmos método para atacar com armas nucleares: bombardeiros. Isso foi mudado em 4 de outubro de 1957, quando o lançamento do Sputink 1, o primeiro satélite artificial, causou pânico nos EUA. Foi entendido que, se os soviéticos podiam colocar uma esfera de aço no espaço, podiam também alcançar os EUA com mísseis nucleares. E era exatamente isso: o lançador do satélite era uma versão modificada do foguete R-7 Semyorka, o primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM), capaz de sair da URSS e atingir o território americano pelo espaço. Os EUA correram atrás e conseguiram lançar sua versão, o Atlas, em novembro do ano seguinte.

A chamada corrida armamentista foi, e é, mais que criar armas, dar um jeito de acabar com a MAD, seguido por acabar com o jeito que inventaram para acabar com a MAD. Cada país queria ter a capacidade de atacar primeiro. Um “ataque decapitador” cujos alvos prioritários não eram cidades e populações civis, mas instalações nucleares adversárias e centros de comando, cuja localização era ao menos parcialmente conhecida por satélite e aviões espiões. E uma escapatória foi continuar a usar aviões: entre 1960 e 1968, os EUA mantiveram uma frota armada de de bombardeiros B-52 no ar indefinidamente, numa rota que se aproximava do espaço aéreo soviético. Outra são submarinos nucleares, impossíveis de detectar, que circulam armados pelos oceanos até hoje. Aviões, ICBMS e submarinos formam a tríade nuclear possuída por Rússia, China, EUA, Índia e, possivelmente, Israel.

Outra tentativa de burlar a MAD foi instalar armas mais perto, mísseis de médio ou curto alcance. Um ICBM leva meia hora até atingir seu alvo, enquanto um próximo pode fazer isso em questão de minutos, não dando tempo para reação. Quando os EUA instalaram mísseis na Turquia, a URSS reagiu instalando em Cuba – levando à Crise dos Mísseis de 1962, o mais próximo que o mundo chegou da aniquilação nuclear, e terminou com ambos retirando seus mísseis.

O equilíbrio também é ameaçado por sistemas antimíssil, uma ideia tão antiga quanto os mísseis, desenvolvida em paralelo. Basicamente, são mísseis (antigamente nucleares) que explodem no espaço, destruindo os mísseis rivais. Os EUA criaram os mísseis Nike-Zeus em 1961 e os soviéticos, que começaram o trabalho em 1959, puseram seu A-35 em operação em 1971. Ainda que seja uma medida defensiva, se um país a possui, pode atacar impunemente. Se ambos a possuem, não tem mais paz atômica.

A reação, antes mesmos de os mísseis antimíssil soviéticos ficaram prontos, foi criar os veículos múltiplos de reentrada (MIRV): um míssil que se reparte em vários outros.  Isso quer dizer que, para cada míssil, o inimigo precisa criar até 10 outros mísseis antimíssil – e, na Guerra Fria, falávamos de caríssimos mísseis nucleares.

DE VOLTA À CORRIDA

A tecnologia criou uma situação insustentável para ambos os lados. Em 1972, EUA e União Soviética firmaram um acordo limitando o número de mísseis antimíssil. Em 1993, depois do fim da URSS, foi feito um acordo anti-MIRV entre Rússia e EUA, que previa o banimento total, mas nunca foi concluído. Ambos terminaram cancelados em 2002, quando os EUA abandonou o primeiro e a Rússia anunciou que iria ignorar o segundo.

Novos acordos se seguiram, os arsenais diminuíram, mas continuamos numa situação em que dois países com mais de 1600 armas – só as ativas, não as que podem ser montadas em questão de dias ou estocadas desde a Guerra Fria – tentam criar formas como poderiam aniquilar o outro primeiro.

Estamos vivendo uma nova, se mais discreta, corrida armamentista. Em 2009, o presidente dos EUA Barack Obama anunciou um reforço ao sistema AEGIS antimíssil, que usa antimísseis mais baratos que armas nucleares, programa que segue em desenvolvimento ainda hoje. A Rússia, por seu turno, está desenvolvendo o ICBM RS-28 Sarmat, pensado para levar 15 ogivas em MIRV e burlar defesas antimíssil de diversas formas, como dividindo sua carga antes de ser interceptado e contando com um sistema antimíssil ele próprio.

O que nos leva, finalmente, de volta à pergunta do título. Além da Crise dos Mísseis, a Guerra Fria teve várias passagens assustadoras, como, em 26 de setembro de 1983, quando o coronel soviético Stanislav Petrov recebeu um alerta de seus equipamentos, mostrando que os EUA tinham disparado mísseis. Isso o obrigava a iniciar um ataque de retaliação, algo que ele simplesmente se recusou a fazer, por ter um palpite que o alarme era falso. Era, mas o mundo foi salvo da aniquilação por alguém não seguindo o plano. E esse é um entre ao menos 10 eventos semelhantes em ambos os lados.

Existe também a possibilidade de uma arma nuclear de algum país cair nas mãos de grupos terroristas. Essa é contrabalançada pela possibilidade de detectar a “assinatura” de um ataque atômico, características que permitem saber qual país fez a arma. Mas é uma defesa tênue.

Enfim, o que a história demonstra é que armas nucleares não garantem a paz. Garantem a paz nuclear. Que é outra coisa: uma paz que pode ser a causa da guerra. Se não foi ainda, é em boa parte por pura sorte.

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Em 1970, Brasil tinha uma ditadura mais repressiva que a da URSS, afirma estudo da CIA https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/estudo_cia_polity_brasil_urss/#respond Fri, 17 Jan 2020 22:35:10 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/880px-golpe_de_1964-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=355 Comentando sobre a ausência de questões no Enem sobre a ditadura militar, o ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou hoje que é um tema “polêmico” e “não há pacificação sobre o que aconteceu”. Ele não explicitou qual é a polêmica exatamente, mas o fato é que a ditadura brasileira é tão “polêmica” para o resto do mundo quanto o Genocídio Armênio é “polêmico” fora da Turquia.

Vamos trazer um exemplo que não podia ser menos de esquerda: a CIA. Essa mesma, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. A fonte pública da CIA afirma que o que, há 50 anos, o Brasil não só era uma ditadura, quanto extremamente repressiva. De fato, mais que a União Soviética ou Cuba na mesma época.

O diretor atual do Estudo explica por que, mas primeiro vamos ao estudo em si.

Usado pela agência e também referência para o próprio governo americano, o estudo Polity, atualmente na versão 4, teve início nos anos 1960, pelo trabalho do falecido cientista político Ted Robert Gurr (1936-2017), da Universidade de Maryland. Ele classifica o tipo de regime dos países do mundo. O trabalho de Gurr foi bancado pela CIA e a versão atual é feita pela ONG Center for Systemic Peace (“Centro para Paz Sistêmica”), criada e patrocinada pela Political Instability Task Force (“Força-tarefa da Instabilidade Política”), fundada também pela CIA, em 1994.

O Polity dá uma nota entre -10 e 10, de absoluta ditadura a absoluta democracia. Ou, pelos termos do estudo:  democracia (6-10), anocracia aberta (1-5), anocracia fechada (-1 a -5) e autocracia (-6 a -10). Anocracia querendo dizer um regime híbrido, nem democracia, nem ditadura total. Em sua última edição, cobrindo até 2013, o Brasil levava uma nota 8 e a Venezuela, 4.

Nos tempos da ditadura, entre o AI-2 e a abertura de Geisel, o Brasil tem uma nota -9. O que quer dizer autocracia absoluta, a mesma nota da União Soviética no fim do regime Stalin e da China durante a Revolução Cultural.

Gráfico Polity IV do Brasil
O gráfico do Brasil mostra uma democracia em queda, a ditadura e a abertura (Reprodução)

Na mesma época, a União Soviética levava -7:

Polity IV Russia
O gráfico da Rússia mostra uma ligeira melhora após a morte de Stalin, em 1953 (Reprodução)

Assim como Cuba:

Polity IV Cuba
Relatório de Cuba mostra a ditadura atual e a anterior, de Fulgéncio Batista (Reprodução)

Os únicos a ganhar -10 são a Coreia do Norte e o Haiti de Baby Doc Duvalier.

O Polity IV não conta mortes, mas a situação política de um país. E, em seu relatório, usa o termo “ditadura militar” para explicar o tipo de regime brasileiro, sem qualificação adicional. Monty G. Marshall, diretor atual do Centro para Paz Sistêmica, explica as razões para a nota tão baixa: “[O estudo] Polity não mede especificamente repressão, mas ele nota a coerção em determinar política pública ou limitar competição política. Em geral, ditaduras militares são semelhantes a Estados hegemônicos de partido único. Elas via de regra têm um sistema se auto-seleção para o Executivo ou autoridade designada para o Executivo”. A ditadura brasileira confirmava seus generais no Congresso, mas qual seria o “candidato” marcado para ganhar era escolhidos em decisão interna da cúpula militar. Quanto à comparação com a União Soviética, é a de uma ditadura ativa para uma que já havia sido pacificada. “O grau de repressão nas autocracias é uma função da intensidade do dissenso entre ativistas de oposição, no lugar de uma forma específica de autoridade executiva. Repressão sempre é aplicada por forças de seguranças leais em resposta a provocações reais ou percebidas. Autocracias podem evitar repressão aberta quando os elementos da sociedade civil se mantém obedientes ou inativos.”

Sobre a questão eleitoral da ditadura, a de que havia um sistema com um partido de oposição permitido e eleições regulares – geralmente levantada por seus apoiadores para negar seu status de ditadura – Monty diz que é irrelevante: “É a intenção do sistema de classificação Polity garantir que pseudo ‘democracias’recebam nota de acordo com suas práticas, não suas ‘fachadas’. Muitos regimes personalistas e de partido único tentam aumentar as percepções de legitimidade por procedimentos eleitorais que são controlados pelo regime. Desde a queda do comunismo soviético, essas ‘fachadas democráticas’ foram entendidas por autocratas como uma farsa necessária para abrandar a crítica internacional. Mas essa expectativa de penduricalhos democráticos parece estar retrocedendo em anos recentes.”

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Onde estarão ‘golfinhos assassinos comunistas’ do Irã? https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2020/01/10/ira-golfinhos-assassinos-comunistas/#respond Fri, 10 Jan 2020 22:49:51 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Parc_Asterix_22-300x215.jpg https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=345 Com esse nome mesmo, “golfinhos assassinos comunistas”: a notícia saiu no site miltary.com, passou a tabloides britânicos e está se espalhando. O Irã poderia ser portador de uma arma secreta: golfinhos da ex-URSS treinados para matar. Matar horrivelmente.

As notícias são especulativas. Mas golfinhos assassinos comunistas – e capitalistas – têm uma história que merece ser contada e involve o Irã. Há razões para acreditar que o país possa ter seus golfinhos assassinos… jihadistas? Khomeinistas?

Golfinhos militares são reais. Eles existem há mais de 5 décadas. Em 1960, a marinha dos EUA capturou golfinhos para um estudo sobre hidrodinâmica, a ser usado em novos modelos de torpedos. Rapidamente, os cientistas notaram como eram extremamente amigáveis e dispostos a aprender. Assim, em 1962, um segundo programa foi começado, para testar as capacidades militares dos animais. Não só golfinhos de diversas espécies, como belugas, orcas e leões-marinhos foram testados. No final, leões-marinhos e golfinhos nariz-de-garrafa foram escolhidos, num programa que foi empregado nas guerras do Vietnã, do Golfo e do Iraque.

Nós não somos um animal marinho; eles são. Golfinhos são imensamente superiores a humanos embaixo d’água. Eles se orientam por ecolocalização, “vendo” no escuro ou em águas turvas. Com isso, conseguem achar objetos e, principalmente, pessoas com uma facilidade muito maior que qualquer equipamento ou mergulhador. Nas ações da Marinha dos EUA, eles disparam boias localizadoras próximas a minas aquáticas ou objetos perdidos no mar, ou prendem sinalizadores em mergulhadores inimigos, por meio de uma suave narigada. Os “soldados” voltam para avisar seu treinador e ganham um peixe. E para por aí: quem mata, se precisar, são humanos, que jogam granadas submarinas contra o mergulhador.

Os americanos afirmam jamais ter pesquisado o uso letal de mamíferos marinhos. Dizem que não conseguem diferenciar civis de militares, nem amigos de inimigos. Mas dissidentes, como o ex-treinador da Marinha Michael Greenwood, que fez sua denúncia em 1977, afirmam que houve, sim, pesquisas de armas letais, que incluíram tentar criar golfinhos kamikaze.

Nessas denúncias, uma arma particularmente escabrosa: uma agulha ligada a um tubo de gás carbônico comprimido, perfurando o torso do inimigo humano numa narigada. O gás faria o mergulhar inflado boiar até a superfície sem controle. Na prática, seria menos Looney Tunes e mais Faces da Morte. “Eles iriam para a superfície”, afirmou o conservacionista Doug Cartlidge, consultor da Sociedade Europeia de Cetáceos, em entrevista para a ukdiving.com. “Claro que iriam. Mas seria com suas tripas saindo por ambas as pontas.”

Carlidge afirma ter visitado nos anos 90 o que restara do programa soviético, na Ucrânia, numa base em Sevastópol, Crimeia. Ele descreveu o golfinho assassino soviético como algo mais sofisticado que o americano de décadas antes. Ele encaixaria um localizador no inimigo, como fazem os americanos, mas esse localizador também teria a ampola de gás comprimido. Primeiro os marinheiros tentariam capturar o inimigo vivo. Apenas se não o encontrassem ativariam o sistema letal. Doug acredita também que os EUA têm um programa letal secreto, do qual nem os próprios treinadores não letais da Marinha fazem ideia.

Com a queda do regime soviético, no fim de 1991, o programa sobreviveu até 2000. A Ucrânia o retomou em 2012, diante das tensões crescentes com a Rússia e, ironia, perdeu a Crimeia, com a base, para a Rússia em 2014. A Rússia herdou os golfinhos e afirma ter uma versão “de ataque”, capaz de operações letais.

O que tem o Irã com isso? Voltemos a 2000: quando o programa foi encerrado, a Ucrânia vendeu os golfinhos para o Irã, o que foi reportado pela BBC à época. Com eles foram seu treinador, Boris Zhurid, que disse então que ira com eles “Para Alá ou para o Diabo, desde que estejam bem”. Como um golfinho-nariz-de-garrafa pode viver até 50 anos ou mais, os mesmos animais dos tempos soviéticos poderiam ainda estar vivos. Ou novos podem ter sido treinados.

O problema dessa teoria é: onde estarão eles? Nunca mais se ouviu falar dos golfinhos soviéticos ou de seu treinador. Não é exatamente fácil esconder grandes piscinas e animais levados a mar aberto. O E o Irã costuma alardear seus avanços militares, que servem de deterrentes para uma invasão ocidental. Em março passado, o país inclusive proibiu aquários com mamíferos marinhos, afirmando ser uma forma de abuso animal.

Se houver mesmo os golfinhos iranianos, e se houver mesmo guerra, podem encontrar seus pares americanos no Golfo Pérsico. O que aconteceria então?

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Atrocidade química ou… cocô de abelha? O mistério da chuva amarela https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/29/atrocidade-quimica-ou-coco-de-abelha-o-misterio-da-chuva-amarela/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/29/atrocidade-quimica-ou-coco-de-abelha-o-misterio-da-chuva-amarela/#respond Fri, 29 Nov 2019 20:35:51 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/chuvaamarela-300x215.jpg http://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=43 A fuga dos americanos de Saigon em 30 de abril de 1975 foi má notícia para o povo Hmong do vizinho Laos. Enquanto corria a Guerra do Vietnã, seu país vivia a “Guerra Secreta”, como a batizou a CIA: o confronto entre a monarquia do rei Savang Vatthana e os comunistas do Pathet Laos, os primeiros apoiados pela CIA e pelos capitalistas do Vietnã do Sul, os segundos, pelos comunistas do Vietnã do Norte e os soviéticos. Os Hmong do Laos estavam do lado da monarquia e a resposta não tardou a chegar quando os comunistas do Vietnã viram suas mãos livres da guerra interna. A Guerra Civil do Laos seria vencida pelos comunistas antes do fim do ano. Vistos como vendidos aos americanos, os Hmong sofreram o que descreveriam como política de extermínio, com prisões, tortura e execuções mesmo entre civis apolíticos. 30% dos Hmong acabariam fugindo do Laos.

Os refugiados foram parar na Tailândia e alguns de lá foram para os EUA. Com eles, levaram suas histórias de guerra. Uma das quais saltou aos olhos do mundo mais que as outras: a chuva amarela.

PROJETO SECRETO?

Segundo sobreviventes, enquanto eles tentavam se refugiar na floresta, helicópteros e caças dos comunistas lançaram contra eles uma substância amarela e viscosa. As plantas morriam. E as pessoas tinham sangramentos, convulsões, até cegueira. Relatos parecidos começaram a aparecer também entre os refugiados do Camboja, invadido em 1979 pelo Vietnã comunista para depor o também comunista (e brutal) regime do Khmer Vermelho. (Para constar: o Khmer Vermelho era apoiado pelos EUA.)

Rapidamente, a chuva amarela virou um escândalo mundial: comunistas vietnamitas bancados pelos soviéticos estavam usando armas químicas, contrariando a Convenção de Genebra, da qual a União Soviética e, a partir de 1980, o Vietnã eram signatários.

Em 1981, o o Secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig, levou a público a denúncia:”Encontramos agora evidências físicas do Sudeste Asiático, que foram analisadas e encontraram níveis anormais de micotoxinas – substâncias venenosas que não são nativas da região e são altamente tóxicas para o homem e para os animais”. Isto é, a URSS estava usando compostos de um fungo letal produzido em casa para envenenar seus opositores no Laos. Em 1982, um relatório do toxicologista C. G. Mirocha, da Universidade do Minnesota, confirmou os relatórios, encontrando micotoxinas nas roupas dos refugiados, com um misterioso pó amarelo.

Tanto os soviéticos quanto os vietnamitas e comunistas laotianos negaram veementemente. Entra em campo um jogador de peso: o geneticista e biólogo molecular Matthew Meselson, também um militante contra armas químicas, que havia estudado os efeitos do Agente Laranja no Vietnã. Ele teve acesso às regiões problemáticas e conduziu seu próprio estudo.

Sua conclusão: cocô de abelha. Era isso o que era a chuva amarela.

RESPOSTA NA NATUREZA

Meselson notou que as micotoxinas citadas na verdade eram comuns na região. Mais importante: todas as amostras apresentadas continham pólen. Ao olhar esse pólen no microscópio, notou que as plantas eram locais e as células estavam ocas –  algo que acontece quando passam pelo sistema digestivo de um inseto. Mais tarde, com a repercussão, foi apresentado um estudo chinês de 1976, que abordava camponeses falando em “chuva amarela”– as exatas mesmas palavras dos laotianos. Era um fenômeno idêntico, menos os helicópteros e caças. Uma substância amarela e oleosa caiu aparentemente do nada. Em suas conclusão, os biólogos chineses também apontaram para as abelhas. Um enxame voando rápido a 10 metros de altitude é muito difícil de enxergar contra o céu. Tanto na China quanto no Laos, as pessoas teriam levado a saraivada sem entender de onde vinha.

O governo dos EUA reagiu reconhecendo o pólen, mas dizendo que havia sido adicionado pelos soviéticos para disfarçar suas armas bioquímicas. Meselson contestou, dizendo que isso exigiria o transporte de toneladas de pólen sem detecção por milhares que quilômetros. Estudos posteriores confirmaram o pólen e não indicaram armas químicas. Um consenso na comunidade científica acabou se formando em favor de Meselson, o de que o episódio foi mesmo uma mistura de pavor de guerra com propaganda. As agências e militares dos EUA, porém, mantém até hoje que havia armas químicas, admitindo que não têm como provar.

Quanto aos refugiados Hmong, a maioria não se convenceu com a versão de Meselson. Em 2012, o jornalista Robert Krulwich entrevistou o sobrevivente Eng Yang e sua sobrinha, a escritora Kao Kalia Yang, para falarem da chuva amarela. Krulwich insistiu agressivamente na teoria da abelha, deixando Kao Kalia, segundo diria depois “à beira das lágrimas”. Acusado de racismo, insensibilidade e condescendência, o jornalista publicaria uma retratação.

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Eleições não fazem uma democracia: os muitos golpes da Ditadura https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/ https://flashback.blogfolha.uol.com.br/2019/11/15/eleicoes-nao-fazem-uma-democracia-os-golpes-da-ditadura/#respond Fri, 15 Nov 2019 22:23:31 +0000 https://flashback.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/vote-3676577_1280-300x215.png https://flashback.blogfolha.uol.com.br/?p=280 presidente Jair Bolsonaro acaba de dizer que não existiu ditadura no Brasil. Em suas palavras: “você tinha direito de ir e vir, você tinha liberdade de expressão, você… votava”.

Liberdade de expressão num regime com censura prévia é negacionismo. Direito de ir e vir num país com os 5 mil exilados, a maioria sem condenação formal, é discutível. Se o regime não gostasse de você, era o direito de voltar para ser preso e torturado.

Mas eleições havia. Cinco delas: 1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. Todas permitiram oposição. Entre as denúncias contra o regime militar, não está a mera fraude eleitoral massiva, como no Império e na República Velha. As urnas não mentiam. E mesmo Emílio Garrastazu Médici, indicado por uma junta militar (mais adiante), exigiu que o Congresso fosse reaberto para “elegê-lo”. O regime não terminou por revolução, mas pela eleição presidencial de uma chapa opositora, dentro de suas próprias regras.

E, ainda assim, foi ditadura. Do começo ao fim. Mesmo nos seus momentos mais “brandos”.

A NULIDADE DO VOTO

O Brasil nem de longe está sozinho em ter tido eleições sem democracia. Para instituições que absolutamente não podem ser acusadas de esquerdismo, como a Freedom House (ONG criada pela primeira-dama americana Eleanor Roosevelt) e o Projeto Polity IV (criado pela CIA), eleições formais dizem pouco. Ambos chamam o regime militar brasileiro de “ditadura militar” sem qualquer cerimônia. Inclusive o Polity IV a classifica como mais repressiva que URSS na época do AI-5 (fica para outro dia). 

Se você concluir que eleições bastam para definir uma democracia, então o Iraque de Saddam Hussein era uma democracia. Em 16 de outubro de 2002, ele foi confirmado num plebiscito no qual atingiu 100% dos votos. A União Soviética de Stalin realizou eleições em 1937 e 1950, permitindo independentes. Foi uma armadilha para pegar quem se levantasse para se candidatar, e também medir a força dos burocratas locais, punidos quando o PCUS não vencia em seu soviete.

Há um exemplo contemporâneo: a China tem um regime multipartidário. Oficialmente, o país se declara uma democracia. Das 2.980 cadeiras no Congresso Nacional do Povo, 2.119 são do Partido Comunista da China (71%). O resto se divide entre outros 8 partidos formalmente reconhecidos. E 470 independentes.

Mas ninguém compra essa “democracia”: os partidos formalmente reconhecem a primazia do Partido Comunista da China. Políticos problemáticos têm suas candidaturas cassadas.  

As eleições da ditadura não eram iguais às da China. A oposição não era aliada. Mas há uma semelhança: era um regime que consentia uma opção eleitoral que não podia mudar nada.

ROUBANDO NO PRÓPRIO JOGO

O regime começou por limar a oposição que o incomodava: foram 41 deputados cassados no AI-1, proclamado 8 dias depois do golpe, e 168 ao longo de regime. Entre os que perderam os direitos políticos estava gente como Juscelino Kubitschek, que de esquerdista não tinha nada, mas venceria facilmente qualquer general numa eleição limpa. 

O golpe de 1964 foi só o primeiro dos vários golpes da ditadura. Dá para listar ao menos mais seis:

  1. Em 1965, veio o AI-2, impedindo a eleição direta para presidente e dissolvendo todos os partidos, forçando-os a se reunir em dois: Arena, Aliança Renovadora Nacional, o partido da Ditadura; e MDB, Movimento Democrático Brasileiro, a oposição que não havia sido posta na ilegalidade.
  2. Em 7 de dezembro de 1966, veio o AI-4, obrigando esse Congresso mutilado e sob supervisão militar a fazer uma nova Constituição ao gosto do regime.
  3. Em 13 de dezembro de 1968, veio o famoso AI-5, que suspendeu as garantias dessa própria Constituição, fechando o Congresso, criando censura prévia e permitindo prisões sem acusação formal.
  4. Em 31 de agosto de 1969, seria a vez da junta militar. O ditador (como se chama um presidente ilegítimo de uma ditadura?) Costa e Silva teve um acidente vascular cerebral e, no lugar de assumir seu vice, o civil Pedro Aleixo, como previa a Constituição dos próprios militares, tomaram o poder os três ministros das Forças Armadas, criando uma junta militar que proibiu a expressão “junta militar”. Imporiam o general Emílio Garrastazu Médici como sucessor.
  5. e 6. A Lei Falcão e o Pacote de Abril.

Esses dois últimos seriam no período Geisel, o ditador que começou a “abertura gradual”.  Nas eleições de 1970, tempos do AI-5, da vitória na Copa, do milagre econômico e do “Ame-o ou Deixe-o”, a Arena havia feito 223 cadeiras contra 87 do MDB. Todos os senadores eleitos, exceto os da Guanabara (um vestígio do antigo Distrito Federal, unificada com o Rio em 1975) eram da Arena. Na eleição seguinte, um susto: em 1974, os brasileiros de 16 dos 22 estados decidiram por candidatos da oposição no Senado – só não obtiveram maioria porque os mandatos são de 8 anos e o Senado, como ainda hoje, renovava alternadamente um terço e dois terços de suas cadeiras a cada eleição. Nas eleições de 1974, foi só um terço. No Congresso, a situação foi menos dramática: 203 versus 161. Ainda assim um avanço ameaçador.

Os militares entraram em pânico. E vieram os dois “golpinhos” já citados: a Lei Falcão é de 1/6/1976 e o Pacote de Abril, de 13/4/1977. 

Os militares mudaram as regras do jogo para a próxima partida. Pela Lei Falcão, candidatos foram basicamente proibidos de falar na TV. A lei limitava a propaganda eleitoral a uma foto do candidato com número – até mesmo jingles com letra eram proibidos. Supostamente feita para equalizar as chances entre candidatos ricos e pobres; na prática, foi um jeito de calar qualquer discussão política. O Pacote de Abril foi mais explícito: garantiu ao presidente apontar um terço do senado – os retrofuturisticamente apelidados “senadores biônicos”.

Em A Ditadura Encurralada, Elio Gaspari relata traz o relato de um político da Arena com o Geisel: “disse que o general lhes pedira que se mobilizassem para a campanha eleitoral, pois queria ‘vencer e aumentar o percentual democrático, evitando a possibilidade de uma ditadura’. Tradução: se o governo perdesse, corria-se o risco de uma virada de mesa. Corolário: para quem quiser virar a mesa, será melhor perder a eleição do que ganhá-la”.

Isto é, os próprios militares diziam que, se não dessem um golpe brando, dariam um golpe duro. Enfim, era um regime que fazia um jogo eleitoral no qual não podia perder. Como a China. Como a União Soviética. Como Cuba.

SEM UM ESTRONDO, COM UM GRUNHIDO

Nas eleições de 1978, o Senado, contando biônicos e mandatos começados em 1974, terminou com 42 para a Arena e 25 para o MDB. No Congresso, o avanço do MDB não foi totalmente contido pela Lei Falcão: 189 do MDB versus 231 da Arena. 

Sob o sucessor de Geisel, João Figueiredo, a “abertura gradual” levou à Lei de Anistia em 1979, e o fim do bipartidarismo em 1980. Em 1982, o governo militar aceitou se expor a eleições mais ou menos competitivas. O agora Partido Democrático Social, como não sem certa ironia decidiu se rebatizar a Arena, ganhou 49% dos assentos (234 de 479), com o resto dividido entre as novas legendas. 

A ditadura teria eleito seu último candidato não fosse uma traição. Dois anos depois, a imensa pressão do movimento Diretas Já, além de desavenças internas com a indicação de Paulo Maluf (último candidato do regime que prometeu limpar o Brasil) e uma proposta para estender o mandato do general Figueiredo (isto é, mais um golpe ainda), levou a um racha no partido do regime, formando o Partido da Frente Liberal (hoje Democratas).

A criação do PFL, tomando votos do PDS, e algumas abstenções do próprio PDS, levariam à eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney em 15 de janeiro de 1985, com 480 votos (72,4%), contra 180 (27,3%).

E, desta vez, sem apoio das classes civis que os alçaram ao poder, e não sem novas ameaças de golpe da linha dura, os militares aceitaram seu destino. Como último gesto, Figueiredo recusou-se a passar a faixa a Sarney. Famosamente declarou: “Que o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”.

E saiu pelos fundos do Palácio do Planalto.

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